A jurisdição constitucional francesa e seus mecanismos de participação social alternativa ao sistema brasileiro?

AutorTainah Sales
CargoDoutora e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Páginas61-94
Rev. direitos fundam. democ., v. 26, n. 3, p. 61-94, set./dez. 2021.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v26i31865
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL FRANCESA E SEUS MECANISMOS DE
PARTICIPAÇÃO SOCIAL: ALTERNATIVA AO SISTEMA BRASILEIRO?
FRENCH CONSTITUTIONAL JURISDICTION AND ITS MECHANISMS OF SOCIAL
PARTICIPATION: ALTERNATIVE TO THE BRAZILIAN SYSTEM?
Tainah Simões Sales Thiago
Doutora e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Ceará (UFC), com realização de pesquisa
doutoral internacional (bolsa CAPES/PDSE) na Aix-Marseille
Université (França). Professora de Direito Constitucional, Processo
Constitucional e Ciência Política dos cursos de Graduação e de Pós-
Graduação (Lato Sensu) da Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
Lider do Grupo de Pesquisa Jurisdição constitucional e política no
Estado Democrático, desenvolvido na Universidade de Fortaleza
(UNIFOR). Advogada. Áreas de atuação: Jurisdição constitucional.
Direito constitucional. Ciência Política.
Resumo
O trabalho busca verificar em que medida a jurisdição constitucional
francesa é compatível com a realidade brasileira e em que medida os
dois modelos se contribuem. No intuito de se repensar a jurisdição
constitucional pátria para torná-la mais deliberativa e condizente com
os ditames do Estado Democrático de Direito, garantindo uma maior
participação da população sobretudo no que tange ao controle
concentrado de constitucionalidade das leis que integram o
ordenamento jurídico, e a partir de pesquisa classificada como
bibliográfica, exploratória, explicativa, analítica e qualitativa, buscou-
se a realização de estudo comparado, in loco, com um modelo que,
em tese, propõe-se mais democrático que o brasileiro e adota o
instituto das audiências públicas em todas as discussões em sede de
controle de constitucionalidade a posteriori: o sistema francês.
Palavras-chave: Jurisdição constitucional. Sistema francês. Controle
de constitucionalidade. Participação social.
Abstract
This paper aims to verify if the French constitutional jurisdiction is
compatible with the Brazilian reality and if the two models can
TAINAH SIMÕES SALES THIAGO
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Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 26, n. 3, p. 61-94, set./dez., de 2021.
contribute to each other. In order to rethink the Brazilian
constitutional jurisdiction to make it more deliberative and consistent
with the dictates of the Democratic Rule of Law, ensuring greater
participation of the population especially with regard to the
concentrated control of constitutionality of laws that integrate the
legal system, and based on research classified as bibliographic,
exploratory, explanatory, analytical and qualitative, we sought to
carry out a comparative study with a model that, in theory, proposes
to be more democratic than the Brazilian and adopts the institute of
public hearings in all discussions on a posteriori control of
constitutionality: the French system.
Key-words: Constitutional Jurisdiction. French system. Judicial
review. Social participation.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Diante da necessidade de se repensar a jurisdição constitucional brasileira
no intuito de torná-la mais inclusiva e condizente com os ditames do Estado
Democrático de Direito, garantindo uma maior participação da população, sobretudo,
no que tange ao controle concentrado de constitucionalidade das leis que integram o
ordenamento jurídico, propõe-se a realização de uma pesquisa sobre a realidade
constitucional francesa (onde se verifica que o controle é realizado por um órgão que
não faz parte da estrutura do Poder Judiciário), para verificar a viabilidade de adotar
alguns aspectos deste modelo democrático para o Brasil.
Destarte, abordar-se-ão, neste artigo, os mecanismos de controle de
constitucionalidade na França, a partir da análise do Conselho Constitucional e da
Questão Prioritária de Constitucionalidade (QPC), para comparar com os
mecanismos de participação social na jurisdição constitucional brasileira, em especial
as audiências públicas. Em que medida os sistemas francês e brasileiro são
compatíveis e se contribuem? Há maior participação popular no controle de
constitucionalidade francês? São algumas das indagações a serem respondidas
neste trabalho.
A escolha da comparação com o sistema francês se deu diante do fato de
que a França se destaca como o berço do republicanismo moderno e como um país
de sólidas instituições democráticas, com um rol de pensadores e teorias sobre o
tema que influenciaram a estrutura de poder brasileira. Ademais, em razão do
destaque conferido às audiências públicas em sede de controle de
constitucionalidade, que são obrigatórias, e da abertura da jurisdição constitucional à
sociedade após 2008.
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Até 2008, o modelo francês era exclusivamente preventivo, o que quer dizer
que, após a aprovação do projeto de lei, nem o Judiciário e nenhum outro órgão tinham
o poder de invalidar norma por vício de inconstitucionalidade. Além disso, o Conselho
funcionava como uma terceira Câmara do parlamento, estando alheio à estrutura do
Poder Judiciário.
Em 23 de julho de 2008, foi aprovada a reforma constitucional, por meio de
emenda à Constituição de 1958, que atribuiu ao Conselho novas funções. Entre as
novas competências, restou previsto o controle repressivo de constitucionalidade.
Atualmente, qualquer interessado, no âmbito de um processo judicial ou
administrativo, poderá requerer ao Conselho a sua manifestação sobre a
constitucionalidade da legislação aplicável ao seu caso, por meio da Question
Prioritaire de Constitutionalité (QPC), permitindo ao Conselho a sua manifestação
sobre o tema. Caso entenda que a norma é inconstitucional, esta será ab-rogada ou
derrogada nas condições temporais determinadas pelo próprio Conselho (STRECK,
2014, p. 406).
Tal reforma trouxe relevantes mudanças no sistema francês: permitiu que o
cidadão participasse diretamente do controle de constitucionalidade, por meio da
apresentação da QPC; autorizou o controle repressivo (após a entrada da lei em
vigor); e modificou a posição ocupada pelo Conselho, que antes era um órgão
totalmente estranho ao Poder Judiciário. Hoje, de certo modo, há uma relação entre
eles, na medida em que a QPC parte de um processo de origem judicial e a decisão
do Conselho irá interferir no julgamento da lide (OSORIO, 2015, p. 557).
Para esta etapa da pesquisa, realizou-se investigação in loco, mediante a
participação da autora no Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE),
promovido e financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). Durante o segundo semestre de 2018, à autora foi oportunizado
estágio de pesquisa doutoral junto à Aix-Marseille Université, localizada em Aix-en-
Provence, na França.
Assim, os objetivos deste estudo são: comparar as realidades brasileira e
francesa quanto à democratização da jurisdição constitucional e, de forma especial,
ao desenvolvimento das audiências públicas; discutir alternativas e pontos de
melhoria a serem observados para se garantir a efetivação dos ganhos deliberativos
para a jurisdição constitucional brasileira diante do estudo comparado com a
realidade francesa.

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