A inviolabilidade do domicílio e seus limites: o caso do flagrante delito (The inviolability of the home and its limits: the case of flagrante delict)

AutorIngo Wolfgang Sarlet, Jayme Weingartner Neto
Páginas544-562
A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO E SEUS LIMITES:
O CASO DO FLAGRANTE DELITO
THE INVIOLABILITY OF THE HOME AND ITS LIMITS:
THE CASE OF FLAGRANTE DELICT
Ingo Wolfgang Sarlet
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Doutor em Direito pela Ludwig Maximillians Universität München (1997). É
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado
da PUCRS (desde 09.12.2006). Professor Titular da Faculdade de Direito e dos
Programas de Mestrado e Doutorado em Direito e em Ciências Criminais da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Coordenador do
GEDF (Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Fundamentais - CNPq). E-mail:
iwsarlet@gmail.com
Jayme Weingartner Neto
Direito no RS / Mestre (Coimbra) e Doutor (PUCR) em Direito. Professor da
UNILASSALE. Desembargador do TJRS.
Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, julho/dezembro de 2013.
Resumo
O presente artigo analisa o direito fundamental à inviolabilidade de
domicílio em face dos seus limites, no caso, o da prisão em flagrante
delito e das circunstâncias que justificam, nos casos de crime
permanente, a sua legitimação em face da ordem jurídica, pena de
configuração da ilicitude da prova obtida.
Palavras-chave: inviolabilidade de domicílio - flagrante delito - crime
permanente - prova ilícita
Abstract
This article analyzes the fundamental right to home inviolability in the
light of its admitted restrictions, namely the case of inprisonment during
the commission of a crime (in flagrante delicto) and the circunstances in
which this is allowed in the case of continuous crime in order not to
configurate inadmissible evidence.
Keywords: home inviolability - in flagrante delicto - continuous crime -
inadmissible evidence.
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS E DELIMITAÇÃO DO TEMA
A conhecida imagem de que a casa de alguém é o seu castelo (my home is my
INGO WOLFGANG SARLET / JAYME WEINGARTNER NETO 545
castle, como de há muito dizem ingleses e americanos) dá conta da importância da
inviolabilidade do domicílio para a dignidade e o livre desenvolvimento da pessoa
humana. Com efeito, a íntima conexão da garantia da inviolabilidade do domicílio com a
esfera da vida privada e familiar lhe assegura um lugar de honra na esfera dos assim
chamados direitos da integridade pessoal. Já por tal razão não é de surpreender que a
proteção do domicílio foi, ainda que nem sempre da mesma forma e na amplitude atual,
um dos primeiros direitos assegurados no plano das declarações de direitos e dos
primeiros catálogos constitucionais. A proteção contra ordens gerais de buscas
domiciliares já constava da Declaração dos Direitos do Homem da Virgínia, de 1776
(art. X), e na Constituição americana (4.ª Emenda à Constituição de 1791). Por outro
lado, embora a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, não
contivesse garantia do domicílio ou equivalente, a primeira Constituição da França, de
1791, já contemplava uma prescrição de acordo com a qual as forças militares e
policiais apenas poderiam adentrar na casa de algum cidadão mediante ordem
expedida pela autoridade civil competente (Título Primeiro). A certidão de nascimento
de uma expressa garantia da inviolabilidade do domicílio, tal como difundida pelas
constituições da atualidade, teria sido passada pela Constituição belga de 1831, que,
1
no seu art. 10, solenemente declarava que “le domicile est inviolable” , muito embora,
ainda que sem referência ao termo domicílio, tal proteção já tenha sido prevista na
Carta Imperial brasileira de 1824, onde se falava na casa como asilo inviolável do
indivíduo. De lá para cá o direito à inviolabilidade do domicílio passou a ser presença
constante nos catálogos constitucionais de direitos fundamentais e mesmo do direito
internacional dos direitos humanos, que aqui não serão objeto de detalhado inventário.
O que cabe enfatizar, a título introdutório, é que também na tradição
constitucional brasileira, como se verá logo adiante, o direito fundamental à
inviolabilidade do domicílio ocupa lugar de destaque entre os direitos fundamentais que
dizem respeito à proteção da vida pessoal e familiar de um modo geral, guardando, de
resto, íntima conexão com outros direitos fundamentais, como é o caso da proibição do
aproveitamento de provas ilícitas. Este, aliás, o mote do presente texto, onde se busca,
a partir do caso particular do flagrante delito, objeto, por sua vez, de densificação
legislativa e jurisprudencial, examinar, à luz de caso concreto apreciado em Juízo, mas
com incidência relativamente frequente, a extensão do âmbito de proteção do direito
fundamental (inviolabilidade do domicílio) e os limites de atuação da autoridade policial,
pena de contaminar de nulidade a prova obtida mediante a intervenção no âmbito de
proteção do direito fundamental. Para tanto, inicia-se com uma breve análise da
inviolabilidade do domicílio na sua condição de direito fundamental, para, na sequência,
enfrentar o caso do flagrante delito e sua interpretação jurisprudencial.
HUFEN, Friedhelm. Staatsrecht II - Grundrechte, München: C.H. Beck, 2007, p. 240.
1
2. A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO COMO DIREITO FUNDAMENTAL NA
ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
No que diz com a evolução constitucional brasileira, já na Carta Imperial de 1824
(como referido) havia previsão, na esfera dos direitos civis e políticos dos brasileiros
(art. 179, VII), que “todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel. De noite não se
Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, julho/dezembro de 2013.

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