Introdução
Autor | Maria Coeli Simões Pires |
Ocupação do Autor | Bacharel em Direito pela Pontifícia. Universidade Católica de Minas Gerais |
Páginas | 1-18 |
Introdução
A natureza, trabalhando a matéria informe, não raro, deixa traços de
perfeição e harmonia a revelarem uma sabedoria ímpar no Universo, sem pa-
ralelo no mundo da cult ura. Dão testemunho dessa engenhosidade a s belezas
naturai s espalhadas aos quatro cantos da Terra, basta ndo lembrar os Alpes su-
íços; as Portas de Ferro (rio Danúbio), na Romênia; os fiordes esca ndinavos; o
Fuji Yama, no Japão; o mar Morto, em Israel; o Niágara e o Grand Canyon, nos
Estados Unidos da América; os lagos e f lorestas canadenses; a cordilheira dos
Andes, na Amér ica do Sul; o país insula r das ilhas Baha mas, situado no mesmo
arquipélago em que se encontr am Cuba, Espanhola e as ilha s Turcas e Caicos;
a foz do Iguaçu, a Florest a Amazônica e a praia de Copacaban a, no Brasil.
Ocorre que o homem, ávido por extrapolar a pura contemplação da
natureza, nesta interfere, fazendo com ela conexões tendencialmente com-
plexas, na busca da satisfação de suas necessidades. Põe sobre ela suas mãos
– que exploram e tra nsformam na saga homocêntrica, mas, ta mbém, prote-
gem e criam, muit as vezes, com arte; sobre ela edif ica, deixa seus sinais pelo
tempo. Exemplos da capacidade tra nsformadora do labor humano são as Pi-
râmides do Egito; os Jard ins de Versalhes, a Cidade-Luz e o Vale do Loire, na
França; Roma e a Basílica de São Pedro, na Itália; o Panteon, na Grécia; a
Grande Mural ha da China; o Museu Hermitag e, na Rússia; o Palácio Ichmer
(séc. XIII), no Camboja; Ouro Preto e ta ntos outros monumentos.
Assim, a natureza e o homem legam à human idade, às nações, aos
grupos socia is verdadeiros tesouros, o dado, resultado dos fenômenos do
mundo físico e de suas muda nças espontâneas, e a experiência, que cria re-
presentações para lembra nça e projeção de vivências. Estes bens devem per-
durar no tempo – eis que a própria natureza e o homem lhes destinam im-
portante papel. A natu reza projeta-os como referências do tempo, da
geo logia, da transformação da matéria e de suas formas inatas por força da
energia e de outros fatores de mudança; o homem chega a dar-lhes alma,
voz, memória, certo tom de vida par a que, impregnados do tempo, possam
contar por si sós os mistérios, a trama da história; tradu zir os sentimentos
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Da proteção ao patrimônio cultural
que os envolveram; retratar o homem, suas c renças e percepções, sua época
e suas circu nstâncias. Um legado que deve ser apropriado em processo per-
manente de (re)signif icação nos ciclos geracionais, na perspect iva da subjeti-
vidade dos atores que o ani mam.
Nesse sentido, afirma Jean Baudri llard,1 objetos parecem existir para
personif icar as relações humanas, encar nando no espaço os laços afetivos da
permanência do grupo.
No âmbito da História Universal, a part ir de objetos, monumentos e
outras representações do mundo e das múltiplas experiências culturais, é
que se consegue, muitas vezes, reconstitui r o passado. Com efeito, imagens
de um mundo já desaparecido podem ser mentalmente recompostas por
meio de sinais guardados e resguardados em centros de cultura milenária,
como Atenas, Cairo, Ista mbul (antiga Constantinopla) e outros. São assim os
objetos e os monumentos elementos de conexão das cambiáveis experiên-
cias da human idade, das raças e das nações, sem descurar a importância de
outras representações menos convencionai s capazes de referenciar a divers i-
dade cultu ral e de versões da História.
Para que os tesouros legados pela n atureza e pelo homem possam per-
durar no tempo, ser apropriados i ntersubjetivamente e cumprir seu papel, de-
vem ser protegidos, sem o que nenhum bem da n atureza ou objeto da cultura
sobrevive ante a violência dos incontáveis fatores de destruição. É que as in-
tempéries da ordem natu ral e a impiedade do homem não se compadecem da
beleza ou da arte, e, então, lenta, mas seg uramente, quando não de forma
brutal, tr abalham para assolar os contornos, a matér ia, os pormenores.
Dessa impiedade, notadamente em relação aos bens culturais de natu-
reza material, já fa lava Diogo de Vasconcelos,2 em solenes exéquias, como ora-
dor oficial do In stituto Histórico e Geográf ico de Minas Gera is, na Igreja Ma-
triz de Nossa Sen hora da Boa Viagem, no Cur ral Del-Rei, em 25/11/1908:
“Podem-se levantar monumentos sunt uosos, colunas que afrontem as nuvens
e os séculos; a voracidade do tempo não resp eitará a matéria, nem os mármo-
res, nem os bronzes; não poupará a s artes, nem as estátuas, nem as esf inges”.
Contra a degradação opõe-se o ideal de proteção ao patrimônio,3 no-
tadamente na su a dimensão cultur al, ligado à compreensão do processo evo-
1 BAUDRILLA RD, Jean. O sistema dos obj etos. Tradução de: Zulmira R ibeiro Tava-
res. São Paulo: Editora Per spectiva, 1973.pp. 22 e 82.
2 Apud SENA, Caio Nélson de. Revi sta do Instit uto Históri co e Geográfi co de Minas
Gerai s. Belo Hor izonte, 1(1943-1944), 1945.
3 Regi stra-se que, no curso de ste trabalho, serão u sados os termos e express ões prote-
ção, preservação, con servação, tutel a e salvagua rda do patri mônio cult ural, ent re
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