A Jurisprud ência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o Biodireito

AutorRute Teixeira Pedro
Páginas9-54
CAPÍTULO 1
A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL EUROPEU
DOS DIREITOS DO HOMEM E O BIODIREITO
Rute Teixeira Pedro
Professora auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP) e inves-
tigadora do Centro de Investigação Jurídico-Económica (CIJE) da mesma Faculdade.
Associada do Centro de Direito Biomédico e do Centro de Direito da Família da Fa-
culdade de Direito da Universidade de Coimbra. Membro do Centre of Family Law da
University of Cambridge. Professora colaboradora da Escola de Direito da Universidade
do Minho. Doutora em Direito pela FDUP e Mestre emCiências Jurídico-Civilísticas
(vertente Direito das Obrigações) pela Faculdade de Direito da Universidade Católica
Portuguesa. Recebeu prémios e bolsas de diversas entidades de que destacam as bolsas
atribuídas pelo Instituto Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Pri-
vatrecht de Hamburgo. Das suas mais de três dezenas de publicações fazem parte três
livros, capítulos em livros, artigos em revistas nacionais e internacionais, escritos em
português, inglês, espanhol e italiano. Membro Honorário da Academia Mackenzista
de Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo.
Sumário: 1.1. Considerações iniciais – 1.2. Denições e histórico – O Conselho da Europa e
a Proteção dos Direitos Humanos; 1.2.1. Conceitos – A Convenção Europeia dos Direitos do
Homem e outros instrumentos adotados pelo Conselho da Europa para proteção dos Direitos
humanos no âmbito do Biodireito; 1.2.2. Características – A proteção jurisdicional propor-
cionada aos direitos humanos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; 1.2.3. Classi-
cações – O Biodireito e os Direitos e liberdades protegidos pela Convenção dos Direitos do
Homem – 1.3. A Jurisprudência do Tribunal dos Direitos do Homem no âmbito do Biodireito;
1.3.1. A exigência de consentimento informado; 1.3.2 A qualidade dos serviços de saúde e o
funcionamento da responsabilidade civil nas situações relacionadas com a prestação desses
serviços – 1.3.3. As técnicas de reprodução medicamente assistidas; 1.3.4. O início da Vida;
1.3.5. O m de Vida – 1.4. Observações conclusivas – 1.5. Referências Bibliográcas
1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nesse capítulo, consideraremos a relevância da jurisprudência do Tribunal Euro-
peu dos Direitos do Homem para o desenvolvimento do Biodireito no contexto europeu.
Na verdade, por um lado, à proteção dos direitos humanos atribui-se uma
força motriz na conformação e desenvolvimento do regime jurídico aplicável às
problemáticas concernentes ao Biodireito.1 Por outro lado, o Tribunal Europeu dos
1. Pondo em destaque a inf‌luência dos direitos do homem quanto à regulação dos cuidados de saúde nos
ordenamentos jurídicos europeus, Jean Mchale af‌irma The discourse of human rights has pervaded the regu-
lation of health care across jurisdictions. Mchale, Jean, Fundamental rights and health care, in Health Systems
Governance in Europe. The role of European Union law and policy, Elias Mossialos, Govin Permanand,
Rita Baeten e Tamara K. Hervey (editors). Cambridge: University Press, 2010, p. 283.
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Direitos do Homem (TEDH2) vem desempenhando, desde a sua criação, um papel
nuclear na tutela dos direitos do homem no velho continente. Por consequência, da
conjugação desses dois fatores, resulta que o Biodireito, no contexto europeu, sofre
a inf‌luência determinante das decisões proferidas por este Tribunal que tem por
missão garantir o cumprimento da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e
de outros instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos que têm
vindo a desenvolver-se sob a égide do Conselho da Europa.
Cumpre, desde já, nessas considerações introdutórias, destacar que a proteção
jurisdicional proporcionada ao longo das últimas décadas pelo TEDH é um fenó-
meno ímpar a nível mundial, merecendo, portanto, a ref‌lexão que vai ser levada a
cabo nesse capítulo.
Na nossa ref‌lexão seguiremos o iter que passamos a expor. De imediato, na secção
seguinte (1.2.), depois de explicitarmos, de modo sucinto, o surgimento do Conse-
lho da Europa e a emergência no seu âmbito da proteção jurisdicional dos direitos
humanos, daremos conta dos principais instrumentos de tutela desses direitos no
âmbito do Biodireito (1.2.1.). Em seguida, dedicaremos a nossa atenção a descrever
o modo e os termos de funcionamento do mecanismo de proteção jurisdicional que
é proporcionado pela atuação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (1.2.2.).
