Justiça Restaurativa: como a Educação Pode Contribuir para a Redução dos Atos Infracionais Praticados por Adolescentes

AutorBruna Luiza Gomes Maculan; Léa Matheus Crivelari
Páginas404-412

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1. Introdução

A Justiça Restaurativa surgiu como meio de solução de conflitos, podendo-se pensar até mesmo em sua aplicação como alternativa aos procedimentos judiciais; inclusive, mais recentemente, teve suas bases normatizadas quanto à aplicação no âmbito da Infância e Juventude, por meio de Provimento elaborado pela Corregedoria Geral de Justiça1.

O objetivo aqui pautado é mostrar a relevância que o papel da Educação pode ter na socioeducação e na prevenção da reincidência quando combinada com o instituto da Justiça Restaurativa e aplicada conjuntamente com uma medida socioeducativa, como a Liberdade Assistida, e até mesmo como meio alternativo de resolução de conflitos, evitandose, assim, a judicialização das problemáticas geradas pelos atos infracionais e a estigmatização decorrente desse tipo de procedimento pelo qual passam adolescentes que se encontram em conflito com a lei.

Devemos sempre ter em mente que o olhar a ser depositado sobre esses jovens, que em grande parte apresentam situação de vulnerabilidade, é o de compreensão, assim como, impreterivelmente, devemos seguir o Princípio da Proteção Integral, adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

2. Libiberdade assistida como medida socioeducativa

A Liberdade Assistida é uma das medidas socioeducativas que podem ser impostas a adolescentes que praticaram atos infracionais, isto é, atos que são equiparados a crimes, contravenções penais previstas no Código Penal e no Decreto-Lei
n. 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais) e em outros tipos dispostos em legislação extravagante e demais códigos.

Essa medida tem previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Título III, Capítulo IV, Seção V, nos arts. 118 e 119, que seguem transcritos:

Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.

§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.

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§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.

Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:

I — promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;

II — supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;

III — diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;

IV — apresentar relatório do caso.

Seu prazo mínimo é de 6 (seis) meses e máximo de 12 (doze) meses.

Conceitualmente, a Liberdade Assistida é medida com cumprimento em meio aberto, em que há o acompanhamento da vida do adolescente em todos os seus aspectos — social, educativo e familiar —, por uma equipe técnica de referência que avaliará seu desempenho em alcançar as metas previamente acordadas e estabelecidas.

A Liberdade Assistida é aplicada com o fim de reeducar o adolescente, porém sem tirá-lo do meio em que vive, de sua comunidade e, principalmente, do convívio familiar, sendo uma medida interessante nesses termos. Elaine Castelo Branco resume a Liberdade Assistida da seguinte forma:

A Liberdade assistida é uma das modalidades e tratamento em meio livre e consiste na colocação do adolescente no seu meio natural, sem afastá-lo do lar, da escola e do trabalho, sob a supervisão do orientador qualificado.

Trata-se de medida aplicada na decisão final, após rigoroso contraditório, assegurando-se a ampla defesa. Pode da mesma forma ser aplicada, quando ao adolescente for concedida a remissão.2

Os adolescentes não devem ser objeto de vigilância e controle, como o eram conceitualmente na liberdade vigiada do Código de Menores de 1927, mas sim sujeitos livres e em desenvolvimento que o são, que precisam naquele momento de apoio e assistência para que possam exercer a sua liberdade e se desenvolver em sua plenitude, como ensina Elias Carranza3.

Contudo, em realidade, essa medida tem um grande caráter coercitivo, por ter um acompanhamento intenso da vida dos jovens, sendo também uma medida com restrição relativa de liberdade. Portanto deve ser aplicada a casos em que há real necessidade de assistência do jovem por um setor estatal e social, analisando a gravidade real do ato praticado, as circunstâncias em que se deu o ato infracional e as questões subjetivas do adolescente.

