Introdução ao Estudo do Direito Desportivo

AutorMariana Rosignoli/Sérgio Santos Rodrigues
Ocupação do AutorAdvogada e sócia do Santos Rodrigues Santiago Tonello Advogados / Advogado e sócio do Santos Rodrigues Santiago Tonello Advogados
Páginas21-29

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1. Conceito Objeto. Missão. Importância

Direito Desportivo é o ramo do direito que trata exclusivamente das relações advindas do desporto em todas suas

O esferas, reunindo diversas normas e princípios sobre o tema de forma a abarcar uma gama de atividades.

Muitas são as definições do Direito Desportivo, apresentadas por diferentes autores em momentos diversos. Em 1981, por exemplo, Valed Perry o conceituou como sendo “complexo de normas e regras que regem o desporto no mundo inteiro e cuja inobservância pode acarretar a marginalização total de uma associação nacional do concerto mundial esportivo1”. Em 2002, Marcílio Krieger2 assim o definiu:

É a parte ou ramo do direito positivo que regula as relações desportivas, assim entendidas aquelas formadas pelas regras e normas internacionais e nacionais estabelecidas para cada modalidade, bem como as disposições relativas ao regulamento e à disciplina das competições.

Fato é que, conforme preceituou o espanhol Eduardo Blanco, direito e esporte são inseparáveis, uma vez que não há esporte sem regras de jogo.3Além de suas regras próprias, os esportes têm, desta maneira, um Direito específico que os regula para a manutenção da ordem e bom desenvolvimento.

Sendo assim, o objeto do Direito Desportivo atrela-se à questão do esporte em geral, regulando o dever do Estado quanto ao fomento de práticas desportivas, à organização das entidades de prática e das competições, à prática em si de determinada modalidade, às questões disciplinares relativas a cada uma, às relações entre os envolvidos, entre outras matérias. Como ensina Álvaro Melo Filho:

(...) o desporto é, sobretudo, antes de tudo, uma criatura da lei, pois, sem o direito, o desporto carece de sentido, porquanto nenhuma atividade humana é mais regulamentada que o desporto. Com efeito, “regras do jogo”, “Códigos de Justiça Desportivas”, “regulamentos técnicos de competição”, “leis de transferências de atletas”, “estatutos e regulamentos de entes desportivos”, “regulamentação de dopping”, atestam que, sem regras e normatização, o desporto torna-se caótico e desordenado, à falta de regras jurídicas para dizer quem ganha e quem perde.4

Em suma, consiste o Direito Desportivo em instrumento fundamental para o desenvolvimento e manutenção do desporto em suas diversas manifestações e, portanto, essencial à sua constante evolução para a manutenção do esporte organizado.

2. Autonomia e relação com os demais ramos do direito

Nos dizeres de Paulo Nader, o ordenamento jurídico é um todo composto por diversos ramos:

Um conjunto harmônico de regras que não impõe, por si, qualquer divisão em seu campo normativo. A setorização em classes e ramos é obra de iniciativa da Ciência do Direito ou Dogmática Jurídica, na deliberação de organizar o Direito Positivo, para fazê-lo prático ao conhecimento, às investigações científicas, à metodologia do ensino e ao aperfeiçoamento das instituições jurídicas.

Sublinhamos, novamente, a necessidade de se considerar todo o ramo do direito como espécie de um gênero comum. Antes de ser adjetivo, público, privado, penal, civil, o conjunto de normas expressa o substantivo

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direito. Assim, cada ramo do Direito Positivo, além de possuir caracteres próprios, participa das propriedades inerentes à árvore jurídica: processo de adaptação social; normas coercitivas sob o comando do Estado; sujeição à variação histórica e submissão aos princípios fundamentais do Direito Natural; fórmula de realização dos valores segurança e justiça.5

O Direito Desportivo é, portanto, um ramo específico do Direito com princípios, normas, institutos e fontes próprias. Possui legislação específica, estrutura especializada (justiça desportiva, sistema nacional do desporto e outros), doutrina própria e até mesmo vocábulo peculiar.