Finalmente, deteremos a nossa atenção no elenco de direitos tutelados que têm es-
pecial relevância no âmbito do Biodireito e nas obrigações que, para garantia da sua
tutela, emergem para os Estados que se submetem à jurisdição do TEDH. Munidos
dos elementos expostos na secção 1.2., poderemos, então, na secção subsequente
(1.3.) fazer um périplo pela jurisprudência do TEDH relativa às matérias de Biodi-
reito. Atendendo aos limites desse trabalho, elegemos 5 áreas de grande importância
e onde se encontram decisões abundantes. Falaremos de questões relacionadas com
a exigência do consentimento informado (1.3.1), com a qualidade dos serviços de
saúde e o funcionamento da responsabilidade civil nas situações relacionadas com a
prestação desses serviços (1.3.2.), com a reprodução medicamente assistida (1.3.3.),
com o início da vida (1.3.4.) e com o f‌im de vida (1.3.5.). Finalizado o percurso que
ora anunciamos, vamos extrair algumas conclusões sobre o exposto (1.4.).
1.2. DEFINIÇÕES E HISTÓRICO – O CONSELHO DA EUROPA E A PROTEÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS
O Conselho da Europa3 foi instituído com base num acordo internacional,
assinado por dez Estados Europeus, em Londres, em 5 de maio de 1949, com o
objetivo de dar realização a uma união mais estreita entre os seus membros, em
2. Nesse capítulo, para nos referirmos ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, empregaremos a sigla
TEDH. Prevenimos também que, quando nos referirmos ao Tribunal sem indicações adicionais, estamos a
reportar-nos ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
3. Nesse capítulo, para nos referirmos ao Conselho da Europa, empregaremos a sigla CE.
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Capítulo 1 • a JurisprudênCia do tribunal EuropEu dos dirEitos do HomEm E o biodirEito
ordem à salvaguarda dos direitos humanos, à promoção dos ideais e princípios co-
muns e à harmonização de práticas sociais e jurídicas, fomentado do mesmo passo
o progresso econômico e social numa Europa saída de uma devastadora segunda
guerra mundial.4 Nos quase 70 anos que se lhe seguiram mais Estados aderiram e
atualmente 47 Estados são membros do CE, entre os quais os 28 Estados-Membros
da União Europeia, incluindo, no momento em que escrevemos, o Reino Unido,5
estando em curso o processo de adesão pela própria União Europeia, como refe-
riremos de seguida.
Para dar concretização a um dos principais objetivos do CE – a promoção dos
direitos humanos –, foi aprovada a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos
do Homem e das Liberdades Fundamentais – também conhecida como Convenção
Europeia dos Direitos do Homem6 –, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950
e entrada em vigor a 3 de setembro de 1953, sobre que nos debruçaremos na próxima
subsecção (1.2.1). Tratou-se de uma iniciativa que, à semelhança do que já havia
acontecido quanto à Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas adotada em 10 de dezembro de 1948, vertendo num único instru-
mento internacional os direitos e liberdades que deviam ser respeitados pelos Estados
contratantes, visou promover, de forma permanente, a paz e os valores comuns.
A importância, no espaço europeu, desse instrumento internacional, que,
está quase a completar o seu 70º aniversário, manifesta-se na previsível adesão da
União Europeia à Convenção Europeia dos Direitos Humanos,7 em cumprimento
da previsão contida no Tratado de Lisboa de 2007 entrado em vigor em 1 de dezem-
bro de 2009.8 Essa futura adesão formal segue-se a uma “adesão jurisprudencial”
que se constata na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia com a
invocação frequente da CEDH como um dos instrumentos em que se encontram
ref‌letidas “as tradições constitucionais comuns aos Estados-membros” da União
Europeia e a uma “incorporação material” na ordem jurídica da União Europeia9
4. Sobre as origens da tutela dos direitos do Homem com referência à criação do CE, veja-se Barreto, Ireneu
Cabral. A convenção Europeia dos Direitos do Homem, 5ª edição revista e atualizada. Coimbra: Almedina,
2015, p. 17 e ss.
5. Aos 47 Estados-membros, juntam-se 5 Estados observadores: Canadá, Estados Unidos da América, Israel,
Japão, México e Santa Sé.
6. Nesse capítulo, quando nos referirmos à Convenção sem indicações mais precisas estamos a reportar-nos à
Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Para o mesmo efeito, empregaremos a sigla CEDH. Acresce
que, quando, nesse capítulo, citarmos algum artigo sem referência adicional, deve entender-se que integra
a mesma Convenção.
7. O n. 2 do art. 59 da CEDH, introduzido pelo Protocolo n. 14, prevê expressamente essa possibilidade.
8. Sobre a adesão da União Europeia à CEDH, que constitui um caso inédito de sujeição de uma instância
supraestadual a um tratado internacional e aos respetivos instrumentos judiciais de controle, veja-se, em
língua portuguesa, MOREIRA, Vital, A adesão da União Europeia à Convenção Europeia dos Direitos Humanos,
in “Estudos de Homenagem a Miguel Galvão Teles”, org. Jorge Miranda et al., Coimbra: Almedina, Vol. I,
2012, p. 717 e ss.
9. MOREIRA, Vital. Op. cit., p. 718-719 e p. 734.
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