Interrogatório das Partes

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas171-194

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Interrogatório e depoimento

Não apenas a doutrina como também os diversos ordenamentos jurídicos processuais vêm, ao longo de sua história, distinguindo entre interrogatório e depoimento das partes.

A distinção que se tem feito não é cerebrina como se possa cogitar, se não que decorre da própria razão finalística desses institutos processuais, segundo demonstraremos.

Interrogatório

Dispunham as Ordenações Filipinas (Livro 3.º, Título 20, § 4.º) que “Tanto que o réu for citado e vier a Juízo, o Juiz fará, assim que o autor como o réu, de seu ofício ou à petição da parte, as perguntas que bem lhe parecer, assim para a ordem do processo como para a decisão da causa”. Esse interrogatório das partes acontecia initio litis, ou seja, antes da produção das provas; caso o juiz, pelas respostas obtidas, se considerasse capacitado para julgar, proferia decisão definitiva; se não, ordenava que o autor oferecesse libelo na primeira audiência. Tal peculiaridade levou Cândido Mendes de Almeida (Código Filipino..., de 1970, p. 387, apud Moacyr Amaral Santos. Comentários..., p. 84) a observar, com precisão, que, se os juízes fizessem vigorar essa prática, muitas demandas morreriam no nascedouro.

O célebre Regulamento n. 737, de 1850, também previa o interrogatório dos litigantes (conquanto ocorresse após os autos virem conclusos ao juiz, para julgamento), bem como alguns Códigos de Processo Estaduais. Desse modo, se após examinar os autos o magistrado entendesse que seria necessário, para melhor formar o seu convencimento, determinava a citação das partes para que, em dia e hora previamente designados, viessem à sua presença, a fim de serem interrogadas. Poderia acontecer, então, que se verificasse a confissão nas respostas ao juiz, a que se referia o art. 162 do Regulamento mencionado.

Lembra Moacyr Amaral Santos (ob. cit., p. 84-85) que o CPC de 1939 não atribuía ao interrogatório a finalidade prevista no art. 342 do Código vigente, pois o texto revogado se limitava a disciplinar o depoimento pessoal, ainda que determinado de ofício, a ser colhido na audiência de instrução e julgamento.

Depoimento

Não é correto dizer-se depoimento pessoal, porquanto pessoais também o são os depoimentos das testemunhas e do perito.

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A lógica sugere, portanto, que se diga depoimento das partes — que, aliás, pode ser prestado por elas próprias (logo, nesse caso, será mesmo pessoal) ou por intermédio de terceiro, como se dá, comumente, com o empregador (logo, não será, a rigor, pessoal, no sentido da própria parte).

O depoimento pode ser ordenado, de ofício, pelo juiz ou a requerimento da parte contrária (CPC, art. 343); ele, em si, não constitui prova; será, contudo, meio de, sempre que provocar a confissão.

Objeto do depoimento são os fatos relacionados à causa, e não o direito; nada obstante, pode-se admitir a prova de direito consuetudinário — nesse último caso, mediante depoimento da parte ou produção de provas orais (CPC, art. 337).

Distinção entre ambos

Com base no próprio ordenamento processual civil vigente, podemos apontar os mais expressivos traços de dessemelhança entre o interrogatório e o depoimento:

a) enquanto o interrogatório é sempre determinado de ofício pelo juiz (CPC, art. 342), o depoimento pode, além disso, ser requerido pela parte adversa (CPC, art. 343);

  1. o interrogatório pode ser determinado em qualquer estado do processo (CPC, art. 342); já o depoimento deve ser colhido na audiência de instrução e julgamento (CPC, art. 343);

  2. o interrogatório tanto pode ser único como repetir-se mais vezes, desde que assim entenda necessário o juiz; o depoimento, em regra, é um só.

A distinção fundamental, todavia, entre um e outro está em sua finalidade: enquanto o interrogatório busca obter das partes certos esclarecimentos (ao juiz) sobre os fatos da causa, o depoimento, embora não despreze esse esclarecimento, pode acarretar a confissão.

Dessa forma, embora o interrogatório e o depoimento tenham, no particular, um elemento comum, que é a obtenção de esclarecimento acerca dos fatos narrados nos autos, somente este pode gerar a confissão (provocada) da parte.