São estas características que fazem com que o Direito Desportivo seja completamente autônomo, embora tenha relação em alguns pontos com outros ramos do Direito, já que de acordo com Alfredo Rocco, citado por Mauricio Godinho Delgado, há três critérios para que um ramo alcance autonomia: (i) a existência de um campo temático específico, (ii) a elaboração de teorias próprias e (iii) uma metodologia específica.6

No caso do Brasil, especificamente, esta autonomia está inclusive formalizada na Constituição da República de 1988, que trata do Desporto em seu art. 217. Neste sentido, afirmou Carlos Miguel Aidar, citado por Marcílio Krieger:

(...) O direito desportivo tem uma característica extremamente diferente do direito trabalhista, do direito penal, do direito civil, do direito comercial, do direito tributário, enfim, dos tradicionais ramos do direito, porque o esporte está atrelado aos princípios internacionais. Porém é preciso que se diga que os princípios internacionais é que regulamentam o esporte. É possível formar, por exemplo, um time de basquete feminino, um time de vôlei feminino, um time de basquete masculino ou um time de futebol e jogar uma partida com qualquer outro grupo de pessoas de outra nacionalidade, de outra etnia, enfim, do outro extremo do mundo porque a regra é a mesma, a regra desportiva é igual, porque existem confederações internacionais que regulamentam a prática desportiva.7

Em relação a estas especificidades do ramo, também a lição de Paulo Schmitt:

(...) o Direito Desportivo diferencia-se dos demais ramos do direito, justamente porque está sob a égide de um determinado regime jurídico. Tal regime é composto de um conjunto sistematizado de princípios e normas, reunidos de forma coordenada e lógica, formadores de um todo unitário — o “regime jurídico desportivo”.8

O Direito Desportivo é, assim, um ramo complexo e que se reveste de caráter multidisciplinar, transcendendo a barreira jurídica e indo de encontro às ciências sociais e até mesmo às exatas. Pode-se considerá-lo gênero da família Direito, que possui várias espécies como: Direito Desportivo do Trabalho, Direito Desportivo Empresarial, Direito Desportivo Internacional, Justiça Desportiva, entre outros.

3. Fontes

As fontes do direito são a descrição das modalidades de entrada das normas no ordenamento jurídico, ou seja, o processo como o direito é formado e revelado. São conceituadas por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho como “os meios pelos quais se formam ou se estabelecem as normas jurídicas. Trata-se, em outras palavras, de instância de manifestação normativa”.9

Essas fontes, por sua vez, se distinguem na classificação de Paulo Nader, em três espécies: históricas, materiais e formais.10

As fontes históricas “indicam a gênese das modernas instituições jurídicas: a época, local, as razões que determinam a sua formação”, podendo a pesquisa limitar-se a antecedentes históricos recentes ou mais do passado.

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As fontes materiais, como causa produtora do direito “são constituídas pelos fatos sociais, pelos problemas que emergem na sociedade e que são condicionados pelos chamados fatores do Direito, como a Moral a Economia, a Geografia, entre outros”. São classificadas entre fontes diretas e indiretas.

Por fim, as fontes formais são “o meio de expressão do Direito, as formas pelas quais a normas jurídicas se exteriorizam, tornam-se conhecidas. Para que um processo jurídico constitua fonte formal é necessário que tenha o poder de criar o direito”. Também são classificadas entre fontes diretas e indiretas.

Como não nos cabe aprofundar nos estudos sobre as fontes do Direito, a partir dessa noção geral, apresentaremos as fontes próprias do Direito Desportivo.

3.1. Fontes do Direito Desportivo
3.1.1. Constituição Federal de 1988

O art. 24 da Constituição prevê a competência concorrente entre os entes federativos para legislar sobre algumas matérias, incluindo nestes itens o desporto:
Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

IX – educação, cultura, ensino e desporto;

(...)

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Anteriormente só a União tinha competência para legislar sobre o tema até que, com a Carta de 1988, esta passou a ser responsável pelas normas gerais enquanto os Estados e o Distrito Federal ficaram com a competência concorrente.

Além desta, uma das inovações da Constituição Federal de 1988 foi o enquadramento do desporto como um direito do cidadão. O art. 5º, que trata dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, em alguns de seus incisos passou a tratar direta e indiretamente de questões relacionadas ao desporto. Além disso, o art. 217 passou a mencionar expressamente o desporto, como dever do Estado e...

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