Introdução ao direito do trabalho

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas37-48

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1. Aspectos preliminares
1.1. Conceito

Direitos humanos são todos aqueles positivados no plano internacional, sobretudo os que cuidam de liberdade e igualdade. Quando esses direitos estão constitucionalizados, isto é, incorporados ao ordenamento interno, chamamos de direitos fundamentais. Daí, temos dois aspectos: o conteúdo desses direitos são os mesmos (v.g., direito à vida é humano e fundamental); o âmbito em que se consagram, todavia, são diferentes (v.g., internacional e interno).

Ademais, assinalemos, como Patrick Wachsmann, que les droits de I’homme sont donc un universalisme (its s’adressent à tous les hommes, sans distinction), lls ne sont pas universels1, até porque certas peculiaridades humanas (fundamentos religiosos, culturais, etc.) colocam-se, em determinadas regiões, em posição diametralmente oposta àquela preconizada pelo direito habitualmente consagrado. Veja-se, para tanto, as distinções da cultura ocidental comparada à oriental.

Embora criticada por muitos renomados doutrinadores, costuma-se apresentar os direitos humanos divididos por gerações. Valério Mazzuoli, por exemplo, entende que não é exato falar em gerações, mas, adiante, admite a junção de uma a outra2. E há autores que preferem chamar de dimensões, por entender que se trata de terminologia mais adequada, a fim de identificar uma nova concepção de universalidade dos direitos fundamentais3.

As dimensões dos direitos humanos poderiam ser identificadas em três. A dimensão da liberdade, consagrada nas Constituições francesa e americana. A da igualdade, que aparece nas Constituições do México e de Weimar. A da fraternidade, contemplando os direitos transindividuais, por meio das constituições do segundo pós-guerra.

A classificação geracional, que não deve representar nenhuma condição preferencial de direitos, ou de eliminação do anterior pelo posterior, serve apenas de identificação histórica da consagração do direito humano na sociedade internacional, identificação, cronologicamente, o seu surgimento e nada além disso.

Na verdade, a um direito anterior é agregado um novo direito, ampliando-se, dessa forma, o leque de garantias que merecem proteção internacional e interna.

Assim, podemos identificar pelo menos cinco gerações de direitos humanos4, a saber:

· primeira geração: são direitos de liberdade existentes no Estado liberal, quando este tem uma postura negativa (non facere) ante os direitos, como, dentre outros, à vida e à liberdade. Sua consagração ocorreu com a Revolução Francesa, no final do século XVIII;

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· segunda geração: são os direitos de igualdade, existentes no Estado social, do qual se exige uma postura positiva de fazer (facere), devendo garantir, v.g., direito à saúde, à educação, ao emprego. Esses direitos surgiram, sobretudo, na segunda metade do século XIX, principalmente após a Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII;

· terceira geração: são chamados de direitos de solidariedade ou de fraternidade, que são direitos difusos, dentre os quais direitos à paz, ao desenvolvimento, ao meio-ambiente5. Seu aparecimento pode ser identificado com o final da segunda guerra mundial, no século XX;

· quarta geração: apresenta-se em duas versões, sem a mesma fonte de origem, mas apareceram em épocas próximas. Temos, de um lado, direito à democracia, à informação e ao pluralismo; e, de outro, direito à manipulação genética, à mudança de sexo, à clonagem, à genética. Ressaltamos: embora surgidos em momentos próximos, possuem origens absolutamente distintas. Ambas as versões sugiram próximas. O primeiro em meados do século XX e o segundo, por volta dos anos 60.

· quinta geração: são os que chamamos direitos subjetivos. Esses direitos apareceram nos últimos anos. Referem-se a respeito, amor, ética, serenidade, felicidade. Esses temas não são novos no cotidiano da humanidade. Deles trataram Aristóteles, Spinoza, e, mais recentemente, Bobbio. O direito à busca da felici dade figura nas Constituições dos Estados Unidos e da França e é enfaticamente tratado no Reino do Butão. As Nações Unidas estudam formas de adotar a Felicidade Interna Bruta (FIB) para substituir o Produto Interno Bruto (PIB)6. Esses direitos, nessa nova fase da humanidade, começaram a surgir mais fortemente no início do século XXI.

É na segunda geração, dos direitos de igualdade, que encontramos os direitos econômicos, culturais e sociais, inclusive o direito do trabalho e seus consectários.

Importa assinalar, com realce, que, como lembra Pontier,

Ia plupart des droits etl ibertés de Ia personne n’ont été affirmés que récemment parce qu’ils découlent des nouveltes possibilites scientifiques et techniques, et de I’évolutíon des idées sur Ia liberte 7 .

O Direito ao Trabalho, com efeito, é um direito humano fundamental de segunda geração, que exige postura afirmativa (facere) do Estado, sendo indispensável à sobrevivência do homem, como está no Livro do Gênesis (3, 17).

