Justiça Desportiva e Justiça Desportiva Antidopagem

AutorMariana Rosignoli/Sérgio Santos Rodrigues
Ocupação do AutorAdvogada/Advogado
Páginas34-62
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MARIANA ROSIGNOLI
e
SÉRGIO SANTOS RODRIGUE S
C
APÍTULO
2
Justiça Desportiva e Justiça Desportiva Antidopagem
1. Introdução
Justiça Desportiva é o sistema administrativo que aplica as regras desportivas relativas à disciplina e às competições
A desportivas. Embora seja chamada de Justiça, não tem relação com o poder judiciário; está ligada sempre a um
órgão de administração do desporto. Assim, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça de Desportiva de Futebol é
vinculado e mantido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mantendo, contudo, sua autonomia. Tanto que
cabe ao mesmo, se necessário for, julgar dirigentes da CBF.
Também não se confunde a Justiça Desportiva com os Tribunais Arbitrais, por várias razões. Uma delas é que, nestes,
os árbitros — julgadores — são escolhidos pelas partes dentro de uma lista prévia; naquela os julgadores, chamados
Auditores, têm mandato e são escolhidos na forma prevista na norma correspondente.
A doutrina jusdesportiva de Paulo Marcos Schmitt define a Justiça Desportiva como:
(...) o conjunto de instâncias desportivas autônomas e independentes, considerados órgãos judicantes, que
funcionam junto a entidades dotadas de personalidade jurídica de direito público ou privado, com atribuições de
dirimir os conflitos de natureza desportiva e de competência limitada ao processo e julgamento de infrações
disciplinares em rito sumário ou procedimentos especiais definidos em códigos desportivos.(28)
Está prevista no art. 217 da Constituição da República, no Capítulo VII da Lei Pelé e nos arts. 40 e seguintes do
Decreto n. 7.984. O dispositivo constitucional assim preceitua:
§ 1o O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da
justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2o A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3o O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
A organização, o funcionamento, as atribuições da Justiça Desportiva e o Processo Desportivo(29) são regulados
pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).
Submetem-se ao CBJD as entidades nacionais e regionais de administração do desporto; as ligas nacionais e
regionais; as entidades de prática desportiva (filiadas ou não às entidades de administração); os atletas, profissionais e
não profissionais; os árbitros, assistentes e demais membros de equipe de arbitragem; as pessoas naturais que exerçam
quaisquer empregos, cargos ou funções, diretivos ou não, diretamente relacionados a alguma modalidade esportiva,
em entidades (dirigentes, administradores, treinadores, médicos, membros de comissão técnica e outros); todas as
demais entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto e as pessoas naturais e jurídicas que lhes forem
direta ou indiretamente vinculadas, filiadas, controladas ou coligadas.
Quanto à competência, como já explicado, a Justiça Desportiva só admite ações referentes à competição (prova
desportiva, concorrência) e de disciplina desportiva (processo e julgamento de infrações disciplinares definidas em
códigos desportivos). Em relação ao tema, Heraldo Luis Panhoca leciona:
Sobre a abrangência e a competência da justiça desportiva, a legislação vigente restringe, por determinação
constitucional, ao universo da competição desportiva e da disciplina, eliminado por completo qualquer
(28) SCH MITT, Paulo Marcos. Direito & justiça desportiva. Disponível em:
id634251949?mt=11>. Acesso em: 3 jan. 2014, p. 54.
(29) Art. 1o A organização, o funcionamento, as atribuições da Justiça Desportiva brasileira e o processo desportivo, bem como a previsão das
infrações disciplinares desportivas e de suas respectivas sanções, no que se referem ao desporto de prática formal, regulam-se por lei e
por este Código.
§ 2o Na aplicação do presente Código, será considerado o tratamento diferenciado ao desporto de prática profissional e ao de prática não
profissional, previsto no inciso III do art. 217 da Constituição Federal.
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outra ingerência, mesmo que relativa ao desporto. Assim, as relações de trabalho entre atletas e clubes, as
relações societárias entre entidades, os litígios entre clubes e entidades de administração, etc., deixaram de
ser apreciados pela justiça desportiva, passando de imediato à justiça comum.(30)
2. Princípios que norteiam a Justiça Desportiva
Como destacado, os princípios constituem norma fundamental e geral de um sistema e podem ser utilizados no
caso de omissão do legislador. O CBJD especifica os princípios de referência desta justiça especializada, que já são conhecidos
no Processo Civil, Direito Constitucional e Administrativo, cuja observação é essencial no âmbito desportivo.
2.1. Ampla defesa
A Constituição Federal consagrou no art. 5o, inciso LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,
e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Tal
princípio garante a qualquer jurisdicionado o direito de defesa da forma mais ampla possível.
Em acordo com este princípio basilar insculpido na Carta Magna, o CBJD também o previu no âmbito desportivo —
art. 2o, inciso I — garantindo às partes submetidas ao processo disciplinar o mesmo direito fundamental constitucional.
2.2. Celeridade
A celeridade é de extrema importância para a Justiça Desportiva, pois as competições são rápidas, em regra, e os
julgamentos precisam terminar antes destas, sob pena de seus efeitos serem inócuos.
Esse princípio é refletido em alguns artigos do CBJD, tais como: o que prevê que o pedido de vista não impede que
o julgamento seja feito na mesma sessão (art. 128, § 1o); prazos exíguos, em regra de 3 (três) dias (art. 138); produção
de efeitos da decisão independentemente de publicação (art. 133), entre outros.
2.3. Contraditório
O art. 5o, LV, da Constituição Federal prevê o Princípio do Contraditório, presente também na Lei Pelé e consi-
derado basilar para a garantia de um julgamento justo. Vicente Greco Filho assim sintetiza o princípio:
O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio
de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportu-
nidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar
presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade
de recorrer da decisão desfavorável.(31)
2.4. Economia processual
Serão colocados em prática o máximo de atos possíveis que simplifiquem e barateiem o processo, como por
exemplo: convocação para os julgamentos por edital afixado no Tribunal e publicado na internet, sem necessidade de
publicação impressa com circulação (art. 47 do CBJD).
Ainda, os votos proferidos em sessão de julgamento em regra são orais, só havendo necessidade de lavrar acórdão
se as partes envolvidas assim requererem (art. 39 do CBJD).
2.5. Impessoalidade
Alexandre de Moraes(32) explica que “o princípio da impessoalidade encontra-se, por vezes, no mesmo campo
de incidência dos princípios da igualdade e da legalidade, e não raramente é chamado de princípio da finalidade
administrativa”.
Adaptando estes ensinamentos à Justiça Desportiva, determina o CBJD que os atos só sejam praticados para o
seu fim, independentemente dos envolvidos.
(30) PANHOCA, Heraldo Luis. Autonomia de organização e funcionamento das entidades de prática e de direção do desporto brasileiro. In:
AIDAR, Carlos Miguel (Coord.). Curso de direito desportivo. São Paulo: Ícone, 2003. p. 52.
(31) GRE CO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 11. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1996. v. 2, p. 90.
(32) MORA ES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 100.
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