Juízo 100% digital e a vocação da moderna atividade jurisdicional

AutorLuiz Fux
Ocupação do AutorMinistro e Presidente do Supremo Tribunal Federal. Ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral
Páginas3-11
JUÍZO 100% DIGITAL E A VOCAÇÃO DA
MODERNA ATIVIDADE JURISDICIONAL
Luiz Fux
Ministro e Presidente do Supremo Tribunal Federal. Ex-Presidente do Tribunal Superior
Eleitoral. Professor Livre-Docente em Processo Civil da Faculdade de Direito da Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em Direito Processual Civil pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Membro da Academia Brasileira de
Letras Jurídicas. Membro da Academia Brasileira de Filosoa.
Sumário: 1. Itinerário da função jurisdicional. 2. A recente experiência do Supremo Tribunal
Federal: ampliação do julgamento eletrônico. 3. O papel do Conselho Nacional de Justiça
na expansão do processo digital. 4. Notas sobre o funcionamento do “Juízo 100% Digital”.
5. Conclusão.
1. ITINERÁRIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL
O Estado, como garantidor da paz social, avocou para si a solução monopolizada
dos conf‌litos intersubjetivos pela transgressão à ordem jurídica, limitando o âmbito da
autotutela.1 Em consequência, dotou um de seus poderes, o Judiciário, da atribuição de
solucionar os referidos conf‌litos mediante a aplicação do direito objetivo, abstratamente
concebido, ao caso concreto.2
A supremacia dessa solução revelou-se pelo fato incontestável de ela provir da
autoridade estatal, cuja palavra, além de coativa, torna-se a última manifestação do Es-
tado soberano acerca da contenda, de tal sorte que os jurisdicionados devem-na respeito
absoluto, porque haurida de um trabalho de reconstituição dos antecedentes do litígio,
com a participação dos interessados, cercados isonomicamente das mais comezinhas
garantias.3 Essa função se denomina jurisdicional e tem o caráter tutelar da ordem e da
pessoa, distinguindo-se das demais soluções do Estado pela sua imodif‌icabilidade por
1. A regra ressoa absoluta quanto aos particulares que não têm, por força mesmo da isonomia constitucional, poderes
sobre seus concidadãos. No que pertine aos entes públicos há uma tênue mitigação diante da presunção de legiti-
midade dos atos da administração acoplada ao ius imperii necessário à gestão da coisa pública. Entretanto, mesmo
com esse privilège du préable, o controle posterior dos atos administrativos garante aos indivíduos a chancela
judicial nesses conf‌litos. Destarte, nas atividades no self executing, o Estado se socorre da jurisdição, assim como
os particulares.
2. A atividade jurisdicional de particularização do direito ao caso concreto conduziu a doutrina de Chiovenda à
dicotomia entre a vontade abstrata e a vontade concreta da lei, concluindo o mestre que “a jurisdição consiste
na atuação da lei mediante a substituição da atividade de órgãos públicos à atividade de outros, seja no af‌irmar
a existência de uma vontade da lei, seja em determinar ulteriormente que ela produza seus efeitos (Principii di
Diritto processuale civile, 1928, p. 301).
3. Couture atribuía a solução obtida por “acto de la autoridad” à principal característica da jurisdição, em Fundamentos
de Derecho procesal civil, 1951, p. 4.
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