Introduction to the categorial complexes of social being/Introducao aos complexos categoriais do ser social.

AutorLara, Ricardo

Introducao

Na introducao da obra Para uma ontologia do ser social, Lukacs (2013) argumenta que um dos pressupostos essenciais para o conhecimento da especificidade do ser social consiste em entender o papel da praxis em sentido objetivo e subjetivo. Ao abordar as categorias trabalho, reproducao, ideologia e estranhamento como complexos de problemas mais importantes, o filosofo hungaro propoe realizar uma analise do ser social em seu processo continuo de socializacao.

As analises lukacsianas partem do pressuposto de que os processos sociais so sao compreensiveis como partes do organismo complexo. A sociedade e composta por complexos de complexos, em que o proprio homem biologico e em si um complexo e, sobretudo, enquanto complexo humanosocial, jamais pode ser decomposto. Nao se trata de determinacoes sociais que emergem posteriormente ao ser biologico, "mas da compreensao genetica da origem e formacao dos complexos" (LUKACS, 2014, p. 28), ou seja, para "toda questao ontologica, a genese deve constituir o ponto de partida" (LUKACS, 2013, p. 539).

Na investigacao dos fenomenos sociais, o "problema decisivo esta em como sao constituidos estes complexos e como podemos chegar a essencia real da sua natureza e da sua funcao" (LUKACS, 2013, p. 539). Os complexos se inter-relacionam e, simultaneamente, garantem a logica de cada complexo particular (trabalho, reproducao, ideologia, estranhamento) em sua coexistencia dialetica. A partir da compreensao dos complexos de complexos, Lukacs oferece a possibilidade para a critica do economicismo, das filosofias da historia de carater idealista, da interpretacao dos conceitos fechados em si mesmos e das analises sobre a vida social de modo fragmentado e pragmatico, que sempre buscam o fator determinante sem estabelecer conexoes historico-causais com a realidade.

Na proposta teorico-filosofica de Lukacs (2012 e 2013) os fenomenos sociais sao estudados em suas conexoes, nao se restringindo a impugnacao de uma ciencia particular que pretende abordar o "elemento" psicologico, sociologico e cultural do "objeto" em questao; ao contrario, a prioridade e entender o "objeto" como complexo em conexoes historicas e relacionais que explicam as formas e determinacoes da existencia. A questao central da abordagem e estudar o "objeto", a partir de sua historicidade e preponderancia social, sempre relacionado a particularidade e universalidade. Assim, as categorias que expressam formas de ser e determinacoes da existencia estao prevenidas das abstracoes logicistas.

A realidade e unitaria, dual, multipla, singular, composta, particular, universal, relacional, processual, historica e, acima de tudo, complexa, no sentido de que todos os fenomenos "desenvolvem-se segundo certos nexos causais, com acoes reciprocas em seu interior e acoes reciprocas de um complexo em relacao ao outro" (LUKACS, 2014, p. 86). No ser so cial, os fenomenos constituem complexos em que as condicoes de existencia sao proporcionadas pela crescente socializacao e integracao da sociedade, seja em relacao a natureza e/ou a propria sociedade. Assim, a historia enquanto ciencia e entendida como interpretacao e compreensao de processos heterogeneos e irreversiveis.

A historia e a interpretacao e a compreensao de processos irreversiveis. Se a historia retornasse sempre a um ponto de partida, entao, nao seria historia. Os processos irreversiveis da natureza organica, por um feliz acaso, produziram a vida organica na terra. E hoje sabemos, com base em Darwin e seus antecessores, que, dos primeiros vestigios de vida na terra ate o orangotango e o mamute, um processo irreversivel foi consumado. E neste processo irreversivel surgiu, por fim, o homem e a sociedade, de modo que podemos constatar completamente a observacao do jovem Marx, segundo a qual o desenvolvimento do mundo nao deve ser apreendido como um processo homogeneo, e sim como um grande processo irreversivel [...] Nao devemos conceber o progresso num sentido vulgar, pois assim a bomba atomica tambem seria um progresso em relacao aos canhoes e estes, por sua vez, seriam progressos em relacao ao arco e flecha, nao obstante o fato de a bomba atomica ser em si mesma assustadoramente perigosa. (LUKACS, 2008, p. 344-346--grifo nosso).

