Introdução ao direito e economia

AutorIvo Gico Jr.
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela USP
Páginas1-32
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INTRODUÇÃO AO DIREITO
E ECONOMIA1
Ivo Gico Jr.
Doutor em Direito pela USP. Doutorando em Economia pela UnB. Mestre com honra
máxima (James Kent Scholar) pela Columbia Law School, New York. Graduado em
Direito pela UnB. Membro fundador e Diretor Acadêmico da Associação Brasileira de
Direito e Economia – ABDE e Editor-chefe da Economic Analysis of Law Review – EALR.
Advogado. e-mail: gico@ucb.br
Sumário: 1. Introdução – 2. O Direito na Análise Econômica do Direito: onde se enquadra a
AED?; 2.1. Jusnaturalismo; 2.2. Juspositivismo; 2.3. O mundo jurídico pós-positivismo – 3.
A economia na Análise Econômica do Direito: a metodologia da AED; 3.1. Epistemologia da
economia: o que é economia?; 3.2. O que é a Análise Econômica do Direito?; 3.3. Metodologia
da AED – 4. Notas de Conclusão – 5. Bibliograa.
1. INTRODUÇÃO
O direito é, de uma perspectiva mais objetiva, a arte de regular o comportamento
humano. A economia, por sua vez, é a ciência que estuda como o ser humano toma
decisões e se comporta em um mundo de recursos escassos e suas consequências.
A Análise Econômica do Direito (AED), portanto, é o campo do conhecimento hu-
mano que tem por objetivo empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos
econômicos e das ciências af‌ins para expandir a compreensão e o alcance do direito
e aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas, prin-
cipalmente com relação às suas consequências.
De um ponto de vista histórico-epistemológico, principalmente após a Segunda
Guerra Mundial e a ocorrência do Holocausto, a reação dos juristas romano-ger-
mânicos ao juspositivismo do século XIX foi um retorno ao direito enquanto valor,
próximo ao jusnaturalismo, mas f‌ixado em princípios constitucionais, tendo seus
praticantes não apenas abandonado a ideia de ciência jurídica, mas efetivamente se
afastado das demais ciências naturais e sociais na medida em que elas teriam falha-
do em fornecer uma Teoria do Valor que pudesse racionalizar decisões jurídicas. A
solução implicitamente adotada estaria na f‌ilosof‌ia. Não por outro motivo os para-
digmas dominantes na metodologia jurídica atual emprestam largamente da f‌ilosof‌ia
em detrimento de todas as outras formas de conhecimento humano. Apenas a título
1. Esse texto é uma adaptação de um artigo anteriormente publicado na Economic Analysis of Law Review
EALR, Vol. 1, nº1, 2010.
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de exemplo, basta lembrar que os programas de pós-graduação em direito muitas
vezes exigem que seus discentes cursem cadeiras de f‌ilosof‌ia do direito, mas cadeiras
interdisciplinares raramente são ao menos oferecidas.
A consequência desse afastamento é que, mesmo após a grande evolução que as
ciências naturais e sociais gozaram durante o século XX, os juristas ainda não possuem
qualquer instrumental analítico robusto para descrever a realidade sobre a qual exercem
juízos de valor ou para prever as prováveis consequências de decisões jurídico-políticas
que são seu objeto de análise tradicional. Em síntese, o direito não possui uma teoria
sobre o comportamento humano. É exatamente nesse sentido que a Análise Econômica
do Direito – AED é mais útil ao direito, na medida em que oferece um instrumental
teórico maduro que auxilia a compreensão dos fatos sociais e, principalmente, como os
agentes sociais responderão a potenciais alterações em suas estruturas de incentivos.
Assim como a ciência supera o senso comum, essa compreensão superior à intuição
permite um exercício informado de diagnóstico e prognose que, por sua vez, é funda-
mental para qualquer exercício valorativo que leve em consideração as consequências
individuais e coletivas de determinada decisão ou política pública.
Por outro lado, posturas e culturas de cada disciplina divergem marcadamen-
te em vários aspectos, sendo o diálogo entre juristas e economistas muitas vezes
truncado, para não se dizer antagônico. A proposta do presente livro é oferecer ao
leitor uma primeira aproximação à AED e suas várias áreas de aplicação, enquanto o
presente capítulo visa a contextualizá-la do ponto de vista epistemológico, no intui-
to de facilitar o diálogo pela exposição dos pontos em que a aproximação pode ser
útil e apontando para os pontos que devem ser tratados com especial cautela, já que
os praticantes de AED – tanto economistas quanto juristas – não necessariamente
possuem o treinamento adequado em ambas as áreas.
