A intolerância de sempre e a de hoje: uma leitura psicanalítica
Autor | Pedro Luiz Ribeiro de Santi |
Páginas | 158-173 |
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SANTI, Pedro Luiz Ribeiro de. A intolerância de sempre e a de hoje: uma leitura psicanalítica
Neste artigo, analiso as raízes da intolerância de
uma perspectiva psicanalítica e as formas que ela
tem tomado em nossa vida política nos últimos
anos. Em primeiro lugar, exponho uma concepção
sobre a relação entre a intolerância e a formação
do Eu para, então, compreender as mudanças
sobre o que é ou não tolerável em diferentes
contextos. Em seguida, passo a uma análise das
condições psicossociais para a tolerância ao outro,
desenvolvendo o argumento de que uma falha da
intermediação simbólica é um fator importante
nas formas contemporâneas da intolerância. Ante
a esta falha, as relações com ideias e pessoas
permanecem presas no imaginário e a capacidade
que é na instituição de uma intermediação
simbólica entre o Eu e o Outro que pode haver uma
condição de convivência mais tolerante.
Palavras-chave: intolerância; psicanálise;
contemporaneidade.
In this article, I analyze the roots of
intolerance from a psychoanalytic perspective, as
well as the ways it has been taken in our politic
between intolerance and the Ego origin; in order
to understand what changes in the measure of
that, I analyze the psychosocial conditions for the
tolerance of the Other, sustaining that a failure
in the symbolic intermediation is an important
issue in the contemporary forms of intolerance.
From that failure, the relation with ideas and
persons remains on an imaginary level, and the
My conclusion is that a symbolic intermediation
between the Ego and the other is a condition to a
Keywords: intolerance; psychoanalysis;
contemporaneity.
Introdução
Os pavios andam especialmente curtos de alguns anos para cá. A simples
menção a um termo que possa vir a ser interpretado de forma ofensiva por
alguém, ainda que sem esta intenção no contexto em que foi usado, gera uma
reação forte de recusa. Esta defesa é feita, aliás, sob o argumento da empatia
com relação a cada um que possa se sentir ofendido. Ironicamente, a busca
por empatia pode fazer a intolerância à expressão do outro voltar pela porta
dos fundos.
Nas redes sociais, muitas pessoas ainda caçam qualquer coisa que possa
ser posta em evidência para atacar o “outro lado” e expressam seu gozo ao
conseguir fazê-lo. Já a expressão e as publicações do “outro lado” são sempre
consideradas ofensivas e irracionais, gerando furor e desejo de aniquilamento.
O policiamento raivoso imposto ao outro não tem a contr apartida da autocrítica,
A intolerância de sempre e a de hoje: uma leitura psicanalítica
The usual intolerance and present one: a psychoanalytic view
http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2017v51n1p158
Pedro Luiz Ribeiro de Santi
Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo/SP, Brasil
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Revista de Ciências HUMANAS, Florianópolis, v. 51, n. 1, p. 158-173, jan-jun 2017
se sente violentado pelo outro se considera liberado para exercer sua própria
violência. Parece bastante claro que tais atitudes reativas mútuas só podem
levar a uma escalada de intolerância e ódio.
A intolerância acompanha as relações humanas. Ao mesmo tempo, pode-
se perceber que há momentos ou contextos culturais nos quais ela parece maior
ou menor. Por alguns motivos, que exporei adiante, considero que vivemos
um momento especialmente recrudescido de intolerância.
Neste artigo, meu objetivo é explorar algumas hipóteses psicanalíticas
aquelas que tomam em nosso ambiente contemporâneo. Meu objetivo é
de uma concepção sobre a relação entre a intolerância e a formação do
Eu
a mobilidade das
fronteiras estabelecidas entre o Eu e o não Eu
predominantemente individual, passo a uma análise das condições
psicossociais para a tolerância ao outro: é na instituição de uma intermediação
simbólica entre o Eu e o Outro que pode haver uma condição de convivência
mais tolerante
chamado “Antes, podia”.
Amós Oz , Como curar um fanático.
A intolerância e as fronteiras do Eu
identidade e expulsão do que pareça ameaçador a ela. É uma prevenção ante
alérgica.
Pode-se imaginar, então, que a intolerância é própria de um Eu forte;
por soluções de compromisso entre as forças em ação; ele se deixa afetar e
“E para o Eu será possível evitar a ruptura em qualquer direção, ao deformar
a si mesmo, permitir danos à sua unidade, eventualmente até se dividir ou
Em sua rigidez, o Eu intolerante denúncia seu terror à dissolução:
sua insegurança. Assumimos a hipótese, desde esta perspectiva, de que
a intolerância pode ser a marca de uma identidade ainda em construção
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