Interpretação do consentimento do paciente

AutorFlaviana Rampazzo Soares
Páginas215-228
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INTERPRETAÇÃO
DO CONSENTIMENTO DO PACIENTE
Não basta o assentimento do paciente à atuação médica para todos os problemas
e dúvidas se dissiparem. Tudo o que interessa ao mundo jurídico passa pelo olhar do
intérprete, que vê um determinado fenômeno a partir de sua lente preenchida de pré-
-signif‌icados, considerada a realidade complexa e plural, com a f‌inalidade de precisar o
seu conteúdo (implícito e explícito) e, a partir dele, especif‌icar a sua abrangência, para
descortinar as suas consequências. Ademais, a atividade do intérprete tanto abre espaço
à aplicação das regras de interpretação previstas no CC quanto para atuar na superação
de lacunas (mediante processo interpretativo-integrativo), com o propósito de precisar
o conteúdo e a extensão do consentimento emitido pelo paciente1.
O consentimento esclarecido, diante das especif‌icidades expostas no decorrer dos
capítulos anteriores, enseja interpretação segundo pautas próprias, que consideram
a sua natureza e as suas particularidades, concernentes à sua existencialidade e à sua
constituição como um processo intersubjetivo de ordem material. Tais pautas, em muitos
aspectos, se apropriam dos critérios estabelecidos na interpretação dos atos jurídicos
lato sensu, conquanto demandem adaptações decorrentes dos valores éticos e jurídicos
incidentes, porque, conforme mencionado, há envolvimento de um interesse relevante,
que é a manutenção das legítimas expectativas do paciente, vinculadas à sua condição
física ou psíquica e da sua autodeterminação em relação à condução da sua vida, em
especial no que diz respeito à sua saúde.
A interpretação relaciona o intérprete ao ato jurídico em sentido lato que será inter-
pretado. É um processo epistemológico, no qual esse intérprete, com autonomia, deve
buscar analisar a relação jurídica em seu todo e em suas complexidades, com a correla-
ção entre os seus f‌igurantes, almejando obter, a partir disso, a sua coerência. Busca-se
“a recíproca iluminação de signif‌icado entre o todo e seus elementos constitutivos”,
de modo que seja compreendida a “unidade do todo por meio das partes”, bem como
“o valor das partes por meio da unidade do todo”2. O teor de um consentimento com
a adequada interpretação chegará a enunciados razoavelmente conexos e ordenados,
1. Especif‌icamente em matéria de lacunosidade, ela pode ser legal ou negocial. A primeira está na falta de lei que
trate de uma matéria jurídica, ao passo que a segunda está na ausência de uma parcela de conteúdo, em um ato
concretamente considerado.
2. MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Interpretação..., cit., p. 58.
O art. 1189 do Código Civil francês prevê que as cláusulas devem ser interpretadas em relação umas às outras,
dando a cada uma o sentido que respeite a coerência de todo o ato. Havendo vários contratos vinculados, eles
devem ser interpretados considerando a função dessa complexidade contratual.

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