No conceito objetivista, trata-se de um conjunto de normas jurídicas (leis, contratos coletivos, etc.) que regulam relações oriundas de prestação de serviço, subordinado ou não, abrangendo preparação do trabalhador, organização profissional, relações jurídicas entre as partes e com o Estado, bem como suas consequências mediatas e imediatas.

As suas denominações foram várias. Foi Direito Operário, como utilizou a Constituição da República (CR) de 1937 (art. 16, XVI). Na Itália, foi chamado de Diritto Industriali (Direito Industrial). O saudoso Cesarino Júnior queria que se chamasse de Direito Social8. Como decorrência das corporações de ofício foi chamado de Direito Corporativo. No entanto, Direito do Trabalho é a denominação consagrada internacionalmente.

Algumas correntes existem para definir Direito do Trabalho. As três principais, na lembrança de Bueno Magano, são:

- corrente subjetivista: trata-se de direito de um determinado grupo conforme sua atividade.

- corrente objetivista: seria um conjunto de normas regulando trabalho subordinado ou equivalente.

- corrente mista: é o conjunto de normas regulando relação de trabalho, com vistas à melhoria de condições de vida do trabalhador9.

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Quanto à natureza jurídica, alguns entendem que o Direito do Trabalho é um ramo do direito privado. Outros, no entanto, dizem tratar-se de um tertius genus porque é público e privado ao mesmo tempo.

Esta, certamente, é a corrente mais adequada porquanto o Direito do Trabalho moderno reúne normas autônomas, fruto da vontade das partes (trabalhadores e tomadores de serviço em geral), e outras do Estado, que age mediante normas tutelares de proteção à dignidade do homem enquanto trabalhador.

1.2. Fundamentos

O Direito do Trabalho possui fundamentos ideológico/espiritual e histórico.

O fundamento ideológico/espiritual está consubstanciado na Doutrina Social da Igreja. As suas bases foram lançadas pela encíclica Rerum Novarum (Coisas Novas), de Leão XIII, a 15.03.1891.

Segundo a totalidade da doutrina, a razão fundamental para Leão XIII editar a Rerum Novarum decorreu da realidade constatada de uma tremenda desigualdade entre os homens e consequente exploração dos menos favorecidos pelas classes dominantes. Daí o fundamento ideológico/espiritual do Direito do Trabalho fundar-se nos ensinamentos papalinos, fruto da razão mesma de ser da Igreja Católica Romana, que prega a igualdade entre os homens e a necessidade de redução da pobreza com melhor distribuição de recursos e tratamento mais justo e digno aos seres humanos.

Paralelamente a esses sólidos argumentos, existe, a nosso ver, um fundamento considerável, de ordem político-econômica. O risorgimento, iniciado nos primórdios do século XVIII na península itálica, alcançou sua culminância com os movimentos de unificação que foram de 1859 até a anexação de Roma, então capital dos Estados Pontifícios, ao Reino da Itália já unificada, a 20.09.1870.

Perdeu o Papado os aproximadamente 41.000 Km2do território conhecido como Patrimonium Petri (Patrimônio de São Pedro), onde o Sumo Pontífice exercia soberania temporal. Com isso, Pio IX considerou-se prisioneiro nas muralhas do Vaticano, um bairro no centro de Roma, transformada em capital do Reino.

Pio IX também recusou aceitar a Lei das Garantias, de 13.05.1871, que tentava minimizar o mal-estar das relações da Igreja com o Estado laico. Essa situação perdurou até 11.02.1929, quando o Benito Mussolini e o Papa Pio XI assinaram os tratados de Latrão, fazendo recuperar a soberania temporal da Santa Sé sobre o Vaticano, as Igrejas de Roma e Castelgandolfo.

Com efeito, a partir de 1870, não foi boa a situação político-econômica da Igreja de Roma: perdeu soberania temporal, perdeu poder e não mais dominava as terras de antes. Por isso, entendemos que havia mais uma razão para que a Igreja adotasse postura impactante nas relações sociais da segunda metade do século XIX, e nada melhor que uma carta papal que apontasse a necessidade de grandes e profundas mudanças nas relações entre capital e trabalho e, com isso, resgatar, pelo menos politicamente, o prestígio que perdera com a unificação dos Estados Pontifícios ao reino da Itália.

Esta, a nosso ver, é outra razão importante (a político-econômica) que justificou a edição da Rerum Novarum.

O fundamento histórico decorre da Revolução Francesa, trazendo a pregação do liberalismo, e, na sua esteira, a Lei Le Chapelier, proibindo as associações de trabalhadores.

Esse marco histórico pregando a autonomia da vontade acabou por causar danos ao lado mais fraco, o trabalhador, até Robert Owen, na sua fábrica de tecidos, em New Lamark, na Escócia, preconizar as primeiras regras...

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