2. O DIREITO NA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: ONDE SE
ENQUADRA A AED?
Nas ciências naturais e sociais, o conhecimento evolui geralmente circunscrito
a um paradigma específ‌ico, vigente em um dado momento histórico, dentro do qual
os pesquisadores contemporâneos normalmente não questionam os pressupostos
sobre os quais trabalham: são os chamados períodos de “ciência normal”. O trabalho
de pesquisa é, via de regra, melhorar e expandir o conhecimento existente dentro
desse arcabouço teórico aceito explícita ou implicitamente pela comunidade cien-
tíf‌ica contemporânea. Quando as dif‌iculdades de explicar novos fenômenos ou de
responder a antigas questões de forma satisfatória se avolumam substancialmente,
essa superestrutura metodológica se rompe e há, gradualmente ou não, uma mudança
de paradigma.2
2. Kuhn, Thomas S. A estrutura das revoluções científ‌icas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São
Paulo: Perspectiva, 2007, p. 57 e ss.
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A utilização de paradigmas, apesar de ser uma noção relativamente gris, é útil na
compreensão de como a abordagem dos operadores do direito tem variado no tempo
e no espaço e, assim, o contexto histórico dentro do qual se insere a AED para que se
possa compreender adequadamente sua epistemologia e metodologia.
2.1. Jusnaturalismo
De acordo com a tradição ocidental, foram os gregos os primeiros a associar ao
direito uma natureza dúplice, parte decorrente da opinião dos homens e dela depen-
dente, e parte decorrente da própria natureza e, portanto, universal e independente
da opinião dos homens,3 sendo que o direito natural se sobreporia ao direito dos
homens, constituindo uma ordem limítrofe permanente e imutável.4 De certo modo,
esse difícil balanço entre uma noção metafísica de justiça (dita natural) e as leis dos
homens (demokratía) permeou e permeia o debate jurídico até hoje.
O paradigma jusnaturalista como uma forma de limitação ao poder do governante
desaparece em certo ponto da história com a queda do Império Romano e ressurge,
de forma semi-independente e dispersa, na Idade Média.5 Durante esse período, na
contínua disputa entre poder secular e religioso, o fundamento do direito natural
ora se assentava na razão ou na natureza (logo, independentemente da igreja), ora
em deus.6 É importante salientar que dentro do paradigma jusnaturalista não existe
diferença entre análise positiva (o que é) e normativa (o que deve ser) do direito,
pois se uma lei contradiz o direito natural, não decorre da razão (natureza) ou de
deus (intelecto divino) e, portanto, não é justa, logo, não é direito. Nesse sentido, a
discussão jurídica será sempre e necessariamente uma discussão idiossincrática de
valores morais e éticos do observador, intérprete ou aplicador, salvo se o interlocutor
acreditar em uma moral universalista, o que é cada vez mais raro em uma sociedade
que se deseja e reconhece pluralista e multivalorativa.
2.2. Juspositivismo
A percepção jusnaturalista começa a perder espaço ainda no século XVIII, com
Kant, que propugna a total separação entre direito (objeto de preocupação do ju-
3. Vide, por exemplo, Aristóteles. Ética a Nicômaco. Livro V, cap. 7. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin
Claret, 2007, Coleção A Obra-Prima de Cada Autor, vol. 53, p. 117.
4. Essa posição é relativamente clara no Segundo Livro de: As leis, de Platão que, após ter presenciado seu mestre,
Sócrates, ser condenado à morte pelos democratas atenienses, passou a desconf‌iar do poder ilimitado da
democracia (vontade do povo). Assim, o direito natural – o Governo pelo Direito – desempenharia o salutar
papel de limitação à vontade popular que, irrestrita, seria perigosa, i.e., o governo (mesmo democrático)
deveria estar submetido ao direito (natural). Cfr. Platão. As leis – Incluindo Epinomis. Prefácio de Dalmo de
Abreu Dalari. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 1999.
5. Para um resumo desse período, vide: Tamanaha, Brian Z. On the rule of law. Cambridge: Cambridge Uni-
versity Press, 2004, Cap. 2.
6. Tomás de Aquino é um dos maiores expoentes dessa corrente medieval ao mesclar o pensamento de Aris-
tóteles ao da igreja católica e fundamentar o direito natural na razão divina. Cfr. Aquino, Tomás de. Suma
teológica. Trad. Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira et alii. São Paulo: Loyola, 2001. t. I.
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