Jurisdição: Novos Desafios Éticos e Legais

AutorAntônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo
CargoAdvogado em São Paulo
Páginas6-7
TRIBUNA LIVRE
6REVISTA BONIJURIS I ANO 30 I EDIÇÃO 655 I DEZ18/JAN19
Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo ADVOGADO EM SÃO PAULO
JURISDIÇÃO: NOVOS DESAFIOS ÉTICOS E LEGAIS
Depois de intensos
anos de advocacia –
e lá se vão mais de
vinte e cinco no foro
– jamais imaginei
comportamentos
similares aos que
tenho observado na
jurisdição nos últimos tempos.
No curso de graduação, ao ler
as duras afirmações de Mon-
tesquieu quanto aos limites da
atuação dos magistrados, via
anacronismo naquele pensa-
mento, embora compreendesse
a irritação dos iluministas com a
classe dos juízes. A ideia de cada
qual dizer o direito consoante
um modo particular de interpre-
tação e as invenções de regras
para satisfazer interesses polí-
ticos aborreceram sobremanei-
ra os pensadores, que viram no
padrão da legalidade a salvação
para se reconstruir a confiança
na Justiça e no Estado.
Em matéria penal, o princí-
pio da legalidade foi propalado
desde o século 18 pelos escritos
de Beccaria e Filangieri. Mas,
mesmo sob a égide da lei (escri-
ta, certa e estrita), não faltaram
no século passado os alertas de
Giuseppe Beiol quanto aos ris-
cos dos elementos normativos
para aplicação dos tipos incrimi-
nadores, pois abriam uma janela
discricionária ao juiz criminal
incompatível com a rigidez espe-
rada do sistema penal.
Essas percepções soavam a
mim, outra vez, como exagero.
Os ideais liberais da reforma
penal de 1984 de encontrar um
juiz de direito com olhos de so-
mente punir segundo a lei, e de,
ao fazê-lo, obedecer ao neces-
sário e suficiente à justa repro-
vação empolgavam-me junto
com a perspectiva de ele indivi-
dualizar a pena como forma de
humanizar o cumprimento do
castigo. Eu acreditava em um
magistrado cioso da legalidade
e preocupado com o réu, com o
condenado.
O destino fez-me enxergar
de perto o modo atual de alguns
atuarem na jurisdição. O com-
prometimento tornou-se ideoló-
gico. Um sebastianismo da toga,
em que um e outro pressupõem
deter o poder de mudar a histó-
ria. Agem como perseguidores.
Tramam contra os acusados,
ou protegem alguns poucos
por razões personalíssimas.
Instrumentalizam a imprensa.
Bajulam o Ministério Público.
Vinculam-se a políticos e par-
tidos. Manejam a distribuição
e burlam a competência legal.
Criam, por exemplo, conexão
instrumental ad infinitum, para
justificar a atribuição de julgar
casos de repercussão.
Nunca antes conjecturei a
possibilidade de gabinete de juiz
penal, muito menos de ministro
do , esconder autos, bem as-
sim mentir sobre o andamento,
para impossibilitar o acesso da
defesa à decisão e a documen-
tos. Articulações indevidas
para pautar recursos e remé-
dios constitucionais; processos
levados à mesa na ausência de
componente da turma julgadora
para alterar o resultado da deci-
são colegiada; quebra da ordem
cronológica e legal de entrada
dos apelos para prejudicar o réu;
decisões cautelares próximas ao
fim de semana para dificultar
a impetração de recursos e ha-
beas corpus; ordens de prisão
na sexta-feira para embaraçar
a apreciação de liminares em
writs, dentre outros absurdos
contemporâneos.
Tratam-se de condutas não
pensadas por nós no passado.
Não preconcebidas pelo legisla-
dor, ainda que atento. Cuida-se
de maneira de agir na magis-
tratura que o mínimo ético de
cada juiz deveria sponte propria
reprimir. E o combate à corrup-
ção não autoriza a se trilhar esse
caminho. Afinal, tais desculpas
de fins últimos superiores, bens
sociais maiores do que a lei, não
colam mais para aqueles com al-
guma memória das agruras dos
regimes totalitários.
Sobram, assim, diversas ques-
tões em torno de quem deve agir:
a Ordem dos Advogados do Bra-
sil vai pedir a punição desses ma-
gistrados? Grupo de advogados
EU ACREDITAVA EM UM
MAGISTRADO PREOCUPADO
COM O RÉU. O MODO DE
ALGUNS ATUAREM SE
TORNOU IDEOLÓGICO. UM
SEBASTIANISMO DA TOGA

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