Iter criminis

AutorCristiano Rodrigues
Páginas147-216
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ITER CRIMINIS
Todos os crimes dolosos passam por etapas de realização, sendo que, estas etapas
configuram o chamado Iter Criminis, termo que traduzido significa “caminho do crime”
ou “ percurso do crime”, portanto o estudo do Iter Criminis nada mais é do que a análise
das etapas de realização de um crime doloso.
De acordo com ampla maioria da doutrina nacional, o Iter Criminis é composto por
4 (quatro) etapas,1 quais sejam, a Cogitação, a Preparação, ou Atos Preparatórios, a Execu-
ção, ou Atos Executórios, e a Consumação, sendo que, algumas destas etapas serão obri-
gatórias, necessárias e sempre estarão presentes em qualquer crime doloso (Cogitação e
Execução) e outras serão eventuais ou facultativas podendo aparecer ou não de acordo
com a situação concreta (Preparação e Consumação).
Há em nossa doutrina posicionamento divergente defendido pelo Prof. Rogério Gre-
co afirmando que o Iter Criminis seria formado por 5 etapas, incluindo assim também o
chamado Exaurimento como última etapa do Iter Criminis, além das outras quatro etapas
supramencionadas.
Data vênia, não concordamos com este posicionamento minoritário já que, como
por definição a etapa de consumação se caracteriza pela completa realização do crime
quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal (Art. 14 Inc. I do CP), e
o Iter Criminis é definido como “as etapas de realização do crime doloso”, não seria lógico
se considerar haver ainda uma etapa de realização posterior à consumação, pois com ela já
se considera que o crime está completo e com todos seus elementos preenchidos.
Acreditamos assim, que o Exaurimento, ou esgotamento do crime, que estudaremos
mais adiante, pode ocorrer (ou não) em qualquer crime, porém não compõe o Iter Crimi-
nis como fase de realização do crime doloso.
A doutrina nacional costuma separar o Iter Criminis em dois grandes grupos, o pri-
meiro chamado de Fase Interna que engloba apenas a etapa de Cogitação, e o segundo
chamado de Fase externa formado pelas etapas de Preparação, Execução e Consumação,
entretanto, como esta separação não possui qualquer utilidade prática, preferimos sepa-
rar as etapas do Iter Criminis, de acordo com a intervenção ou não do Direito Penal, em
impuníveis, abrangendo a Cogitação e a Preparação, e puníveis, englobando a Execução
(tentativa) e a Consumação.
Podemos definir em suma o iter criminis como sendo as etapas de realização de um
crime doloso e, como mencionamos, de acordo com a maioria da doutrina nacional, este se
divide em quatro etapas, nem todas de presença obrigatória, já que algumas são facultati-
vas ou eventuais, vamos a elas:
1. Neste sentido: Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Regis Prado, Fernando Capez, Juarez Cirino dos Santos, dentre outros.
MANUAL DE DIREITO PENAL • CRISTIANO RODRIGUES
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9.1 COGITAÇÃO
A Cogitação é a etapa interna do Iter Criminis, o que significa que ocorre no plano
mental, psicológico do agente e caracteriza-se por ser o pensar, imaginar, elucubrar, plane-
jar mentalmente a prática do crime.
Percebe-se portanto, que por se tratar de uma fase puramente psíquica, não ultrapas-
sa a esfera, o âmbito do próprio agente e por isso é absolutamente impunível e indiferente
para o Direito Penal no que tange a tipificação de condutas, isso com base no conhecido
princípio da Lesividade ou Ofensividade.
De acordo com o mencionado princípio, para que haja crime é preciso que o com-
portamento do agente afete, atinja bem jurídico alheio de forma significante, o que na
etapa mental de cogitação evidentemente não ocorre. Além disso, sabemos que para que
haja crime é preciso que o agente pratique uma conduta, traduzida no verbo núcleo do
Tipo Penal, e ao Cogitar a realização do fato o sujeito não chega sequer a realizar qualquer
ato concreto.
Outro fator importante é que a Cogitação é etapa obrigatória, necessária e inerente a
todos os crimes dolosos, já que para que se tenha Dolo, intenção, vontade de realizar algo
é indispensável que mesmo por um instante o agente racionalize, cogite as consequências
de seus atos e a razão e objetivo pelos quais está atuando.
Na verdade, o correto entendimento do que é Cogitação é fundamental para descons-
truir uma ideia que em face da influência da mídia, do cinema e da televisão tomou conta
do imaginário de todos, qual seja, o conceito do crime premeditado.
A premeditação nada mais é do que o momento de Cogitação pelo qual o sujeito
ativo irá passar em todos os crimes dolosos e por isso não denota maior gravidade na
conduta praticada como pensam alguns, pois para que se tenha a intenção de fazer algo,
de produzir um resultado, será sempre necessário que o agente “premedite, ou seja, pense
primeiro naquilo que irá realizar e no que vai produzir com sua conduta.
