Introdução

AutorJosé Wellington Bezerra da Costa Neto
Páginas23-30

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Nota-se que há diversos sintomas que denotam a ascensão judicial no cenário do Estado de Direito e da Teoria Processual contemporânea. Estes sintomas são frequentemente abordados, contudo, como ilhas, isoladamente. Não se procura um aspecto sistemático de base, uma teorização de todos os elementos que informem esta evidente tendência contemporânea de fortalecimento do poder judicial, associada ainda à fusão entre as principais características que tradicionalmente sempre diferenciaram os regimes de common law e civil law.

Fala-se, por exemplo, em teoria da derrobatibilidade ("defeasibility") das normas, para justificar o afastamento da aplicação da legalidade estrita quando, à luz das particularidades do caso concreto ela se mostre iníqua1.

Ainda, da vocação da contemporaneidade para a jurisdição, identificada como a "intensificação da criação do direito pelos magistrados e a judicialização cada vez mais cristalina de conflitos e questões que antes restavam à margem do Judiciário"2.

Diz-se também que "o constitucionalismo moderno, e com ele a justiça constitucional exigem juízes capazes de elevar-se à altura do novo contexto e do novo desafio"3.

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Assim, defende-se que o juiz passe a atuar na direção do processo inserindo no procedimento toda carga de valores previstos como garantias fundamentais, autorizando-o inclusive a agir com maior flexibilidade4.

Destaca-se que "o juiz que apreende o conteúdo do direito do seu momento histórico sabe reconhecer o texto de lei que não guarda ligação com os anseios sociais", e que em situações que tais deveria ele extrair do sistema, em especial constitucional, elementos que lhe permitam decidir de modo a "fazer valer o conteúdo do direito do seu tempo" 5.

Ora, isto é prestigiar-se a justiça material em detrimento da justiça puramente legal, revirando todo o positivismo oitocentista e abalando os tradicionalismos geralmente defendidos sob insígnias como a segurança jurídica, separação de poderes e a falta de legitimidade democrática do Judiciário para afastar a aplicação de normas editadas por representantes eleitos.

A finalidade da jurisdição não é mais simplesmente atuar a vontade da lei, já que o juiz deve aplicar a lei de acordo com o conteúdo do Direito de sua época. A democracia social, pluralista e participativa adotada pelo nosso regime constitucional tem fins bem distantes daqueles que eram buscados pelo Estado Liberal, sendo lógico, portanto, que o Direito e a jurisdição tenham outros escopos6.

A experiência jurídica contemporânea referente ao processo civil denota três características bem definidas: a) constitucionalização das normas jurídicas fundamentais do processo; b) sabença de que o Direito reflete a cultura de um povo e c) a consciência de que o processo deve reagir ao direito material7.

A teoria protagonista reflete estes três nortes, na medida em que busca um amplo respaldo na filosofia constitucional e defende uma ousada postura de priorização dos reclamos sociais atuais de plena realização

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da justiça material. Reflete de modo amplo o formalismo-valorativo8, vislumbrando o processo como instrumento ético de estrutura técnica, revelando o imbricamento cada vez mais profundo entre processo civil, Constituição e cultura. Não por outra razão a tese poderá ser facilmente enquadrável na órbita da Filosofia do Direito e do Direito Constitucional, o que se reconhece seja um flanco aberto à crítica.

Tal posicionamento é inevitável. Isto porque a teoria do processo reflete a ideia de uma época, o conceito de Estado e as funções a este come-tidas. A teoria do Estado e o direito constitucional fazem parte da moderna processualística. Segundo leciona Marinoni, o tema do acesso à justiça trabalha a teoria do processo a partir da ideia de Democracia Social. O acesso à justiça é o rótulo da teoria processual preocupada com a questão social 9.

Claro que há exageros e desvios. Os mais comuns são as situações em que o "senso de justiça" esconde puras preferências pessoais do magistrado, sem nenhuma ressonância nas aspirações sociais. Isso de modo algum retira a importância e veracidade da teoria protagonista.

A teoria da relatividade por muito tempo após publicada não causou repercussão alguma nos meios científicos, tendo sido corretamente compreendida por uma minoria, e criticada por autorizadas vozes da física na época. Claro que não se está comparando a teoria protagonista com a da relatividade, até porque não cometeríamos o disparate de nos compararmos a Einstein.

A única coisa que se quer é pontuar que verdades científicas tidas hoje como irrefutáveis, já foram alvo de severa contestação e destacada estranheza quando cogitadas, e nem por isto deixaram de ser verdades. Houve

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necessidade de uma ruptura de paradigmas, e as vozes que se dispõem a tanto são, em geral, alvo de saraivadas de críticas.

A teoria proposta situa-se na esteira de movimentos que reconhecem o esgotamento de uma longa crise de depauperamento, perda de credibilidade e eficácia do sistema judiciário e do processo como atualmente praticados, o que não é privilégio brasileiro nem algo atrelado ao âmbito do...

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