Introdução

AutorMarcella Furtado de Magalhães Gomes
Páginas7-32
1. INTRODUÇÃO
Tudo leva a crer que estamos aqui em face de uma das mais
inequívocas e significativas reações a uma crise espiritual sem
precedentes, que atinge a civilização ocidental prestes a
cumprir o terceiro milênio de sua história. [...] Um relativismo
universal e um hedonismo que não conhecem limites: eis os
padrões de avaliação e comportamento hoje dominantes e cujos
efeitos devastadores na vida de indivíduos e sociedades nos
surpreendem e nos inquietam.[1]
Henrique Cláudio de Lima Vaz
Lima Vaz alude ao interesse devotado à pesquisa ética
nos últimos tempos. Desde a fundação da Ética ocidental a
partir de Sócrates, a possibilidade do conhecimento do agir
humano depende da conciliação entre a razão e a liberdade,
de modo que, por um lado, a necessidade e a universalidade
do conhecimento racional não suprimam a contingência das
situações nas quais se dá a práxis e, por outro lado, que a
variedade imensa das circunstâncias não recuse à razão
intenção normativa sobre o agir.
Contemporaneamente, afirma-se de modo recorrente a
existência de uma crise ética, identificada pela inversão dos
valores ocidentais associada a uma crise do Direito, uma vez
que este faz parte do ethos. A formação de um corpo de
direito positivo estatal, geralmente legislado, nos países
ocidentais, aliado ao exacerbado cientificismo positivista dos
séculos XIX e XX, parece ter reduzido o estudo do Direito à
interpretação e à elaboração de cada ordenamento a um
processo lógico-formal de dedução de juízos de outros juízos.
Como ressalta Mata Machado (1995), o auge do
jusracionalismo desembocou na formação do rígido legalismo
da exegese francesa, abrindo as portas para a separação do
juridicamente válido do eticamente valioso. Toda a história
da Jurisprudência dos séculos XIX e XX gira ao redor desta
dicotomia.
Parece-nos inconcebível Teoria do Direito que, ao elevar
ao extremo a formalidade do sistema, torna a pessoa mero
elemento subjetivo das relações jurídicas. O Direito tem no
estudo sobre a Ética a informação de seu conteúdo de justiça.
Ora, a conaturalidade do Direito e da Ética que resulta nas
constantes tentativas de diferenciação de um e de outro já nos
é suficiente para demonstrar a relevância de um estudo ético
numa escola de Direito.2
Tal diferenciação, no tocante ao pensamento aristotélico,
é irrelevante, pois o estagirita e a própria grecidade como um
todo desconheciam tal especialização entre os dois assuntos,
entendendo o Direito como parte estrutural de objetivação do
ethos e, portanto, partícipe na formação e na conscientização
do sujeito ético.
A atual crise ética que vivemos e o relativismo dos juízos
valorativos da conduta humana impelem-nos a buscar o
fundamento racional de nossas ações, da mesma forma que a
linhagem que descendeu da missão délfica socrática o fez.
Entretanto, se as respostas à crise ética grega foram buscadas
na primeira tentativa de estabelecer uma relação entre razão e
liberdade, temos que havia, naquele tempo, profunda
confiança nas forças da razão, confiança essa que vale mesmo
se considerada a desconfiança dos sofistas. Durante a crise
atual, ainda que o pensamento aceite amplamente a
liberdade, parece recusar à razão a sua possibilidade de
encontrar a unidade na multiplicidade do mundo,
especialmente no que tange ao agir.
Dentro destas considerações faz-se presente o retorno às
teorizações gregas sobre a Ética. Não queremos aqui,
evidentemente uma vez que de uma longa jornada temos

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