A invenção da diferença: a animalização como distinção do 'eu' e do 'outro' no imaginário ocidental nos séculos XVIII e XIX

AutorArnaldo Lucas Pires Junior
CargoDoutorando pelo Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil
Páginas317-334
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DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7976.2018v25n40p317
A invenção da diferença: a animalização como distinção do
“eu” e do “outro” no imaginário ocidental nos séculos XVIII
e XIX
The invention of difference: the animalization as self-other
distinction in the western imaginary during the XVIII and XIX
centuries
Arnaldo Lucas Pires Junior*
Resumo: Neste artigo propomos uma discussão teórica sobre um dos expe-
dientes mais correntes de diferenciação entre os homens, a animalização do
“outro”. Através da análise de relatos de viagem e de obras de história natural
nos sécs. XVIII e XIX, procuraremos demonstrar como a contestação da noção
de humanidade enquanto atributo estático atingiu em cheio as concepções sobre
a origem dos homens e aventou a possibilidade de uma hierarquização de suas
experiências no mundo. Nossos esforços nos levaram a enfrentar um curioso
paradoxo: os séculos XVIII e XIX – que viram orescer os ideais igualitários das
revoluções burguesas – serão, ao mesmo tempo, o período em que esses valores
se connarão a grupos cada vez menores e em que se empunhará a diferença
e a servidão de alguns sob o discurso da igualdade e da liberdade de outros.
Palavras-chave: Natureza; Cultura; Raça; Civilização; Barbárie.
Abstract: In this paper, we propose a theoretical discussion about one of the
most common expedients of differentiation between men, the animalization of
the “other”. By the analysis of travel reports and Natural History works of the
eighteenth and nineteenth centuries, we seek to demonstrate how challenging
the notion of humanity as static attribute had hit directly the conceptions about
the origin of man and raised the possibility of a hierarchy of human experience
* Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil. E-mail: saadlucas@gmail.com
Artigo
318
Revista Esboços, Florianópolis, v. 25, n. 40, p. 317 - 334, dez. 2018.
in World. Our efforts led us to face a curious paradox. The eighteenth and
nineteenth centuries – who have seen ourish the egalitarian ideals of bourgeois
revolutions – will be at the same time, the period in which these values be
conned to smaller and smaller groups and that wield a difference and servitude
of some under the discourse of equality and freedom by others.
Keywords: Nature; Culture; Race; Civilization; Barbary.
As incertas fronteiras entre “cultura” e “natureza”
É preciso que tenhamos em mente que a construção das noções de
identidade e diferença é sempre um processo relacional, ou seja, pode-se armar
sem exagero que só há identicação em conjunto a um movimento contíguo de
diferenciação. Desta forma, não nos parece equivocado aançar que a oposição
entre “eu” e “outro” torna-se elemento constitutivo central dos imaginários
sociais de diversos povos, adquirindo papel central na história do ocidente e
na forma com a qual os povos europeus viram e lidaram com as diferenças
humanas. Analisar em conjunto as diferenças entre cultura e natureza e a forma
com a qual procurou-se justicar a singularidade humana no complexo dos
imaginários ocidentais é fundamental para encontramos as primeiras fundações
de duas das noções que estarão no centro dos debates sobre raça nos séculos
XVIII e XIX, as de civilização e barbárie, voltaremos a elas em breve.
Imaginários coletivos, imaginação social e identidades construídas.
Nos moveremos em torno destes conceitos que, apesar de parecerem bastante
abstratos, têm real signicação e inuência na vida cotidiana dos homens.
Armar que os imaginários de um povo são apenas guras quiméricas é
esquecer que os projetos de futuro, as aspirações e o medo do porvir são
elementos que moldam e direcionam as ações reais dos homens no presente.
É esquecer, ainda, que os homens do passado não compartilham da certeza do
desenrolar dos acontecimentos, como nós, particularmente beneciados por
nossa posição de distanciamento em relação ao passado. É, por m, negligenciar
a dimensão processual da história, como reforça Thompson neste trecho de
sua crítica à Althusser,
Sua noção de “níveis” percorrendo a história a diferentes
velocidades e em diferentes momentos é uma ficção
acadêmica, pois todas essas “instancias” e “níveis” são
de fato atividades, instituições e ideias humanas. Estamos
falando de homens e mulheres, em sua vida material, em
suas relações determinadas, em sua experiência dessas
relações, e em sua autoconsciência dessa experiência.1

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