A jurisdição universal do Tribunal Penal Internacional e o deslocamento forçado do Povo Rohingya: o caso Myanmar v. Bangladesh do TPI

AutorClaudia Regina de Oliveira Magalhães da Silva Loureiro
CargoPós-Doutoranda em Direito pela Nova School of Law, Lisboa
Páginas145-171
A jurisdição universal do Tribunal Penal
Internacional e o deslocamento forçado
do Povo Rohingya: o caso Myanmar
v. Bangladesh do TPI
The universal jurisdiction of the International Criminal Court
and the forced displacement of the Rohingya People:
TPI’s Myanmar v. Bangladesh case
Claudia Regina de Oliveira Magalhães da Silva Loureiro*
Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal
1. Introdução
A necessidade de ressignificação dos elementos caracterizadores dos cri-
mes contra a humanidade, para a incidência da jurisdição universal do
Tribunal Penal Internacional (TPI), motivou o presente estudo a respeito
do deslocamento forçado do Povo Rohingya, que migra de Myanmar para
Bangladesh, vitimizado pelos crimes praticados em seu Estado de origem.
Nesse contexto, o objetivo geral do artigo é analisar a jurisdição do Tri-
bunal Penal Internacional para processar os crimes contra a humanidade
praticados, originariamente, no território de um Estado que não é parte do
Estatuto de Roma de 1998. Por sua vez, o objetivo específico do trabalho
é estudar a incidência da jurisdição da Corte no caso do Povo Rohingya,
notadamente na hipótese em que um Estado não é parte do Estatuto do
Direito, Estado e Sociedade n.59 p. 145 a 171 jul/dez 2021
*Pós-Doutoranda em Direito pela Nova School of Law – Lisboa; Pós-Doutora em Direitos Hu-
manos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Pesquisa em nível de Pós-Dou-
torado em Direito Internacional e Comparado concluída pela Faculdade de Direito da Uni-
versidade de São Paulo; Doutora e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Uberlândia;
Professora do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: crmloureiro@
gmail.com. Orcid: 0000-0002-0471-5711.
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Direito, Estado e Sociedade n. 59 jul/dez 2021
Tribunal (Myanmar), em relação à prática de atos ilícitos que provocam
desdobramentos no território de um Estado que é parte do Estatuto (Ban-
gladesh), de acordo com o Parecer da Procuradora do Tribunal Penal Inter-
nacional, bem como da decisão da Câmara de Pré-Julgamento III, exarados
no contexto do mesmo caso.
Para alcançar os objetivos geral e específico, o trabalho será conduzido
pelo método dedutivo, partindo da premissa de que existem crimes de in-
teresse da humanidade que ensejam a incidência da jurisdição universal do
Tribunal Penal Internacional, até mesmo diante de uma situação em que
um dos Estados envolvidos não seja parte do Estatuto de Roma.
Os procedimentos adotados para o desenvolvimento das ideias apre-
sentadas no trabalho são a análise doutrinária, jurisprudencial e documen-
tal, em especial o Parecer da Procuradora do TPI no caso do Povo Ronhin-
gya e a decisão da Câmara de Pré-Julgamento III, do mesmo Tribunal, que
autorizou o início das investigações.
Inicialmente, o artigo fará uma breve introdução a respeito da constitui-
ção do Tribunal Penal Internacional pelo Estatuto de Roma de 1998, bem
como da regulamentação do instituto jurídico da jurisdição, além de abordar
os princípios elementares que norteiam a atuação do Tribunal em apreço.
O trabalho apresentará a ideia de que os crimes praticados pelo Estado
de Myanmar contra o Povo Rohingya configuram atos anti-imigração, que
devem ser analisados sob a perspectiva interseccional pelo Tribunal Pe-
nal Internacional, instituição permanente, com sede em Haia e dotada de
personalidade jurídica internacional1, que visa a responsabilização penal
individual2 pela prática de crimes contra a humanidade.
O estudo apresenta uma problematização relevante em relação ao
instituto jurídico da jurisdição universal do Tribunal Penal Internacional,
uma vez que referido instituto se aplica se os crimes forem cometidos por
um nacional de um Estado-parte3, se forem praticados no território de um
1 CARDOSO, 2012.
2 ICC, s.d.
3 Cf. Artigo 12 (2) do Estatuto de Roma. Ver também o Artigo 5º do Estatuto de Roma: “1.
A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade in-
ternacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para
julgar os seguintes crimes: a) O crime de genocídio; b) Crimes contra a humanidade; c) Crimes
de guerra; d) O crime de agressão. 2. O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação
ao crime de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposi-
ção em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência
relativamente a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes
Claudia Regina de Oliveira Magalhães da Silva Loureiro

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