2.1. Panorama geral

Sendo imposto o cumprimento de Liberdade Assistida, o orientador deverá seguir as regras do art. 119 do ECA, que, em seu inciso II, determina a supervisão de “frequência e aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula”. O que ocorre é que será exatamente essa uma das metas pedagógicas impostas ao adolescente. Diz-se imposta, pois, apesar de as metas que serão desenvolvidas deverem ser construídas conjuntamente entre o adolescente, seus familiares e a equipe técnica, os dois primeiros apresentam-se a esse último em uma situação de vulnerabilidade após passarem por todo o processo de conhecimento e imposição da medida, aceitando o que lhes for oferecido para que possam, o quanto antes, se ver livres dessa assistência.

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Contudo, como exposto por Ricardo Miranda, “A imposição de qualquer regra de conduta ao adolescente como requisito de cumprimento de medida é escancaradamente inconstitucional”4.

Não se pode impor regras de conduta aos adolescentes, principalmente quando referirem-se ao direito constitucional inerente a eles, e a qualquer pessoa, como a educação. Essa imposição remete à doutrina da Situação Irregular5 do jovem, o que foi superado pelo advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem como pilar o Princípio da Proteção Integral6.

Portanto, impor a um adolescente, mesmo que com seu “consentimento”, que ele apresente frequência e aproveitamento escolar não traduz os princípios do ECA. Além disso, a frequência escolar em nada se relaciona com o nível de aprendizado e desenvolvimento intelectual do adolescente, já que este pode ter ótima frequência, porém não ter uma educação de qualidade em sala de aula.

Outro fator a ser analisado seria a condição socioeconômica do jovem, que, por vezes, tem baixa renda familiar, precisando inserir-se desde cedo no mercado de trabalho, ocasionando, assim, baixa frequência escolar por conta de uma necessidade de subsistência que, mesmo com ajuda de programas sociais e políticas públicas, não é suficientemente atendida.

Além disso, como previsto no art. 112, § 1º, do ECA, ao adolescente deve ser aplicada medida compatível com sua capacidade de cumprimento. Assim também analisa Ricardo Miranda:

Infelizmente, o que se verifica é a manutenção da doutrina da situação irregular, em especial o disposto no Código Mello Mattos que, ao se aplicar a medida de liberdade assistida, o magistrado deveria impor regras de procedimento ao jovem.

[...]

Não bastasse esse resquício de exigências dos antigos Códigos de Menores, tem-se o embasamento da exigência de regras de conduta que são previstas na legislação penal, isto é, busca-se refúgio em lei penal de adulto, numa dupla violação: uma porque se trata de crianças e adolescentes, outra porque não se impõe pena ao jovem, mas medidas protetivas e socioeducativas.

Nessa busca eloquente para impor regras de condutas aos jovens, usa-se o abrigo do Código Penal e da Lei de Execuções Penais, aplicando as exigências previstas para o livramento condicional, o que se mostra repugnante, uma vez que referidas exigências são específicas para o maior de 18 anos.7

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Por sua vez, ao orientador ficam incumbidas as atividades a serem propostas ao adolescente, conforme exposto no referido art. 119 do ECA, pois é ele quem irá assistir o jovem durante o cumprimento da medida, devendo sempre estar em movimento e em contato com o adolescente, que está em liberdade. Findo o prazo estipulado pelo juízo para o cumprimento da medida, o orientador e a equipe técnica deverão elaborar um relatório avaliando se sua ação foi suficiente para as necessidades apresentadas pelo adolescente inicialmente e se este tem condições de ter a medida extinta. Caso o acompanhamento, o auxílio e a orientação dos profissionais tiverem atingido o objetivo da socioeducação do jovem, esses deverão requerer a extinção da medida ao Juiz.

3. Justiça restaurativa

A justiça restaurativa surgiu como contraponto da justiça retributiva, pois a primeira foi uma forma pensada para solucionar o problema da crescente criminalidade na sociedade. Mesmo havendo leis e normas penais regulamentadoras, essas não se mostram efetivas no que diz respeito a infrações, tanto como punição quanto como prevenção e ressocialização, como preconiza a justiça retributiva.

Voltando-se o olhar ao adolescente em conflito com a lei, as medidas previstas no ECA, em reali-dade, não o ressocializam e, em geral, não garantem ao jovem a consciência do ato praticado e à...

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