IPVA e alienação fiduciária. Análise da sujeição passiva do imposto em contratos de alienação fiduciária

AutorPaulo de Barros Carvalho
Ocupação do AutorProfessor Emérito e Titular da Faculdade de Direito da USP e da Faculdade de Direito da PUC/SP; Membro Titular da Academia Brasileira de Filosofia
Páginas183-239
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TEMA XIX
IPVA E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
Análise da sujeição passiva do imposto em contratos
de alienação fiduciária
Sumário: 1. Introdução e questões que devem orientar
o estudo. 2. O sistema constitucional brasileiro e a rígi-
da discriminação das competências tributárias. 3. Fe-
nomenologia da incidência tributária e o necessário
quadramento do fato à norma jurídica. 4. A regra-matriz
de incidência tributária. 4.1. Arquétipo constitucional
da regra-matriz de incidência tributária do IPVA. 5. O
fenômeno do conhecimento e sua relação com o “nome”
das coisas. 5.1. A expressão “natureza jurídica”. 5.2. A
interpretação dos vocábulos empregados pelo legisla-
dor. 6. Propriedade – aproximação do conceito. 6.1.
Anotações sobre os conceitos jurídicos de “domínio” e
“posse”: sua relação com a “propriedade”. 7. Natureza
jurídica da “alienação fiduciária” e da “propriedade
fiduciária”. 8. Função da contabilidade no quadro das
imposições tributárias. 9. Identificação do sujeito pas-
sivo tributário e sua relação com o princípio da capaci-
dade contributiva. 10. Critério espacial do IPVA. 11.
Proposições que respondem às perguntas formuladas.
1. INTRODUÇÃO E QUESTÕES QUE DEVEM ORIENTAR
O ESTUDO
Historicamente, os Fiscos estaduais cobravam o IPVA ex-
clusivamente dos devedores fiduciantes, mantendo consistência
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PAULO DE BARROS CARVALHO
com o entendimento dos órgãos de trânsito federais e estaduais,
que sempre consideraram os devedores fiduciantes como pro-
prietários dos veículos, tal como se infere dos Certificados de
Registro de Veículos emitidos nessa circunstância.
Esse entendimento, que coloca apenas o devedor fi-
duciante no polo passivo do débito de IPVA, funda-se na
premissa de que a alienação fiduciária em garantia é ins-
tituto criado com a finalidade de garantir a satisfação de um
financiamento.
Nas operações de Crédito Direto ao Consumidor (CDC)
de automóveis, o gravame de alienação fiduciária em garan-
tia diminui significativamente os riscos de inadimplência
envolvidos na contratação e permitem redução das taxas de
juros, aumentando, portanto, o mercado de financiamento
desses bens para a população. Mas a finalidade de garantia
não se perde de vistas nessas operações, pois a “consolida-
ção” da propriedade no acervo patrimonial dos credores
fiduciários é um acidente na execução do contrato de finan-
ciamento, ocorrendo apenas temporariamente e no caso de
inadimplemento.
Mantendo coerência com essas premissas, as instituições
financeiras que se fazem credoras fiduciárias não registram
em sua contabilidade, como ativo imobilizado, os veículos
automotores objeto de contratos de financiamento, pois ato
contrário seria incompatível com a natureza e com a finali-
dade da alienação fiduciária em garantia. Por esse motivo,
não reconhecendo a propriedade de tais veículos como sua,
por tratar-se de uma “propriedade precária”, constituída com
o fim de garantia, as instituições financeiras credoras fidu-
ciárias não contabilizam nem mesmo as despesas de depre-
ciação desses bens financiados. Se assim o fizessem, os atos
estariam em desacordo com o disposto na Lei n. 4.595/64 (art.
35, inc. II), nas Resoluções CMN n.s 1120, 1653, 1770 e na
Circular BACEN n. 909.
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DERIVAÇÃO E POSITIVAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO
Recentemente, porém, alguns Estados vêm sustentando
que a chamada “propriedade fiduciária”, constituída no âmbito
da alienação fiduciária em garantia de automóveis, materiali-
zaria fato tributável pelo IPVA, conferindo-se aos credores fi-
duciários a qualidade de contribuintes desse imposto.
Para dar rendimento ao presente estudo, e no sentido de
isolar os tópicos que outorgam substância ao assunto, formulo
quesitos para os quais preparei respostas objetivas, à luz do
direito positivo brasileiro.
Ei-los:
1. A propriedade fiduciária tratada nos artigos 1361 a
1368-A do Código Civil, que por definição legal é “resolúvel”,
difere juridicamente da propriedade fiduciária constituída por
meio de alienação fiduciária em garantia?
2. A propriedade fiduciária constituída no âmbito de alie-
nação fiduciária em garantia é, na sua essência jurídica, “pro-
priedade” ou “garantia”?
3. O conceito de propriedade pode ser dissociado, sem se
desnaturar, dos direitos de usar, gozar, dispor ou reivindicar o
bem, na forma adotada pelo direito brasileiro?
4. Sob o ponto de vista do direito privado, questiona-se
quais as diferenças entre os conceitos jurídicos de (i) proprie-
dade, (ii) domínio, (iii) posse, nas modalidades direta e indi-
reta, (iv) alienação fiduciária em garantia e (v) propriedade
fiduciária.
5. A propriedade fiduciária em garantia pode ser conside-
rada propriedade plena? A propriedade fiduciária garante o
uso, fruto e disponibilidade do bem?
6. O devedor fiduciante detém os direitos de usar, gozar,
dispor ou reivindicar o bem alienado fiduciariamente em
garantia?

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