Esta “premeditação” que como dissemos deverá ocorrer em todas as hipóteses em
que o agente atue com Dolo, poderá perdurar por horas, dias ou até semanas ou meses,
caracterizando um complexo planejamento prévio ou simplesmente durar um segundo,
quando o processo mental que caracteriza a intenção do movimento corporal ocorrer le-
vando o sujeito a agir.
Sabe-se que o Dolo como elemento subjetivo da conduta humana é decomposto em
dois momentos, e formado por dois elementos, o elemento Cognitivo, intelectual, e o ele-
mento Volitivo; o primeiro caracterizando-se pelo conhecimento por parte do agente da-
quilo que irá realizar, das consequências e do resultado que será atingido pela conduta, e o
segundo, como manifestação de sua vontade, interesse na realização do tipo e na produção
do resultado por ele percebido e pretendido, daí se dizer comumente que o Dolo é com-
posto pelo saber e querer a realização do tipo penal objetivo.2
Dessa forma, para que se possa falar em Dolo, o agente precisa conhecer as circuns-
tâncias, consequências e ter a representação do fato típico a ser realizado (elemento cogni-
tivo), algo que decorre, necessariamente, da etapa de “premeditação”, ou seja, da Cogitação
2. Vide: Cirino dos Santos, Juares. Direito Penal – Parte geral. Ed. Lumen Juris, p. 132.
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por ele realizada em seu plano psicológico antes de atuar. L ogo, mesmo que por um único
instante, sempre haverá a etapa de Cogitação na prática de um crime Doloso.
Questiona-se a interferência que as diferentes características de uma etapa de Cogi-
tação podem ter no plano prático, ou seja, na pena a ser aplicada ao agente, e como vimos,
por ser etapa obrigatória, presente em todos os crimes dolosos, a premeditação não será
considerada como agravante ou causa de aumento de pena, independentemente de suas
características.
Porém nos parece que, de acordo com o caso concreto e com base nas características
e na duração desta etapa psicológica, isto poderá ser valorado pelo magistrado na primeira
fase da dosimetria da pena, interferindo na análise de certas circunstâncias judiciais (Art.
59 do CP) como a Culpabilidade e as circunstâncias e consequências do crime.
Um planejamento prévio elaborado, longo e duradouro em etapa de cogitação, ine-
gavelmente pode denotar maior culpabilidade do agente, e ainda gerar circunstâncias mais
nocivas e de difícil percepção pela vítima, além de dificultar a apuração do fato pelas au-
toridades competentes, podendo motivar, assim, a fixação de uma pena-base acima do
mínimo legal abstratamente previsto, na primeira fase da dosimetria da pena.
Conforme assinala o Prof. José Antonio Paganella Boschi, ao analisar a Culpabili-
dade como primeira circunstância judicial presente no Art. 59 para fixação da pena base:
“o Juiz estaria autorizado, destarte, a concluir pela maior reprovação do agente que executa
um crime depois de um longo e frio planejamento (dolo direto) e pela menor censura daquele
que o faz influenciado pelas circunstâncias do momento – por exemplo, depois de provocação
(dolo de ímpeto) ...3
Embora o ilustre penalista gaúcho ao desenvolver seu ponto de vista relacione a
maior culpabilidade do agente em um planejamento longo e duradouro com certas espé-
cies de dolo (dolo direto e indireto), e certas classificações como dolo de ímpeto, algo que,
para nós, deve ser visto com ressalvas diante da estrutura normativa pura da culpabilidade
e dos paradigmas finalistas de Dolo Natural (sem valorações), concordamos com a conclu-
são de que, através da pena base (Art.59 do CP), se deve reprovar de forma mais rigorosa
os crimes com um planejamento mais elaborado e prolongado.
Entretanto, chegando à mesma conclusão, mas por caminhos diversos, preferimos
associar esta maior reprovação à análise das características da etapa de cogitação que po-
dem denotar maior reprovação do agente, porém, sem entrar no plano do dolo e de suas
espécies, pois acreditamos que não se pode valorar ou relacionar, de forma alguma, o dolo
no juízo de Culpabilidade para reprovação do fato, já que este, dentro de uma realidade
finalista, é exclusivamente natural, sendo tratado apenas como subjetivo do Tipo Penal
caracterizador da conduta humana.
9.2 PREPARAÇÃO OU ATOS PREPARATÓRIOS
A Preparação, ou atos preparatórios, é o segundo passo na escala do Iter Criminis e já
configura-se como uma etapa externa, ou seja, são condutas concretas realizadas no mun-
do fático e real que visam propiciar, preparar e viabilizar a realização do crime.
3. Paganella Boschi; Jose Antonio. Das penas e seus critérios de aplicação. Ed. Livraria do Advogado; 4. ed. p. 192.

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