A Jornada Complessiva

AutorSilvio José Sidney Teixeira
Páginas186-202
A Jornada Complessiva
Silvio José Sidney Teixeira(1)
(1) Auditor-Fiscal do Trabalho, Bacharel em Direito pela USP e Mestrando em Direito pela UFMT.
(2) Sobre o tema da Intervenção Mínima, a 2ª Jornada da Anamatra aprovou o Enunciado n. 7 que assim dispõe:
PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA. A autonomia da vontade coletiva impede interferência judicial ou
administrativa na eclosão de greve e outros mecanismos de pressão de que dispõem os trabalhadores.
(3) Segundo consulta no site da Câmara dos Deputados, nalizada em 11.7.2017, 172.168 pessoas posicionaram-se
contra a reforma, enquanto apenas 16.791 foram favoráveis.
(4) De acordo com Jorge Luiz Souto Maior: “a Lei em questão é fruto da atuação de um governo que chegou ao
poder apenas porque rmou o compromisso de satisfazer os interesses do grande capital e que a cada instante de
instabilidade provocada pela Lava Jato buscou justi cativa para se manter no poder rea rmando seu compromisso
em realizar as ditas “reformas impopulares”, reformas trabalhista e previdenciária e o congelamento de gastos sociais
(“PEC do m do mundo”).
E o governo foi até o ponto de, mesmo já completamente afundado em denúncias gravíssimas (com 5% de aprovação),
“subornar” a céu aberto o Congresso Nacional para que a “reforma” trabalhista fosse aprovada. Em paralelo, o poder
econômico, a grande mídia e aquela parte da população que foi para as ruas falando em moralização do país se calaram
convenientemente diante da maior desmoralização dos poderes Executivo e Legislativo – com certa participação do
Judiciário – já vivenciada na história do país”. MAIOR, Jorge Luiz Souto. Impactos do golpe trabalhista. (A Lei n. 13.467/2017).
p. 1. Disponível em: ps://www.anamatra.org.br/ les/Impactos_do_golpe_trabalhista.pdf>.
1. Introdução. Aspectos gerais da jornada
complessiva
A denominada “reforma trabalhista”
trouxe dispositivos que visaram a alterar a re-
gulamentação à jornada de trabalho, de forma
a distorcer direitos construídos historicamente,
e reconhecidos por meio de normativa interna-
cional, constitucional, jurisprudencial e mesmo,
legislativa. A contradição central desta lei de
2017, diz respeito ao fato de conferir prevalên-
cia do negociado sobre a lei, privilegiando a
consequente intervenção mínima(2), sendo que
ela própria intervém no ordenamento jurídico,
de forma a alterar substancialmente institutos
historicamente constituídos e pertencentes ao
rol de direitos fundamentais; em outros termos,
ela intervém de uma vez só, proclamando-se
como detentora de um poder estatal de desre-
gulamentação de direitos fundamentais, para
depois abrir as portas à negociação e exibili-
zação de direitos entre as partes.
A considerar a inexistência de diálogo
social para a construção da lei, desaprovada
pela população(3), e aprovada a “toque de caixa”
no Congresso, por um governo tampão(4) que
tratou o tema como se zesse parte apenas uma
mera conjuntura econômica, Jorge Luiz Souto
Maior chega a quali car a “reforma”, como
verdadeiro “golpe trabalhista”, frisando que
“não se pode aceitar passivamente uma lei que
é fruto de ruptura democrática, pois com isso
187REFORMA TRABALHISTA
se abre a porta para o autoritarismo”(5). Outros
autores, considerando a mutação provocada
pelos dispositivos da Lei n. 13.467, preferem
a utilização do termo “deforma trabalhista”(6).
Preferimos a utilização apenas e exclusivamente
deste número sem qualquer outra quali cação,
já que eivada de inconstitucionalidade e ilegi-
timidade, representa pura e simplesmente um
número de cinco dígitos.
