Interpretação do direito: coerência, verdade e quase verdade

AutorFernando Andreoni Vasconcellos
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Juiz de Direito em Curitiba
Páginas477-498
477
INTERPRETAÇÃO DO DIREITO:
COERÊNCIA, VERDADE E QUASE VERDADE
Fernando Andreoni Vasconcellos
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do
Paraná. Juiz de Direito em Curitiba.
Sumário: 1. Considerações iniciais: coerência e verdade – 2. Coerência
ou consistência? – 3. Coerência-local e coerência-sistêmica – 4.
Coerência normativa e coerência narrativa – 5. Direito, coerência e in-
tegridade – 6. Um novo conceito: quase verdade – 7. A quase verdade e
a interpretação do direito – 8. Considerações finais.
1. Considerações iniciais: coerência e verdade1
Tradicionalmente, existem três grandes teorias acerca da
verdade: a verdade por correspondência, a verdade pragmática
e a verdade por coerência.
2
Em relação à verdade por coerência,
1. Este artigo encampa algumas conclusões de minha tese de Doutorado, defendida
na Universidade Federal do Paraná, tendo como orientador o Professor José Rober-
to Vieira, a quem agradeço pela dedicação e paciência dispensadas durante toda a
orientação. A tese recebeu o título Coerência e Direito Tributário e foi publicada,
com algumas alterações, pela editora Juruá: VASCONCELLOS, Fernando Andreo-
ni. Interpretação do direito tributário: entre a coerência e a consistência. Curitiba:
Juruá, 2013.
2. Cf. KRAUSE, Décio. Newton da Costa e a filosofia da quase-verdade. Principia, v.
13, p. 113, 2009. “A concepção pragmática da verdade se deve basicamente a C. S.
478
ENSAIOS EM HOMENAGEM AO PROFESSOR JOSÉ ROBERTO VIEIRA
o seu conceito mais básico reside na atribuição de verdade às
relações de coerência em um conjunto de crenças.
3
Tal visão da
verdade não está imune a críticas. Como lembra Paul Thagard,
o universo existe há dez bilhões de anos, entretanto, as repre-
sentações humanas existem há menos de um milhão de anos, de
modo que é possível argumentar que a verdade, independen-
temente de representações, existe muito antes da própria exis-
tência do ser humano, e que, de certo modo, apesar dos méritos
do pensamento coerentista, a constituição da verdade apenas e
tão somente como coerência é uma proposta implausível.
4
Enquanto a teoria da verdade como coerência defende
que a verdade de qualquer proposição consiste em sua coerên-
cia com algum determinado conjunto de proposições/crenças,
a teoria a ela oposta, a verdade por correspondência, significa
que as condições de verdade das proposições não são, em ge-
ral, proposições, mas sim, as características objetivas do mun-
do – uma proposição verdadeira é a que corresponde à realidade,
quando há coincidência entre pensamento e realidade.
5
Peirce, um dos grandes lógicos e filósofos do século passado e do começo deste, o
criador do pragmatismo. Peirce escreveu: ‘considere que efeitos práticos concebe-
mos que o objeto de nossa concepção tem. Então, nossa concepção desses efeitos
constitui o conteúdo total de nossa concepção desse objeto’ (C. S. Peirce 1965, p.
31). A afirmação de Peirce pode ser claramente interpretada como significando que
a verdade pragmática de uma proposição depende de seus efeitos práticos, supon-
do-se, naturalmente, que esses efeitos sejam aceitos como verdadeiros, ou falsos, no
sentido comum da palavra verdade. [...] Assim, a verdade pragmática é fundada em
suas consequências básicas ou efeitos práticos, e não se mostra completamente
independente no sentido de correspondência com a realidade”. (ABE, Jair Minoro.
Verdade pragmática. Estudos Avançados. v. 5, n. 12, 1991, p. 163-164). Seria possível
também aludir à “verdade consensual”. Sobre o assunto, v.: HABERMAS, Jürgen.
Teo ría de la acción comunicativa: racionalidad de la acción y racionalización social.
Madrid: Taurus, 1998, v. 1.
Nota do editorial: A pedido do autor, nas transcrições, foi mantido o hífen após a
palavra “quase”, ficando, portanto, na forma anterior ao Acordo Ortográfico.
3. HAACK, Susan. Filosofia das lógicas. São Paulo: UNESP, 2002, p.127.
4. “My argument does not refute the coherence theory, but shows that it implausibly
gives minds too large a place in constituting truth.” (THAGARD, Paul. Coherence,
truth, and the development of scientific knowledge. Philosophy of science, n.74, p.30,
jan. 2007).
5. YOUNG, James. The coherence theory of truth. In: ZALTA, Edward N. (Ed.). The

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT