Jurisdição

AutorRodrigo Klippel
Páginas1-35
CAPÍTULO 1
JURISDIÇÃO
O ESTADO
(Rodrigo Klippel)
“O Estado arranca seu dinheiro
Na guerra ele lhe faz matar
Ele tira sua liberdade
E diz que é para o seu bem-estar.
As promessas são de melhoria
Segurança e educação
A resposta é sempre pão e circo
Réveillon, Carnaval, São João.
Liberdade, eu quero liberdade,
Não quero morrer atado a esses nós”.
1. O ESTADO, SEU PODER E A RESTRIÇÃO À NOSSA LIBERDADE
Desde quando nascemos, temos nossa liberdade, em alguma medida, restringida
pelo Estado. Ele se trata de uma estrutura de poder voltada a regular grande parte
dos aspectos da vida em sociedade daqueles que vivem em certo território ou, pelo
menos, nele atuam.
Quando nasci, não me perguntaram se eu gostaria de ceder parte de minha
liberdade e, futuramente, de meu patrimônio, a essa estrutura chamada de Estado,
para que ele, então, exercesse seu poder sobre mim, regulando grande parte das
condutas que pratico no dia a dia.
Se eu adquiro um apartamento, lá está o Estado presente, pois foi ele que conce-
deu ao imóvel o habite-se, bem como ao Estado pagarei o ITBI (imposto de transmissão
sobre bens imóveis).
Se eu pretendo andar pela cidade com minha moto, lá está o Estado a regular
se devo seguir em frente ou parar (semáforo); qual caminho devo pegar e qual é a
contramão; se estou habilitado ou não a pilotar aquele veículo (carteira de motoris-
ta); se posso circular ou não com a minha Harley (licenciamento do veículo). Além
disso, é óbvio que todo ano pago ao Estado um valor (tributo) pelo simples fato de
ter resolvido adquirir a motocicleta (IPVAimposto sobre a propriedade de veículos
automotores).
Quando entro na escola, sinto a presença do Estado ao impor as diretrizes e bases
da educação (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/1996).
Até se eu pretendesse “namorar” na rua, lá eu teria a companhia do Estado.
Câmeras de segurança estariam a captar tudo o que estaria a fazer. Fora que um
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TEORIA GERAL DO PROCESSO & TEORIA DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO • RODRIGO KLIPPEL
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namoro “mais quente” poderia caracterizar até mesmo um crime, passível de gerar
a restrição de minha liberdade (ato obsceno – art. 233 do CP – pena de detenção de 03
meses a 01 ano).
As hipóteses acima representam uma pequena parcela (diria até minúscula)
das restrições à nossa liberdade que o Estado nos impõe. Diante do quadro acima
e dos diversos outros exemplos que sua cabeça maquinou ao ler os que eu trouxe,
f‌ica uma pergunta: será que vale a pena tamanha restrição à nossa liberdade? Será que
o custo-benefício de tamanha ingerência é positivo?
Como vocês notaram, iniciei este texto por meio da transcrição de uma música
de minha autoria, chamada “O Estado”, em que faço exatamente os questionamen-
tos que f‌inalizam o parágrafo anterior (se quiser ouvir a música, basta acessá-la pelo
link https://soundcloud.com/user-210531162/o-estado). Vale a pena ceder nossa
liberdade ao Estado?
Trata-se de uma pergunta que não apresenta uma resposta universal, nem
atemporal. Pense em um país de primeiro mundo como a Alemanha. Hoje é bem
possível que você responda positivamente à pergunta: sim, vale a pena ceder minha
liberdade ao Estado Alemão.
Ao f‌inal de 1945, quando o Estado Alemão foi responsável pela morte de aproxi-
madamente 8.000.000 de cidadãos alemães por dar início a uma guerra insana contra
praticamente o resto do mundo, com certeza sua resposta seria outra.
