Interpretação extensiva da impenhorabilidade de quarenta salários mínimos para outras aplicações financeiras além da caderneta de poupança: análise do Resp 1.230.060/PR

AutorPaulo Roberto Pegoraro Junior
CargoAdvogado
Páginas10-16

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1. O caso

O artigo 649, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC), com a redação determinada pela Lei
11.382/06, estatuiu a impenhorabilidade absoluta da quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de quarenta salários mínimos, em regra que vinha sendo acolhida de modo restrito em posicionamento consolidado por ambas as turmas da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido de que os “valores depositados em aplicações financeiras perdem a natureza alimentar, afastando-se a regra da impenhorabili-dade” (AgRg no AREsp 385.316/ RJ, rel. min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 08/04/2014, DJe 14/04/2014), ou seja, de que apenas e tão somente as quantias depositadas efetivamente em caderneta de poupança teriam a proteção legal.

No entanto, no julgamento de um recurso especial afetado pela Quarta Turma à Segunda Seção do STJ, em 13 de agosto de 2014, relatado pela ministra Maria Isabel Gallotti, decidiu-se pelo reconhecimento da impenhorabilidade da quantia de quarenta salários mínimos poupada, “seja ela mantida em papel-moeda; em conta-corrente; aplicada em caderneta de poupança propriamente dita ou em fundo de investimentos, e ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias da situação concreta em julgamento (inciso X do art. 649)”, com voto vencido da ministra Nancy Andrighi (REsp 1230060/PR, rel. min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 13/08/2014, DJe 29/08/2014):

“Recurso especial. Processual civil. Impenhorabilidade. Artigo 649, IV e X, do CPC. Fundo de investimento. Poupança. Limitação. Quarenta salários mínimos. Parcial provimento.
1. A remuneração a que se refere o inciso IV do art. 649 do CPC é a última percebida, no limite do teto constitucional de remuneração (CF, art. 37, XI e XII), perdendo esta natureza a sobra respectiva, após o recebimento do salário ou vencimento seguinte. Precedente.
2. O valor obtido a título de indenização trabalhista, após longo período depositado em fundo de investimento, perde a característica de verba salarial impenhorável (inciso IV do art. 649). Reveste-se, todavia, de impenhorabili-dade a quantia de até quarenta salários mínimos poupada, seja ela mantida em papel-moeda; em conta-corrente; aplicada em caderneta de poupança propriamente dita ou em fundo de investimentos, e ressalvado eventual abuso,

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má-fé, ou fraude, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias da situação concreta em julgamento (inciso X do art. 649).
3. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1230060/PR, Rel. Minis-tra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 13/08/2014, DJe 29/08/2014).”

O recorrente se insurgia em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que afirmou que seu crédito trabalhista aplicado em fundo DI não possuía caráter salarial e alimentar, por isso poderia ser penhorado. O tribunal paranaense decidiu que a impenhorabilidade das verbas até quarenta salários mínimos somente seria aplicável às quantias depositadas em cadernetas de poupança, não atingindo valores depositados em fundos de investimento ou outras aplicações financeiras. Depositado em fundo de investimento, o crédito oriundo de reclamação trabalhista do recorrente não foi utilizado por mais de dois anos, compondo reserva de capital. Segundo o TJPR, em virtude da não utilização da verba para a satisfação de necessidades básicas, ela perdeu o caráter salarial e alimentar e ficou sujeita à penhora.

A relatora do recurso no STJ citou precedente da Quarta Turma (REsp 978.689), segundo o qual “é inadmissível a penhora dos valores recebidos a título de verba rescisória de contrato de trabalho e depositados em conta corrente destinada ao recebimento de remuneração salarial (conta salário), ainda que tais verbas estejam aplicadas em fundos de investimentos, no próprio banco, para melhor aproveitamento do depósito”.

A ministra afirmou, todavia, que concorda com o entendimento da Terceira Turma no REsp
1.330.567 sobre a penhorabilidade, em princípio, das sobras salariais após o recebimento do salário ou vencimento seguinte.

Para Gallotti, as sobras salariais “após o recebimento do salário do período seguinte, quer permaneçam na conta corrente destinada ao recebimento da remuneração, quer sejam investidas em caderneta de poupança ou outro tipo de aplicação financeira, não mais desfrutam da natureza de impenhorabilidade decorrente do inciso IV do artigo 649 do Código de Processo Civil (CPC)”.

Entretanto, a
ministra explicou
que as verbas obtidas após a solução
de processos na
Justiça do Trabalho “constituem poupança forçada de
parcelas salariais
das quais o empregado se viu privado em seu dia a dia por ato ilícito do empregador. Despesas necessárias, como as relacionadas à saúde, podem ter sido adiadas, arcadas por familiares ou pagas à custa de endividamento”.

Gallotti também considerou que o valor recebido como indenização trabalhista e não utilizado, após longo período depositado em fundo de investimento, “perdeu a característica de verba salarial impenhorável”, conforme estabelece o inciso IV do artigo 649 do CPC. Todavia, segundo a relatora, é impenhorável a quantia de até quarenta salários mínimos poupada, “seja ela mantida em papel moeda, conta corrente ou aplicada em caderneta de poupança propriamente dita, CDB, RDB ou em fundo de investimentos, desde que seja a única reserva monetária em nome do recorrente, e ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude, a ser verificado caso a caso”. A ministra afirmou que esse deve ser o entendimento a respeito do inciso X do artigo 649 do CPC.

Segundo ela, o objetivo do dispositivo “não é estimular a aquisição de reservas em caderneta de poupança em detrimento do pagamento de dívidas, mas proteger devedores de execuções que comprometam o mínimo necessário para a sua subsistência e a de sua família, finalidade para a qual não tem influência alguma que a reserva esteja acumulada em papel moeda, conta corrente, caderneta de poupança propriamente dita ou outro tipo de aplicação financeira, com ou sem garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC)”.

De acordo com a Segunda Seção, a verba de até quarenta salários mínimos – mesmo que tenha deixado de ser impenhorável com base no inciso IV do artigo 649 do CPC, em virtude do longo período de depósito em alguma aplicação – mantém a impenhorabilidade pela interpretação extensiva do inciso X, se for a única reserva financeira existente, pois poderá ser utilizada para manter a família.

Em sentido oposto, no voto-vista no qual manifestou sua divergência com a maioria, a minis-tra Nancy Andrighi entendeu pela impossibilidade da interpretação extensiva do art. 649, inc. X, do CPC, posto que diferentemente de outras aplicações financeiras, a poupança “constituiu investimento de baixo risco e retorno, contando com proteção do Fundo Garantidor de Crédito e isenção do imposto de renda e taxas de administração”, tendo sido concebida justamente para “pequenos

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investimentos, destinados a atender o titular e sua unidade familiar em situações emergenciais, por um período determinado (e não muito longo) de tempo”.

A ministra Andrighi, neste sentido, apontou que outras modalidades de aplicação financeira não detêm propriamente esse caráter alimentício, sendo voltadas para valores mais expressivos ou menos comprometidos, destacados daqueles vinculados à subsistência mensal do titular e sua família, visando necessidades e interesses de menor preeminência, como aquisição de bens duráveis, inclusive imóveis, ou uma previdência informal de longo prazo. Além disso, apontou ainda que a caderneta de poupança se reveste de relevante interesse social, na medida em que o mínimo de 65% dos recursos captados devem ser direcionados para...

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