Introdução
Autor | Rodrigo Leonardo de Melo Santos |
Ocupação do Autor | Advogado |
Páginas | 13-17 |
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Não se sabe precisamente quando o desejo sexual entre pessoas do mesmo sexo se manifestou pela primeira vez. Os indícios sobre esse fenômeno são tão antigos quanto os próprios registros da espécie humana1. No entanto, o valor que as diferentes culturas a ele atribuíram e o tratamento que dispensaram às pessoas que vivenciam esse desejo transformaram-se signiicativamente no curso da história.
Num período de aproximadamente dois milênios, viu-se o homoerotismo ser relativamente incorporado às práticas culturais da Antiguidade Clássica greco-romana; tornar-se objeto de censura religiosa da tradição judaico-cristã; converter-se em questão de moralidade e segurança pública, sujeita a severas sanções penais por parte do Estado; convolar-se em patologia, sendo incorporado ao discurso médico-cientíico oitocentista; e, a partir do século XX, ser assumido como pauta de uma luta articulada por reconhecimento, voltada à desconstrução de visões negativas socialmente (re)produzidas a seu respeito2.
Subjacentes a essas mudanças de postura, estão preconceitos e estereótipos os mais variados em relação ao homoerotismo3 que foram sendo estruturados, ao longo do tempo, em padrões de exclusão do diferente e que, ainda hoje, se articulam nas complexas e multifacetadas formas discriminatórias pelas quais se expressa a hostilidade contra os homossexuais, no que se convencionou chamar de homofobia4.
A própria concepção de homossexual, aliás, como uma identidade social dotada de características e atributos especíicos, moldada ao redor das práticas e desejos sexuais de um indivíduo, é uma categoria histórica dos séculos XIX e XX, que serviu para reforçar a noção de normalidade sexual, representada pela heterossexualidade5.
Essa concepção negativa da homossexualidade vem, porém, se desarticulando nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, notadamente com o surgimento e a expansão dos movimentos sociais em defesa dessa parcela da população. Vem se reconstruindo o valor atribuído à identidade homossexual, ao mesmo tempo em que se questionam os
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parâmetros de normalidade outrora forjados e ainda reproduzidos em relação à sexualidade humana.
A investida na desconstrução de preconceitos homofóbicos tem promovido uma nova transformação na percepção social quanto ao desejo entre pessoas do mesmo sexo.
Com efeito, ganha espaço a compreensão de que a orientação sexual6 de um indivíduo não seria, por si só, um critério legítimo para considerá-lo maior ou menor em dignidade. Exatamente por isso, não se prestaria a justiicar as práticas discriminatórias a que rotineiramente são submetidos os homossexuais nas diferentes esferas da vida social7.
Esta pesquisa se debruça sobre um dos mais importantes campos em que se desenvolve a luta por reconhecimento e de enfrentamento às discriminações homofóbicas: o mundo do trabalho.
O trabalho, ainal, como lembra Dejours, tem uma natureza marcadamente ambivalente, pois, ao mesmo tempo em que pode dar ensejo à alienação e à dominação, pode se revelar um instrumento de autorrealização, de inserção social e de airmação da identidade, desde que se desenvolva sob uma lógica de solidariedade e reconhecimento8 — condição essa que, atualmente, enfrenta percalços para se realizar, em face da disseminação do ideal de trabalho lexível e desregulamentado, bem como das pressões pelo individualismo e pela competitividade oriundas dos modelos de produção contemporâneos.
Ocorre que pessoas homossexuais, diante dos preconceitos e da discriminação a que estão expostas na dinâmica das relações de emprego, encontram barreiras adicionais para fazer do trabalho uma experiência positiva, um instrumento de realização pessoal, desenvolvimento da personalidade e ediicação identitária.
No entanto, a superação desse conlito entre o eu e o outro no mundo do trabalho, traduzido, no caso, na dualidade heterossexual-homossexual, não depende exclusivamente da renovação dos padrões culturais que orientam a estima socialmente atribuída a certas...
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