Introdução

AutorAna Carolina R. P. Leme
Páginas37-43
37
De Vidas e Vínculos
Introdução
Escrito no calor do debate e em um período turbulento, durante a pandemia do vírus
SARS-CoV-2, o presente livro, analisando um fenômeno contemporâneo e complexo,
objetiva compreender as lutas por acesso à justiça via direitos dos motoristas que dirigem
para as plataformas Uber e 99 no Brasil. Percebeu-se que existem muitas e innitas lentes
para olhar o trabalho de motoristas plataformizados, e que o presente trabalho se soma a
tantos outros que buscam contribuir para o debate acerca do tema, o qual, diga-se de pas-
sagem, instiga e preocupa pesquisadores não apenas no Brasil, mas em todo o mundo e,
inclusive, em organismos internacionais. Nesse sentido, optou-se por compreender como se
conforma a luta desses trabalhadores por reconhecimento, redistribuição e representação,
sob a ótica da teoria tridimensional de Nancy Fraser.
A pesquisa, embora baseada em teoria da justiça sob uma perspectiva interdisciplinar,
teve o Direito como eixo central. E assim se diz porque a luta dos motoristas plataformiza-
dos é um problema de acesso à justiça, e esse problema ocorre em grande medida em face a
construção forjada pelas plataformas de transporte individual de passageiros de um espaço
de não incidência do Direito, em especial do Direito do Trabalho, campo social e econômico
no qual as plataformas construíram e seguirão construindo suas teses de afastabilidade do
seu espectro protetivo. No Brasil, segundo pesquisa empírica realizada pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR), de todas as decisões de Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs)
e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) envolvendo a Uber e a 99, de 2017 a 2021 (485
decisões), 78,14% destas decisões são desfavoráveis à caracterização da relação de emprego
entre o motorista e as plataformas Uber e 99, dados que revelam que, aparentemente, as
plataformas estariam ganhando a disputa pelo espaço jurídico-laboral.
O mapeamento feito pela autora deste livro, durante a pesquisa de mestrado reve-
lou que, até julho de 2018, não havia nenhum acórdão de Tribunal Regional do Trabalho
(TRT) reconhecendo vínculo de emprego entre o motorista e a Uber. Nesse mapeamento
identicou-se que havia algo disfuncional com a via de acesso à justiça. Percebeu-se ser
necessário realizar pesquisa de campo mais aprofundada para a compreensão do dado que
exsurgia – inexistência de decisão contrária, uma vez que deslocado da práxis e da própria
ciência jurisprudencial. A análise realizada desvendou que a jurisprudência dos tribunais do
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