Essa distinção essencial entre ambos se manifesta, igualmente, na hipótese de ausência injustificada da parte, ou de recusa em depor. Tratando-se de depoimento, a parte que não comparecer, ou, comparecendo, recusar-se a depor, ensejará que se presumam verdadeiros os fatos contra ela alegados, pois se configura, na espécie, a ficta confessio (CPC, art. 343, §§ 1.º e 2.º). Não se pode cogitar de confissão, todavia, se for o caso de interrogatório, porquanto o juiz não tem interesse em extrair a confissão da parte. Como afirmamos em linhas anteriores, o juiz é sujeito desinteressado do processo. Por essa razão, compartilhamos o entendimento de Moacyr Amaral Santos (ob. cit., p. 86), no sentido de que “O inadimplemento desse dever, que se refiete no de outro, qual o de ‘expor os fatos em juízo conforme a verdade’, autoriza a aplicação de uma sanção, que todavia não é prevista no art. 343”. E conclui: “Não nos parece aplicável a pena de confissão, do art. 343,

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relativa ao depoimento pessoal, porque o interrogatório não tem a finalidade deste e sim apenas a de aclarar os fatos da causa” (grifamos)85.

Parece-nos nítida, o quanto basta, a linha fronteiriça entre o interrogatório e o depoimento das partes, a desautorizar, com isso, que se afirme haver sinonímia processual entre ambos.

A matéria na CLT

A CLT, em absoluta falta de sistematização científica, ora se refere a depoimento (art. 819, caput), ora a interrogatório (art. 848, caput e § 1.º), fazendo com que o intérprete conclua, à primeira vista, que ela conferiu um tratamento unitário à matéria, uma vez que utiliza, indistintamente, ambos os vocábulos.

Temos para conosco que o deslinde da questiúncula deve ser buscado não pela análise isolada da significação de um e outro vocábulos, mas mediante uma visão global do problema relacionado ao comparecimento e à audição das partes no juízo trabalhista.

É inegável que no plano do processo do trabalho as partes devem comparecer à audiência: este é o comando do art. 843, caput da CLT, iterado pelo art. 845 do mesmo Texto. Há dois motivos que podem ser apontados como determinantes dessa disposição legal: a) propiciar a que o magistrado (CLT, art. 846, caput, e 850, caput) torne concreto o objetivo medular da Justiça do Trabalho, qual seja, a conciliação (CLT, art. 764, caput e §§ 1.º a 3.º); e b) possibilitar que sejam ouvidas.

Já é possível, a esta altura, estabelecer-se uma ilação parcial: o comparecimento das partes ao juízo trabalhista (à audiência) constitui dever legal; consequentemente, independe de requerimento do litigante contrário — em que pese ao fato de, por infiuência do processo civil, a petição inicial e a contestação, em geral, conterem requerimento nesse sentido (o que, em verdade, é desnecessário).

Presentes as partes e frustrada a primeira proposta conciliatória, proceder-se-á a instrução processual (procedimento ordinário), interrogando-se os litigantes (CLT, art. 848, caput), após o que poderão retirar-se (§ 1.º). A menção legal ao interrogatório das partes poderia, de certo modo, levar a que se concluísse, desde logo, inexistir no processo do trabalho o depoimento; isso seria precipitado, pois, como vimos, a CLT também aludiu ao depoimento no art. 819, caput. Cumpre, portanto, que prossigamos no exame da matéria.

Diz o caput do art. 848 da CLT, todavia, em linguagem clara, que não havendo o acordo “seguir-se-á a instrução do processo, podendo o presidente, ex officio ou a requerimento de qualquer Juiz temporário, interrogar os litigantes” (sublinhamos). Disso resulta que: a) o interrogatório das partes somente poderá ocorrer por iniciativa do juiz, considerando-se que os “juízes temporários”, classistas, foram eliminados da organização judiciária trabalhista. O magistrado, contudo, não está compelido a proceder ao interrogatório dos

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litigantes, pois esse ato constitui faculdade sua, tanto que o legislador empregou o verbo poder (podendo) e não dever (devendo)86.

Dir-se-á, contudo, que o art. 820 da própria CLT demonstra o desacerto de nossa afirmação, visto estabelecer que as partes poderão ser reinquiridas, por intermédio do juiz, a requerimento dos classistas, “das partes, seus representantes ou advogados” (destacamos). Convém redarguir, entretanto, em caráter proléptico, que o art. 820 deve ser entendido em conjunto com o art. 848. Dessa forma, somente se o juiz, por iniciativa sua, efetuar o interrogatório dos litigantes é que a parte poderá reinquirir (o prefixo re é bastante elucidativo) a que estiver sendo interrogada. Verifica-se, assim, que o art. 848 constitui o pressuposto legal para a atuação do art. 820 da CLT, na parte em que permite a rein-quirição pelos litigantes. De resto, a referência, ainda existente no texto do art. 820 da CLT, aos “juízes classistas” já não se justifica, pela mesma razão que não se justifica essa menção no art. 848.

O fato de o art. 820 estar compreendido na Seção das provas, e o 848, na da audiência de julgamento, em nada altera, venia permissa, os nossos argumentos, quanto mais não seja se colocarmos à frente a ausência de sistematização...

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