Justificação externa da decisão judicial e standard probatório

AutorClayton Maranhão
CargoDesembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
Páginas17-36
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XVI – n. 21 – Maio 2021
Justicação externa da decisão judicial e
standard probatório
Clayton Maranhão1
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
I. Problemas do raciocínio jurídico contemporâneo
A       dos direitos do
cidadão contra o arbítrio de toda autoridade investida em cargo públi-
co de quaisquer dos poderes da República, sendo uma conquista de-
mocrática que não pode ser minimizada ou enfraquecida, sob pena de
inevitável retrocesso histórico.
O passado histórico registra passagens de centralização de poder,
despotismo, mero capricho, vingança, desforra, subjetivismos, solipsis-
mos, voluntarismos, linguagem privada, enm, tudo a não recomendar
que uma decisão venha desacompanhada de justicativas racionalmen-
te aceitas pela comunidade destinatária.
Para os ns deste trabalho, o raciocínio jurídico implica ao menos
três âmbitos de análise: (i) a produção normativa; (ii) a interpretação
normativa; e (iii) a aplicação normativa.
A produção normativa relaciona-se com a atividade do legislador,
mediante a apresentação de um projeto de lei que se submeta a ampla
discussão e deliberação, culminando em sua rejeição ou aprovação pelo
Poder Legislativo, sanção ou veto do chefe do Poder Executivo, com
ulteriores desdobramentos que não interessam ao presente estudo.
A interpretação normativa tanto pode dar-se in abstrato (orientada
aos textos, tal como a tradução) como in concreto (orientada aos fatos,
delimitando a classe de casos), e pode limitar-se a uma atividade de
mera identicação dos diversos possíveis signicados de um texto nor-
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mati
vo (interpretação cognitiva) ou resultar da escolha de um dos pos-
síveis signicados do dispositivo normativo (interpretação decisória).
A aplicação normativa está imbricada com a interpretação in con-
creto, à medida que consiste em atividade de subsunção individual dos
fatos reais (entidade concreta) ao antecedente normativo (fato jurídico
hipotético) e, a depender da autoridade do intérprete, também a deter-
minação das consequências previstas na norma (interpretação in con-
creto autêntica).
Note-se que quando a doutrina trata academicamente de uma ambi-
guidade do texto legal num manual jurídico, está procedendo a uma in-
terpretação in abstrato. Um jurista pode dar a sua opinião independen-
te sobre um caso de interesse público que está para ser julgado por um
tribunal, e nesse sentido está interpretando in concreto. Evidentemente,
a opinião doutrinária ou o parecer de um jurista não decidem um caso.
Interessa-nos aqui a atividade jurisdicional, cujas atividades inter-
pretativa e aplicativa estão logicamente imbricadas pela atividade de
subsunção geral (inclusão de uma classe dentro de uma classe mais
ampla). O texto legal é o objeto da atividade interpretativa do juiz e a
norma é o resultado dessa atividade interpretativa, norma essa que por
sua vez será subsumida aos fatos de um caso concreto a ser decidido
mediante justicação racional de suas premissas.
Pretende-se abordar um aspecto ainda mais especíco, dentro da
enorme gama de atividades abrangidas pela complexidade da estrutu-
ração de uma sentença judicial: rero-me ao momento da valoração
da prova, no qual o julgador já tem xado da sua mente qual o nível de
suciência probatória exigido para o caso concreto, e que deve deter-
minar qual o standard probatório para o caso concreto, dentre os ad-
mitidos na doutrina. É sabido que as fórmulas legais, doutrinárias e ju-
risprudenciais apenas dão indicativos de qual possa ser esse minimum
probatório: evidências apreendidas ou vistoriadas; elementos de prova
colhidos em fase inquisitorial; início de prova escrita corroborada por
prova testemunhal; direito (rectius: fato) líquido e certo; prova escrita;
prova inequívoca; verossimilhança; prova emprestada; regras de expe-
riência, regularidades, generalizações; facilidade na obtenção da prova
do fato contrário; prova diabólica; palavra da vítima; presunções; regras

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