Justa causa aplicada pelo empregador

AutorAlexandra Da Silva Candemil
Ocupação do AutorAdvogada trabalhista, sócia e fundadora da Candemil Advogados Associados
Páginas39-168

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2.1. Conceito de justa causa

O instituto da justa causa, no direito brasileiro, “autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do sujeito contratual comitente da infração”60.

Justa causa é “todo ato faltoso grave, praticado por uma das partes, que autorize a outra a rescindir o contrato, sem ônus para o denunciante”61. Caracteriza também “todo ato doloso ou culposamente grave, que faça desaparecer a confiança e a boa-fé existentes entre as partes, tornando, assim, impossível o prosseguimento da relação”62. Em outras palavras, justa causa é todo ato grave praticado por um dos contratantes que abale o elo de confiança resultante do contrato de trabalho.

Para o ordenamento jurídico trabalhista, justa causa constitui a faculdade legal que tem o empregador ou o empregado de rescindir o contrato de trabalho, sem ônus indenizatório, se a interrupção partiu do primeiro e sem o recebimento de todos os direitos rescisórios, se partiu do segundo.

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A justa causa tem como fato gerador diversas infrações que caracterizam o descumprimento das obrigações mútuas das partes contratantes. Referidas infrações estão normatizadas, respectivamente, nos arts. 482 e 48363 da CLT.

A legislação trabalhista pátria, como se vê, contempla o critério taxativo ao mencionar as figuras das infrações trabalhistas nos citados artigos, ao mesmo tempo, realiza previsão de forma exaustiva e fiel ao princípio de que inexistiriam infrações além daquelas formalmente fixadas em lei”64.

Além das causas previstas nos dispositivos legais supramencionados, há outras tipificações no próprio texto consolidado ou em legislação complementar, as quais igualmente oportunizam a aplicação da justa causa por iniciativa do empregador nas seguintes hipóteses: cometer ato de desobediência (art. 240 da CLT, no caso de empregado do setor ferroviário); violar ou constranger, durante a greve, direitos e garantias fundamentais de outrem e/ou impedir o acesso ao trabalho de outros colegas (Lei n. 7.783/1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade); prestar declaração falsa de endereço onerando indevidamente o empregador na concessão de vale-transporte e utilizar indevidamente vale-transporte para aquisição de produtos de comércio (Decreto n. 95.247/1987, art. 7º, parágrafo 3º, que regulamenta o vale-transporte); recusar-se a utilizar EPI ou não cumprir as determinações de segurança e medicina do trabalho previstas na Norma Regulamentadora n. 32, item 18 (Portaria n. 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que regulamenta as normas de segurança e saúde do trabalho).

Ao aplicador do direito caberá, por óbvio, adequar o fato gerador da falta cometida pelo empregado em uma das tipificações previstas legalmente.

As obrigações contratuais cujo descumprimento enseja a ruptura do contrato de trabalho e, por consequência, a justa causa, (i) quanto ao empregador, estão relacionadas com o dever de pagar o salário ajustado, cumprir as determinações

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legais e do contrato, e respeitar a dignidade do prestador de serviço; (ii) quanto ao empregado, referem-se à execução do trabalho ajustado, ao cumprimento das obrigações legais e contratuais, e aos deveres de obediência, diligência e fidelidade.

A falta, infração cometida pelo empregado, “seria toda conduta omissiva ou comissiva do empregado em transgressão a deveres identificados na conduta geral do trabalhador em relação às suas obrigações contratuais, ou seja, incumprimento de um dever de obediência ou submissão, bem como em função de atos contrários aos interesses da atividade empresarial”65.

A ruptura contratual motivada pelo empregador foi denominada pela doutrina trabalhista como “justa causa do empregado”. A extinção do contrato individual de trabalho nestes termos tem amparo da disciplina do art. 482 da CLT, que taxativamente cita as seguintes infrações ensejadoras da justa causa: improbidade, incontinência de conduta, mau procedimento, negociação habitual, condenação criminal sem suspensão condicional da pena, desídia, embriaguez habitual ou em serviço, violação de segredo de empresa, insubordinação, indisciplina, abandono de emprego, ato lesivo da honra e da boa fama, ofensa física, prática de jogos de azar e atos atentatórios à segurança nacional.

A infração praticada pelo empregador — hipótese do art. 483 da CLT —, denomina-se “rescisão indireta do contrato de trabalho” e enseja a extinção contratual por iniciativa do empregado. O preceito legal citado menciona as seguintes infrações do empregador: exigência de serviços superiores à força do empregado ou defesos por lei; exigência de serviços alheios ao contrato, de labor; rigor excessivo; exposição do empregado a perigo manifesto de mal considerável; descumprimento das obrigações contratuais; e ofensas físicas e morais.

Para caracterização e enquadramento do ato praticado pelo empregado são exigidos alguns elementos que, juntos, consolidam a aplicação da justa causa. A explicação é singela: os elementos que estruturam a justa causa, imprescindíveis para a sua caracterização, são: culpa exclusiva do empregado, gravidade de seu comportamento, imediatismo da rescisão, nexo de causalidade entre a falta grave cometida e o efeito danoso suportado pelo empregador, singularidade e proporcionalidade da punição.

Na hipótese de o empregado ajuizar ação trabalhista requerendo a nulidade da rescisão motivada do seu contrato de trabalho, caberá ao empregador o ônus de comprovar perante a Justiça do Trabalho a existência do fato gerador da justa causa e os elementos que a caracterizam (art. 818 da CLT66).

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Havendo culpa recíproca ou concorrente entre os sujeitos da relação de emprego, somente o Judiciário trabalhista terá competência para reconhecer e reduzir a indenização postulada pelo empregado pela metade, consoante já previsto em lei67 e pacificado pela Súmula n. 14 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que assim consigna: “CULPA RECIPROCA. Reconhecida a culpa recíproca na rescisão do contrato de trabalho (art. 484 da CLT), o empregado tem direito a 50% (cinquenta por cento) do valor do aviso prévio, do décimo terceiro salário e das férias proporcionais”. A lei do FGTS (Lei n. 8.036/1990), em seu art. 18, parágrafo 2º, prevê a redução de 40% para 20% da indenização devida pelo empregador nos casos de culpa recíproca reconhecida pela Justiça do Trabalho68.

As distintas obrigações e prerrogativas do empregador e do empregado como elementos consolidadores da justa causa aplicada pelo empregador passam a ser...

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