Juana Manso:Uma exilada em Três Pátrias

AutorLuiza Lobo
Páginas47-74
Niterói, v. 9, n. 2, p. 47-74, 1. sem. 2009 47
JUANA MANSO:
UMA EXILADA EM TRÊS PÁTRIAS
Luiza Lobo
Universidade Federal do Rio de Janeiro
E-mail: luizalobo@infolink.com.br
Resumo: Este ensaio discute a importância da
escritora argentina Juana Manso de Noronha
(1819-1875) e estabelece a maranhense Maria
Firmina dos Reis (1825-1917) como a primeira
romancista de autoria feminina no Brasil. Ex-
põe aspectos biográficos e literários da obra
de Juana Manso, principalmente Misterios del
Plata (1852, escrito em 1846). Ela é fundadora
da revista O Jornal das Senhoras (Rio de Janei-
ro, 1852-1855), contribuiu para a pedagogia
das mulheres e se situa na confluência de três
principais pátrias em que viveu: Uruguai, Brasil
e Estados Unidos, após seu exílio da terra natal,
a Argentina.
Palavras-chave: feminismo; pioneirismo; lite-
ratura argentina e brasileira.
De Buenos Aires ao exílio
Juana Paula Manso de Noronha nasceu a 26 de junho de 1819 em Buenos Aires
e viveu a experiência do exílio quando seu pai escapou da ditadura argentina de Juan
Manuel Rosas (1793-1877), que subiu ao governo em 1829. Primeiro exilaram-se
no Uruguai, depois no Brasil, onde ela se casou com o violinista português Francisco
Sá Noronha, em 1844. O casal então viajou aos Estados Unidos, para ele tentar o
sucesso na carreira artística. Tiveram duas filhas, a primeira nos Estados Unidos e a
segunda em Cuba, na viagem de retorno ao Brasil, de passagem pela ilha, em 1852.
Nos Estados Unidos viveram em Washington e Filadélfia, e foi nesta última cidade, em
1846, que Juana esboçou seu romance político Misterios del Plata, o qual terminou na
fortaleza de Gragoatá, em Niterói, onde viveu cinco meses. Estranhamente, embora
o título do romance, Misterios del Plata, romance histórico contemporâneo, estivesse
em espanhol, o texto saiu publicado em português, na revista literária mensal O Jornal
das Senhoras, que ela fundou em 1º de janeiro de 1852, logo no primeiro número.
O Jornal das Senhoras prosseguiu até 1855, mas três meses depois de sua criação,
já tinha outra diretora, e um ano depois, uma terceira. Em 1852 Juana naturalizou-
48 Niterói, v. 9, n. 2, p. 47-74, 1. sem. 2009
E Juana Manso: uma exilada em três pátrias
-se brasileira com o objetivo de estudar Medicina, sonho nunca realizado, pois foi
recusada na Escola de Medicina, por ser mulher. Um ano após seu retorno à Corte
do Rio de Janeiro, em 1853, o músico abandonou a família e voltou para Portugal
com outra mulher. Em 1853, Juana retornou definitivamente a Buenos Aires.1 Na
capital argentina, é nomeada, em 1859, por Sarmiento, diretora da primeira escola
mista da cidade e publica um livro sobre Pedro Varela, passando a escrever artigos
para alguns jornais argentinos.
O retorno de Juana Manso à Argentina provavelmente deveu-se a três fatores: o
término do seu casamento, o fato de ter sido recusada na Escola de Medicina e, prin-
cipalmente, por ter chegado ao fim a ditadura de Juan Manuel de Rosas (1829-1852).
Na encruzilhada entre o Brasil e a Argentina
Foi com o nome de Joanna Paulo (sic) Manso de Noronha que a escritora
argentina publicou seu único romance, Misterios del Plata, romance histórico con-
temporâneo, sob a forma de folhetim. Ele saiu em português, incompleto, mas com
o título em espanhol, na revista literária que ela fundou no Rio, O Jornal das Senho-
ras, com artigos sobre “modas, literatura, belas-artes, teatro e crítica”, desde o seu
primeiro número, em 1º de janeiro de 1852 e durante 27 números (OJS, n. 27, t. 2,
4 jul. 1852, p. 8).2 O folhetim saiu em português com o enredo incompleto e com
muitos erros de impressão e forte imprecisão vocabular, transmitindo a ideia de uma
tradução um tanto descuidada e feita pela própria autora, talvez pressionada para
publicá-lo a partir do primeiro número.3 Só em 1924 ocorreu a edição completa
em espanhol, póstuma, sendo que a escritora faleceu em 1875, em Buenos Aires.
Nesta edição portenha, seu nome aparece como Juana Manso de Noronha,4 com o
título alterado para Los misterios del Plata, Episodios históricos de la época de Rosas
escritos em 1846, com prólogo e revisão de Ricardo Isidro López Muniz, acrescido
de um capítulo contendo um epílogo e notas explicativas. O novo título em espanhol
parece ser o reconhecimento de que o livro se insere mais no gênero político ou do
romance histórico do que no de romance propriamente, além de que o subtítulo
“episódios” indica a fragmentação do enredo, que não se constrói de forma literária,
1 Para esta biografia, ver Vasconcellos (1999, p. 228). A pesquisadora cita as biografias de LEVY, Jim. Juana Manso: ar-
gentine feminist. Bundoora: La Trobe University, Institute of Latin American Studies, 1977. p. 2-16; VELASCO Y ARIAS,
Mareia. Juana Paulo Manso. Buenos Aires: [s.n.], 1937; DELGADO FILHO, Manson Guaglianone de. Juana Manso, una
vida al servicio de la cultura. Buenos Aires: [s.n.], 1968.
2 Neste ensaio, as referências serão feitas a partir desta publicação em folhetim, em português, sob as iniciais OJS. O
Jornal das Senhoras (OJS) foi fundado por Juana Manso de Noronha, Rio de Janeiro, 1852-1855.
3 Como amostra dos inúmeros erros de revisão, gramática e regência que o folhetim apresenta, na versão em portu-
guês, publicado in O Jornal das Senhoras (OJS, n. 10, 7 mar. 1852, p. 77), o nome do Dr. Alsina é grafado, algumas
vezes, com “c”; outro exemplo é “Havião já alguns minutos” (OJS, n. 3, 18 jan. 1852, p. 21); os nomes de locais e do
barco são traduzidos, e a província de Mendoza aparece como Mendonça (OJS, n. 5, 1º fev. 1852, p. 36).
4 Há atualmente uma tendência em cortar o sobrenome do marido, quando a mulher se separa dele. Por isso, a escritora
é constantemente denominada como Juana Manso.

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