Lukacs (2013), ao estudar a producao e reproducao da vida, considera tres grandes complexos dinamicos que se desenvolvem ininterruptamente no curso da evolucao da humanidade. O primeiro e a diminuicao da quantidade de trabalho necessario a reproducao fisica do homem; o segundo e o recuo das barreiras naturais pelo dominio do trabalho e a crescente socializacao da sociedade (e da natureza); o terceiro, por sua vez, e a integracao crescente entre as sociedades que se encontram em relacao reciproca pelo mercado mundial. Lukacs (2008), em entrevista ao jornal Der Spiegel, retoma os tres grandes complexos:

Primeiro: o dispendio de trabalho fisico para a reproducao do homem decresce; hoje um trabalhador produz 50 ou 100 vezes mais daquilo que seria necessario para a reproducao de sua vida fisica. O segundo ponto e o que Marx chamou de recuo das barreiras naturais. Isso quer dizer que, por meio do trabalho, um ser originariamente biologico se converte em um ser humano; com isso, o fator biologico nao desaparece, mas e transformado. Hoje, as pessoas podem assumir comportamentos tao selvagens quanto possivel, mas nenhum dos estudantes rebeldes regredira as formas de alimentacao e sexualidade dos tempos primordiais. Quem preconiza uma sexualidade pura preconiza a sexualidade pura de 1970, e nao a de qualquer era remota. Em outros termos, esse recuo das barreiras naturais que conhecemos e um tipo de progresso, um processo irreversivel. O terceiro momento, finalmente, e o grande processo de integracao. A humanidade existia originariamente em pequenas unidades e, a uma distancia de 50 ou 100 quilometros, uma unidade nao sabia nada da outra. Apenas o capitalismo, com o mercado mundial, criou a base daquilo que hoje podemos denominar de humanidade. Hoje ela aparece de uma maneira puramente negativa. (LUKACS, 2008, p. 345).

Na Ontologia de Lukacs (2013), os complexos de problemas mais importantes--enquanto categorias teorico-filosoficas--sao compostos pelo trabalho, que e o principio de genese do ser social. Este, no confronto com a realidade, desenvolve sua atividade na constante objetivacao diante do mundo inorganico e da vida organica. A reproducao social e o espaco economico, politico e cultural de realizacao da atividade humana, em que o individuo e o genero humano estao em permanente inter-relacao e conflito. A ideologia, como momento ideal e praxis humana, orienta os homens no enfrentamento dos conflitos sociais que se apresentam na vida cotidiana, sendo que esses conflitos se caracterizam, em alguns casos, como estranhamentos. Eles se expressam, por exemplo, nas lutas da classe trabalhadora pela apropriacao do resultado do seu trabalho, pelas melhores condicoes de trabalho, pela reducao da jornada de trabalho etc. Para alem dos fatores objetivos da producao social, os estranhamentos compoem a religiao como criacao humana de um sonho de redencao possivel diante da incompreensao do sofrimento no mundo real; na manipulacao do consumo acelerado pela capitalizacao total; no interior do genero humano, como e o caso da opressao feminina e demais manifestacoes de preconceitos relacionados a sexualidade.

Portanto, baseado no alerta lukacsiana de que nenhuma categoria pode ser adequadamente compreendida quando tratada isoladamente, nossa motivacao neste ensaio e apresentar introdutoriamente os complexos de problemas mais importantes do ser social. Assim, compreendemos que a ontologia historico-materialista pode oferecer os primeiros passos para questionar "os problemas que a divisao do trabalho nas varias disciplinas tornou insoluvel" (LUKACS, 2014, p. 34).

Os complexos categoriais do ser social

Na Ontologia de Lukacs (2012 e 2013), a premissa de investigacao do ser social e a atividade humana. O trabalho, entendido como complexo, desvenda as etapas da evolucao que levam ao surgimento do homem como socializador da natureza, no continuo afastamento (nao total) das barreiras naturais. Lukacs (2013, p. 44) argumenta que no "trabalho estao presentes in nuce todas as determinacoes" que constituem "a essencia do novo no ser social". "Desse modo, o trabalho pode ser considerado o fenomeno originario, o modelo do ser social". Por isso, comecar pela analise do trabalho apresenta-se "metodologicamente vantajoso", "uma vez que o escla recimento de suas determinacoes resultara num quadro bem claro dos tracos essencias do ser social".

A incessante luta pela existencia se coloca, em principio, como a essencia do trabalho humano. O homem desenvolve inicialmente seus processos de trabalhos objetivando satisfazer suas necessidades basicas de sobrevivencia. Contudo, ao longo da historia foram ocasionados aprimoramentos constantes desses processos, tendo como resultados o desenvolvimento de instrumentos de trabalho, divisao do trabalho, ciencia etc., os quais proporcionam menos esforcos fisicos e mais produtos.

Lukacs (2013) destaca o trabalho como modelo da praxis humana e como por teleologico, desde a vida cotidiana ate a filosofia, a economia e a religiao. Apesar disso, alerta metodologicamente para os riscos da exagerada fundamentacao da praxis humana a partir do trabalho. O trabalho pode servir de modelo para compreensao dos pores teleologicos sociais mais desenvolvidos, mas nem todos se resumem ao trabalho. Lukacs analisa dois tipos de pores teleologicos, de primeira e de segunda ordem. O por teleologico primario e a acao humana sobre a natureza, em que o homem a transforma objetivamente, seja para satisfazer diretamente as suas necessidades organicas ou mesmo para produzir meios de trabalho. O por teleologico secundario tem por objetivo a acao sobre as relacoes sociais. O conteudo essencial do por teleologico secundario e a "tentativa de induzir uma pessoa (ou...

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