Notadamente, há Estados que administram de forma mais adequada a quantidade
de liberdade que retiram das pessoas que a ele se submetem. Poderia citar a Suíça, a
Suécia, a Dinamarca, a Noruega e a Finlândia. Há outros que o fazem de forma bem
menos efetiva e, nesse grupo, infelizmente, incluo o Estado Brasileiro.
A grande quantidade de liberdade (pessoal e patrimonial) que cedemos ao
Estado brasileiro não nos volta em serviços decentes, em segurança, em garantia de
estabilidade. O custo-benefício é, claramente, negativo.
Mas, mesmo assim, do jeito que vivemos, vale a pena viver sob o império, o
poder do Estado?
Sinceramente, com todos os defeitos que tem, o Estado é uma solução melhor
do que seria a liberdade total. A ausência do Estado faria com que a grande maioria
de nós tivesse um critério muito claro de ação: nosso umbigo. E um método para
fazer valer esse critério: a força bruta.
Em épocas nas quais o Estado existe de direito mas desaparece de fato, o que
vemos é o caos. Pense na própria Alemanha na época da rendição, em maio de 1945:
milhares de metros cúbicos de escombros, estupros coletivos realizados pelos sol-
dados soviéticos contra as alemãs,1 milhares de judeus desaparecidos, que o próprio
1. Leia sobre o assunto em http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150508_estupro_berlim_se-
gunda_guerra_fn
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Capítulo 1 • JuRISDIÇÃo
Estado havia executado em campos de concentração, falta de água, de comida. Como
dito acima, caos.
Sem medo de errar, poderia dizer que o Estado é um mal necessário, já que uma
sociedade sem ele seria, realmente, como nos mostra a experiência histórica, caótica.
Todavia, o tamanho e o papel do Estado são dois pontos que precisam ser continua-
mente pensados, a f‌im de que a experiência social seja aperfeiçoada.
O momento pelo qual passa o Brasil é simplesmente único para que se ref‌lita
sobre o tamanho e o papel do Estado, a f‌im de que se possa alterar o resultado da
atual equação social que nos mostra não existir benefício proporcional à liberdade
que cedemos.
Se você leu (e espero que tenha lido!) todas as linhas acima, talvez esteja a fazer
uma pergunta: por que o Rodrigo Klippel iniciou seu livro de Teoria Geral do Processo
e Teoria do Processo Civil Brasileiro falando sobre o Estado e o poder que exerce sobre
nós?
Em breve você saberá!!
2. O EXERCÍCIO, PELO ESTADO, DE SEU PODER – AS FUNÇÕES ESSENCIAIS
DO ESTADO
Poder é uma abstração, que se concretiza pela prática de atos. Tanto é verdade
que é comum falarmos em “demonstrações de poder”.
Sendo assim, pode-se dizer que o Estado demonstra o poder que possui em face
das pessoas e dos entes que atuam em certo território por meio da prática de atos,
como a expedição de uma licença, a criação de uma lei, a decretação de uma prisão etc.
São muitos os atos (diria milhares) que o Estado pratica como externalização de
seu poder. Todavia, é possível enquadrar todos eles em três categorias, representativas
das três funções essenciais do Estado, a saber:
a) atos legislativos, representativos da função legislativa do Estado;
b) atos administrativos, representativos da função executiva do Estado;
c) atos jurisdicionais ou judiciais, representativos da função jurisdicional do
Estado.
Resumindo a af‌irmação que f‌iz acima: o poder do Estado se exercita pela prática
de atos, que se enquadram em três categorias, representativas das funções básicas
que ele exerce, quais sejam, a Legislativa, a Executiva e a Jurisdicional.
Nesse momento, é possível que você se pergunte: a classif‌icação dos atos do
Estado em legislativos, executivos e jurisdicionais apresenta alguma utilidade ou se
trata, tão somente, de uma curiosidade científ‌ica, eis que o presente texto se trata de
uma obra de ciência do direito processual?
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