Sobre justiça restaurativa
Autor | Fabiana Kist |
Ocupação do Autor | Advogada atuante. Professora em Direito Penal |
Páginas | 113-136 |
O valor da vontade da vítima de violência conjugal para a punição do agressor 113
5 Sobre justiça restaurativa
5.1 Noções introdutórias
A temática que trata das formas de punição do autor de uma
conduta desviada sempre se apresentou para a ciência jurídico-
-social e para a criminologia como uma das mais problemáticas.
É possível a rmar que, no geral, a necessidade de punir o infrator
é um dado culturalmente incorporado a todos os povos. O que
não apresenta consenso é o tipo de punição - sanções necessárias
e adequadas -, e a forma de promover o apenamento, envolvendo
autoridade competente, participantes do processo, ritual e objeti-
vos, fatores que re etem na legitimidade/aceitação da punição
aplicada.
As sociedades modernas, no geral, convivem com o fenô-
meno do monopólio da administração da justiça penal nas mãos
do Estado, para quem a punição do autor de crime é, ao mesmo
tempo, um poder e um dever. Elementos essenciais nesse
sistema são representados, no âmbito do Direito substantivo
ou material, pelo princípio da legalidade ou da reserva legal, e
no campo do Direito adjetivo/processual toma vulto a noção de
devido processo legal, a signi car que o Estado não pode punir
sumariamente.
Sobre o sancionamento, a primazia tem sido dada à pena
de prisão. O encarceramento dos condenados ensejou uma
gama de problemas, que em determinados países, como é o
caso do Brasil, tomaram tamanho vulto que se apresentam, ao
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menos em aparência, insolúveis, sendo comum a armação de
que o sistema carcerário encontra-se em contundente estado
de falência. Ao lado disso, há vozes que imputam ao Processo
Penal sérias deciências, e uma delas estaria na falta de atenção
dada para a vítima do crime. Critica-se, na realidade, o sistema
estatal de justiça criminal, por ser punitivista, autoritário, pu-
ramente adversarial e incapaz de satisfazer as necessidades da
vítima, do ofensor e da própria sociedade, encontrando-se em
franca crise de legitimidade.
E é natural que, quando determinado sistema ou paradigma
mostra-se incapaz de dar conta daquilo que dele se espera,
pense-se em alternativas. E, no âmbito de discussão da presente
investigação, interessam de modo especial duas perspectivas
críticas que, por excelência, reetem as mazelas tributadas ao
vigente sistema de justiça punitiva: de um lado, é posta em causa
a aptidão da pena privativa de liberdade em concretizar os
objetivos dela esperados (prevenção e/ou ressocialização) e de
reparar os danos (em sentido amplo) que o crime causou; a
outra linha por onde circulam importantes perguntas é aquela
que trata do papel destinado à vítima no Processo Penal moderno,
sendo nítida a insatisfação, exatamente porque a ela não é dada
a atenção devida e merecida.
É este, e em linhas muito gerais, o panorama em que se
insere um modelo de solução de conitos de natureza penal
que se pretende alternativo ao vigente sistema estatal, designado
por seus defensores como justiça restaurativa. Na sequência,
identicaremos esse modelo e o contexto de seu surgimento
e desenvolvimento. Naturalmente, essa tarefa é desenvolvida
de forma instrumental ao objetivo do trabalho, que é identicar
e compreender um possível papel da justiça restaurativa no
enfrentamento da violência doméstica e conjugal.
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