Vale aqui pontuar que, o ataque represen-
tado pela Lei n. 13.467 afronta o Princípio do
Estado Social, fundante do Estado Social de
Direito, caracterizado pela existência de direitos
fundamentais sociais como “exigência inar-
redável do exercício efetivo das liberdades e
garantia da igualdade de chances (oportunida-
des), inerentes à noção de uma democracia e um
Estado de Direito de conteúdo não meramente
formal, mas sim, guiado pelo valor da justiça
material”.(7) Considerando a concretização do
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana em
função das noções de Estado, Direito, Cons-
tituição e Direitos Fundamentais; Ingo Sarlet
identi ca a existência e medida de legitimidade
de um Estado Democrático e Social de Direito(8),
em complemento à concepção tradicional de
Estado Democrático de Direito.
Em relação à interpretação e aplicação da
norma, Valdete Souto Severo demonstra que se
trata de uma “tentativa destinada ao fracasso,
seja porque há um princípio instituidor do Di-
reito do Trabalho (Princípio da Proteção) que
(5) MAIOR, Jorge Luiz Souto. Impactos do golpe trabalhista. Disponível em: ps://www.jorgesoutomaior.com/blog/
impactos-do-golpe-trabalhista-a-lei-n-1346717>. Acesso em: 6.10.2018.
(6) MARQUES, Ana Carolina Bianchi Rocha Cuevas. Na reforma trabalhista a precarização não tem intervalo para
descanso. In: MAIOR, Jorge Luiz Souto; SEVERO, Valdete Souto. Resistência. Aportes teóricos contra o retrocesso trabalhista.
São Paulo: Expressão Popular, 2017. p. 335.
(7) SARLET, Ingo Wolfgang. A e cácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 62.
(8) Ibidem, p. 62.
(9) SEVERO, Valdete Souto. A hermenêutica trabalhista e o princípio do direito do trabalho. In: MAIOR, Jorge Luiz
Souto; SEVERO, Valdete Souto. Resistência. Aportes teóricos contra o retrocesso trabalhista. São Paulo: Expressão Popular,
2017. p. 29.
(10) Idem, passim.
(11) Ibidem, p. 29.
(12) Ibidem, p. 39.
(13) Exemplo de regra jurídica ilegítima, por contrariedade ao princípio da proteção (bem como pelo desrespeito
a direitos fundamentais) diz respeito à Portaria n. 1.129, de 13.10.2017 do Ministério do Trabalho sobre conceitos de
trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo. Pela principiologia proposta pelo saudoso jurista
uruguaio Américo Plá Rodriguez, e desenvolvida por Valdete Souto Severo, a regra contida na portaria seria contrária
ao princípio que a instituiu (princípio da proteção), sendo nula de pleno direito.
precisa ser respeitado, seja em razão do texto
que permanece inalterado na própria CLT”
(art. 8º).(9) Com ns a resgatar a noção clássica
de Princípio, observa que afastar a incidência
do Princípio da Proteção no caso concreto re-
presentaria a quebra do próprio ordenamento
jurídico, já que é o Princípio que justi ca toda
e qualquer regra jurídica(10). Prossegue a auto-
ra: “O ponto de partida está em compreender
que toda interpretação/aplicação de um con-
junto de regras deve observar o princípio que
o institui, sob pena de perda de sua própria
razão de ser. Pois bem, no caso do Direito do
Trabalho, o princípio que institui o conjunto
de regras trabalhistas é a proteção (...)”.(11) Em
relação à inspeção do trabalho, cumpre frisar
que portarias e regulamentos também devem
respeito ao Princípio da Proteção, não podendo
suprimir direitos trabalhistas, prevalecendo em
todo o caso, a condição mais bené ca, como de-
corrência da relativização das fontes formais(12)
(hierarquia dinâmica).(13)
Sobre a jornada de trabalho propriamente
dita, são encontradas distorções e deturpa-
ções dos institutos de regulação do tempo de
trabalho, incluindo a própria negação do per-
tencimento do tema ao rol de normas de saúde,
higiene e segurança do trabalho (parágrafo
único, do art. 611-B). Pela natureza de desregu-
lamentação, e pela existência de incoerências, e
sobretudo, pela tentativa de supressão de ga-
rantias sociais, categorizamos tais dispositivos
como “jornada complessiva”.

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