Intervenção do Estado na Ordem Econômica e no Direito de Propriedade

AutorWander Garcia
Páginas307-336
CAPÍTULO 10
INTERVENÇÃO DO ESTADO
NA ORDEM ECONÔMICA
E NO DIREITO DE PROPRIEDADE
10.1. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA
Apesar de vivermos num sistema de livre-iniciativa e de livre concorrência (art. 170
da CF), o Estado, para preservar outros valores previstos na Constituição, acaba por ter de
intervir na ordem econômica, de modo a evitar que abusos sejam cometidos.
É interessante iniciar o tratamento da presente matéria por sua raiz constitucional
para que depois possamos trazer à baila as disposições contidas na Lei 12.529/2011 (Lei do
CADE ou Lei Antitruste). Vejamos tais dispositivos constitucionais:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os se-
guintes princípios:
I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrên-
cia; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades regio-
nais e sociais; VIII – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independen-
temente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
“Art. 173. § 4º. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica estabelecerá a
responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados
contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da
lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público
e indicativo para o setor privado.
§ 1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibra-
do, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. (...)”
A Lei Federal 12.529/2011 estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
– SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômi-
ca, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência,
função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder
econômico (art. 1º).
O SBDC é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e
pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (art. 3º).
MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO.indb 297 04/12/2018 11:40:41
298 Manual de Direito Administrativo • Wander Garcia
O CADE é entidade judicante com jurisdição em todo o território nacional, que se
constitui em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça (art. 4º). Ele é constituí-
do pelos seguintes órgãos: a) Tribunal Administrativo de Defesa Econômica; b) Superin-
tendência-Geral; e c) Departamento de Estudos Econômicos (art. 5º).
Constituem infrações da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos
sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes
efeitos, ainda que não sejam alcançados (art. 36, caput): a) limitar, falsear ou de qualquer
forma prejudicar a livre concorrência ou a livre-iniciativa; b) dominar mercado relevante
de bens ou serviços; c) aumentar arbitrariamente os lucros; e d) exercer de forma abusiva
posição dominante.
Só haverá configuração de infração da ordem econômica se, ocorridas quaisquer
das hipóteses previstas no artigo 36, § 3º, da Lei 12.529/2011 (exs: preços concertados,
divisão ou limitação de acesso a mercado), tal implicar na ocorrência de uma das quatro
situações narradas no parágrafo anterior (art. 36, caput).
A lei prevê sanções pecuniárias (art. 37) e não pecuniárias (art. 38).
No primeiro caso (sanções pecuniárias), há multa à pessoa jurídica e também ao
administrador desta. Quanto ao segundo caso (sanções não pecuniárias), temos as seguin-
tes: a imposição de publicação de notícia sobre a ocorrência da prática anticoncorrencial,
a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e de participar de licitação,
a cisão da sociedade, a transferência de controle societário, a venda de ativos, a cessação
parcial da atividade ou qualquer providência necessária à eliminação dos efeitos nocivos
à ordem econômica.
10.2. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA
10.2.1. Introdução
A propriedade há de atender duas funções: a função individual, mais ligada aos inte-
resses do proprietário; e à função social, ligada ao interesse da sociedade.
Para garantir que a propriedade atenda à sua função social, o Estado nela intervém
com vista a preservar os seguintes valores:
a) uso seguro da propriedade: por exemplo, criando leis (Código de Obras) e fisca-
lizando seu cumprimento;
b) uso organizado da propriedade: por exemplo, criando leis de zoneamento e fis-
calizando seu cumprimento;
c) uso legítimo da propriedade: por exemplo, criando leis que impõem o silêncio
após dado horário e fiscalizando seu cumprimento;
d) uso social da propriedade: por exemplo, valendo-se dos institutos da desapro-
priação, servidão, requisição, ocupação temporária;
e) preservação do meio ambiente; por exemplo: valendo-se do instituto do tomba-
mento.
O foco do estudo da intervenção na propriedade recairá sobre as limitações adminis-
trativas, exemplificadas nos itens “a” a “c”, e também sobre os demais institutos menciona-
dos como exemplos nos itens “d” e “e”.
MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO.indb 298 04/12/2018 11:40:41

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT