Interpretação, Integração e Aplicação do Direito do Trabalho, sob a Ótica da Reforma Trabalhista

AutorAlfredo Massi
Páginas19-28

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Ver Nota1

1. Introdução

A edição da Lei n. 13.467/2017, denominada de “Reforma Trabalhista”, trouxe consigo substanciais alterações na legislação laboral do Brasil, sobretudo em matéria de interpretação, integração e aplicação do Direito do Trabalho. Até então disciplinados de forma singela pelo texto original da Consolidação das Leis do Trabalho, os mecanismos de interpretação, integração e aplicação do Direito do Trabalho foram alvos de modificações pela nova legislação, o que merece atenção dos estudiosos da indigitada área, por dizerem respeito à própria autonomia da disciplina juslaboral, à independência dos Poderes e aos limites da ingerência estatal sobre contratos privados.

É esse o ponto de partida deste estudo, que pretende analisar criticamente as alterações em referência, de maneira a investigar as aparentes bases teóricas que sustentaram a instituição da Lei n. 13.467/2017 quanto à matéria em foco. Visa-se, outrossim, propor uma compreensão constitucionalmente embasada dos parágrafos introduzidos no art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho por força da “Reforma Trabalhista”.

A metodologia empregada é dedutiva, por se estruturar na pesquisa da bibliografia pertinente ao tema objeto de estudo. Também pode ser designada de propositiva, pois sugere possíveis interpretações da novel Lei n. 13.467/2017, no que se refere à interpretação, integração e aplicação de normas referentes ao Direito do Trabalho.

2. Interpretação, integração e aplicação do direito – conceitos elementares

Não se poderia avançar no presente estudo sem que se tratasse, ainda que muito sinteticamente e em linhas gerais, sobre os conceitos de interpretação, integração e aplicação do Direito. Afinal, são esses pontos que o art. 8º da CLT, mesmo que singelamente, sempre disciplinou.

Aqui, vale a citação dos seguintes ensinamentos:

Interpretação, integração e aplicação são três termos técnicos que correspondem a três conceitos distintos, que às vezes se confundem, em virtude de sua íntima correlação (…) O termo “aplicação do direito” reserva-se, entretanto, à forma de aplicação feita por força da competência de que se acha investido um órgão, ou autoridade. O juiz aplica o Direito porquanto age, não como homem comum, mas como membro do Poder Judiciário. O mesmo acontece com o administrador. A aplicação do Direito é a imposição de uma diretriz como decorrência de competência legal. Mas, para aplicar o Direito, o órgão do Estado precisa, antes, interpretá-lo. A aplicação é um exercício que está condicionado por uma prévia escolha, de natureza axiológica, entre várias interpretações possíveis2.

A interpretação, assim, por concretizar a tarefa do jurista na “determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado de seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de conflitos”3,

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precede a fase de aplicação. A integração, por sua vez, “diz respeito aos instrumentos técnicos à disposição do intérprete para efetuar o preenchimento ou a colmatação da lacuna”4.

Feita essa breve digressão sobre tais termos elementares, passam-se a abordar as alterações sofridas pelo art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho em razão da Lei n. 13.467/2017.

3. Alterações no art 8º da consolidação das leis do trabalho – justificação legislativa

Como cediço, a Lei n. 13.467/2017 preservou o caput do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzindo, contudo, três parágrafos, onde havia somente o parágrafo único. Eis a antiga redação do mencionado dispositivo:

Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único – O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

Vide a atual redação do texto legal em apreço:

Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. § 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.
§ 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo cole-tivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

Digno de nota, nesse aspecto, o Parecer elaborado pelo Relator do então projeto de Lei n. 6.787/2016, Deputado Federal Rogério Marinho, pugnando pela constitucionalidade, juridicidade e “técnica legislativa” (sic) no texto que redundou na Lei n. 13.467/2017:

Art. 8º

O art. 8º da CLT é de fundamental importância para o Direito do Trabalho, estabelecendo a hierarquia que deve ser obedecida para a aplicação da norma jurídica. A expressão “na falta de” constante do caput indica que a principal fonte de direitos é a Lei para, em seguida, disciplinar as demais fontes. Nesse contexto, o contrato, a jurisprudência, a analogia só poderiam ser usados no vazio da lei. Todavia não é isso que temos visto. Os tribunais em nosso País, em especial as cortes trabalhistas, têm se utilizado da edição de súmulas e de outros enunciados de jurisprudência para legislar, adotando, algumas vezes, até mesmo um entendimento contrário à norma vigente. Com a nova redação proposta para o art. 8º, queremos deixar evidente a supremacia da Lei na aplicação do Direito do Trabalho, por mais paradoxo que possa parecer tal dispositivo, impedindo-se, dessa forma, a inversão da ordem de aplicação das normas. Essa prática tem dado margem a um aumento no número de ações ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, pois é comum que o empregador, mesmo cumprindo toda a legislação e pagando todas as verbas trabalhistas devidas, se veja demandado em juízo com pedidos fundados apenas em jurisprudências e súmulas dos tribunais. Além disso, transformamos o § 1º do art. 611-A do projeto de Lei originário em § 3º do art. 8º no substitutivo, para inscrevê-lo no rol de princípios fundamentais de aplicação, interpretação e integração da legislação trabalhista (sic, grifos nossos)5.

Apresentados os conceitos elementares que serão empregados neste trabalho, assim como as alterações realizadas no art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, passa-se à análise individualizada dos parágrafos insertos pela Lei n. 13.467/2017 no diploma legal referenciado.

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4. Direito comum e direito do trabalho – o § 1º do art 8º da consolidação das leis do trabalho

Conforme transcrito acima, o § 1º do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho dita que “O direito comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho”.
Uma interpretação literal de tal dispositivo, mormente se cotejado com o revogado parágrafo único do mesmo artigo, transmite a ideia de que a aplicação subsidiária do direito comum prescinde de compatibilidade com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. Isso porque o § 1º do art. 8º suprimiu a parte final do parágrafo único revogado, no trecho que permitia a aplicação subsidiária do direito comum, “naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste [direito do trabalho]”.

Seria defensável, pois, nessa linha de raciocínio, propugnar que é da mens legislatoris tornar mais presente o direito comum no processo de integração do direito do trabalho, independentemente de compatibilidade com os princípios fundamentais deste. Contudo, sob outra perspectiva, pode-se defender, como de fato entendemos neste estudo, que quatro são as razões pelas quais tal interpretação não procede.

Primeiro, porque a anuência com tal premissa vai de encontro com a autonomia do Direito do Trabalho. É corrente o entendimento de que o Direito do Trabalho, não obstante, metaforicamente, desgarrado do ramo do Direito Civil, é integrante do tronco do Direito Privado. Adquiriu, nesse instante, autonomia científica por apresentar princípios, regras e institutos próprios, ao mesmo tempo em que preservou o elemento volitivo nas relações respectivas, dado que a liberdade é suposta, mesmo que mitigada e substancialmente afetada por normas de ordem pública. Com efeito, é notório que o Direito do Trabalho é um ramo de conhecimento autônomo, por possuir, como ensina autorizada doutrina, inspirada no jurista italiano Alfredo Rocco, um campo temático vasto e específico, teorias próprias e uma metodologia...

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