Jurisdição constitucional e o tempo: rescisão da coisa julgada e modulação de efeitos das decisões do stf

AutorRafael Pandolfo
Páginas225-273
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8. JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E O TEMPO:
RESCISÃO DA COISA JULGADA E MODULAÇÃO
DE EFEITOS DAS DECISÕES DO STF
8.1 Coisa julgada e ação rescisória em matéria tributária
Os contribuintes se relacionam com o Estado, que é com-
posto por seus três poderes. Nessa relação, eles pressupõem a
constitucionalidade das leis publicadas e dos significados a elas
atribuídos pelo Estado. Malgrado a existência do que Jorge Mi-
randa499 denominou de “orgia legislativa” – decorrência do in-
tervencionismo estatal e sua motorização legislativa –, não se
pode exigir do cidadão mais do que a confiança nos enunciados
prescritivos produzidos pelos Poderes Legislativo, Judiciário e
Executivo, sob pena de criar-se uma atmosfera de permanente
desconfiança, cuja consequência poderia desembocar no retor-
no à instabilidade e ao subjetivismo do direito medieval.
No estado de direito, a confiança no conteúdo das deci-
sões judiciais há de ser total. A estabilidade desses atos é atin-
gida com a coisa julgada, marco temporal que torna definitiva
a decisão que dirimiu determinada controvérsia.
499. MIRANDA, Jorge, op.cit., p. 276.
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RAFAEL PANDOLFO
atribui à coisa julgada o status de cláusula pétrea (garantia
constitucional),501 prescrevendo que a legislação infraconsti-
tucional não poderá restringi-la. Instrumento indispensável à
garantia da previsibilidade e certeza do direito, a coisa julgada
impede que litígios judiciais se arrastem ou sejam reabertos
indefinidamente. Possui, assim, relação indissociável com a se-
gurança jurídica, como bem apontado por Humberto Ávila.502
A chamada coisa julgada formal ocorre com a preclusão
endoprocessual, o que implica dizer que a relação jurídica tri-
butária não poderá mais ser discutida dentro do processo en-
cerrado. O transcurso in albis do prazo para ajuizamento da
ação rescisória deflagra a coisa julgada material, desde que o
comando judicial analisado defina a relação jurídica material
controvertida à luz do art. 487 do Código Processual.503 Nesse
estágio, o processo de estabilização normativa chega ao seu
ocaso, surgindo o que se denomina lei entre as partes.
Se não há coisa julgada material sem coisa julgada formal,
o inverso não pode ser dito, uma vez que toda relação jurídica
500. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ga-
rantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico per-
feito e a coisa julgada; [...].
501. AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO RESCISÓRIA. EXCEPCIONALIDADE
DA RESCISÃO. COISA JULGADA. CLÁUSULA PÉTREA. DIVERGÊNCIA JU-
RISPRUDENCIAL. NÃO CABIMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA. SÚMULA 343.
INCIDÊNCIA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Divergência juris-
prudencial não enseja ação rescisória. II – Coisa julgada consiste em cláusula pé-
trea constitucional, do que decorre a excepcionalidade da rescisão. III - Agravo re-
gimental não provido. (AR 2341 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Tribunal Pleno, julgado em 18/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-107 DI-
VULG 29.05.2018 PUBLIC 30.05.2018).
502. ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 4. ed., rev., atual. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 2016, p. 370-371.
503. Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I - acolher ou rejeitar o pe-
dido formulado na ação ou na reconvenção; II - decidir, de ofício ou a requerimento,
sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; III - homologar: a) o reconheci-
mento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção; b) a transa-
ção; c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.
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JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIA
processual alcança seu momento de preclusão endoprocessual,
mesmo nos casos em que o encerramento decorre do reconhe-
cimento da ausência de uma das condições da ação.
Como bem apontou Carla de Lourdes Gonçalves, em
excelente artigo sobre o tema,504 o CPC/2015 adotou, corre-
tamente, a imutabilidade como critério de definição da coisa
julgada, a qual somente pode ser descaracterizada mediante
o ajuizamento de medida rescisória.
A propositura da ação rescisória deverá respeitar as hi-
póteses previstas pelo art. 966 do CPC/2015, dispositivo abai-
xo reproduzido:
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser
rescindida quando:
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, con-
cussão ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente
incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimen-
to da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as
partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em
processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação
rescisória;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, pro-
va nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso,
capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
[...].
504. LOURDES, Carla Gonçalves de. Coisa julgada em matéria tributária e a (im)
possibilidade de revisão em face da declaração de inconstitucionalidade pelo STF.
In ALVIM, Teresa Arruda; DIDIER JR, Fredie (orgs.). Doutrinas Essenciais Novo
Processo Civil. São Paulo: RT, 2018, pp. 555-569.

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