Desequilíbrio laborambiental e direito de resistência: abordagem jusfundamental

AutorAngelo Antonio Cabra
CargoEspecialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Taubaté (UNITAU)
Páginas111-153

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1. Introdução

O Direito do Trabalho, desde a sua fundação, empreende esforços para a construção de formas dignas de trabalho e para a valorização do trabalhador, enfrentando, ao longo dos anos, ferozes resistências do poder econômico.

Nos mais variados cenários, é possível encontrar formas perversas de trabalho, que causam danos à saúde, à integridade física e à vida do trabalhador. Os acidentes do trabalho e as doenças ocupacionais, nesse sentido, integram as primeiras e mais prementes preocupações do direito laboral.

Sob uma perspectiva histórica, ao mesmo tempo em que o poder econômico iniciava a exploração da força de trabalho humano, degradava o meio ambiente, por meio da extração incessante e irracional de recursos naturais.

Assim, os excessos promovidos pelo capitalismo forjaram a elevação do direito do trabalho e do direito ambiental, cada qual ao seu tempo, à categoria de direitos fundamentais, garantindo-lhes tutela constitucional sob os mais variados aspectos.

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A confluência desses direitos, na medida em que o local de trabalho é uma acepção do ambiente promove um aperfeiçoamento da proteção laboral, porquanto os princípios de um ramo comunicam-se com os do outro.

É a partir dessa premissa que se justifica o presente artigo, cujo objetivo é estudar o meio ambiente do trabalho, em especial o direito de o trabalhador se autopreservar, nas hipóteses de desequilíbrio laborambiental — por meio do jus resistenciae.

Para tanto, o artigo divide-se em duas partes. A primeira, afeta ao meio ambiente do trabalho, e a segunda, vinculada ao direito de resistência. Estruturando-se, assim, em sete tópicos.

Após esta introdução, o tópico 2 cuida da análise histórico-filosófica do meio ambiente para, a seguir, conceituá-lo juridicamente. O tópico 3 trata da tutela laborambiental no ordenamento jurídico positivo. No tópico 4, objetivando ressaltar a gravidade social do tema, elencamos excertos da casuística envolvendo o assunto.

O tópico 5 dá início à análise sobre o direito de resistência, com comentários sobre o constitucionalismo e os direitos fundamentais, especialmente sobre a necessidade destes irradiarem os seus efeitos às relações jurídicas entre particulares. Já, no tópico 6, cuida-se do direito de resistência, a partir de suas premissas históricas, traçando o seu regime jurídico constitucional e sua aplicabilidade no direito do trabalho.

O tópico 7 é a conclusão geral do artigo.

2. O direito ambiental e o meio ambiente do trabalho
2.1. Intróito

O estudo do meio ambiente e das formas pelas quais é possível alcançar a sua compreensão exigem um percurso pelas diversas searas do conhecimento humano, sendo-nos permitido falar numa verdadeira epistemologia ambiental, ou seja, num trajeto para que se alcance o seu entendimento1.

Afinal, o ambiente não se restringe à ecologia, mas reflete a complexidade do mundo, constituindo-se num “saber sobre as formas de apropriação do mundo e da natureza através das relações de poder que se inscreveram nas formas dominantes de conhecimento”2.

As formas de apropriação do ambiente iniciam-se com a assunção do antropocentrismo, a partir das constatações de Nicolau Copérnico, desdobram-se com as investigações filosóficas de Bacon e Descartes e a consolidação do racionalismo.

Entrementes, foi com a eclosão da Revolução Industrial e a substituição do modelo de produção manufatureiro pela maquinofatura, que se intensificam as modificações ambientais.

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Nessa linha, é possível determinar duas fases da Revolução Industrial. A primeira, que compreende o período de 1760 a 1860, limitou-se basicamente à Inglaterra3, representou a exploração do algodão, o desenvolvimento do tear mecânico e das máquinas a vapor.

Já a segunda, ocorrida entre os anos de 1860 a 1900, representou a expansão do processo de industrialização, com repercussões na Bélgica, França, Alemanha e Estados Unidos4, relevando-se o desenvolvimento da indústria elétrica, dos derivados de petróleo em substituição às maquinas a vapor, a substituição do ferro pelo aço, criando, ainda, novas formas de organização industrial — como as sociedades anônimas —, desenvolvendo a especialização do trabalho e intensificando o domínio das ciências no setor industrial5.

A partir de então,

A promessa da dominação da natureza, e do seu uso para o benefício comum da humanidade, conduziu a uma exploração excessiva e despreocupada dos recursos naturais, à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição da camada de ozônio, e à emergência da biotecnologia, da engenharia genética e da consequente conversão do corpo humano em mercadoria última.6Considerando-se que a exploração da natureza intensifica-se com a hegemonia do capitalismo enquanto modo e modelo de produção econômica e, que todas as vicissitudes ambientais refletem-se no labor humano, não pode, assim, o Direito do Trabalho ignorar as suas causas e as suas consequências.

Desse modo, é a partir da interação entre a questão ambiental e laboral que se desenvolvem as reflexões deste tópico.

2.2. Dimensões histórico-filosóficas do meio ambiente

As questões envolvendo o meio ambiente humano (em sentido lato), como salientado acima, surgem com a assunção do modo e modelo de produção capitalista,

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intensificando-se com a eclosão da primeira Revolução Industrial, originalmente na Inglaterra do século XVIII.

Com o desenvolvimento das fábricas e o aperfeiçoamento dos sistemas de transportes e comunicação, a abertura de um novo horizonte de possibilidades tecnológicas, decorrentes da energia aplicada à indústria, criou-se uma áurea de euforia, resultando numa desatenção histórica com o planejamento dos processos industriais, com a extração de recursos naturais e com as condições de trabalho.

O consumo de recursos naturais se dava com tamanha intensidade, que, nesse contexto, Robert Malthus desenvolve a sua teoria da população, “no sentido de que a população deveria crescer mais depressa do que os meios de subsistência, de forma que os pobres deviam estar praticamente à beira da subsistência ou da fome”7.

Relatando o quadro socioeconômico da época, o historiador Eric J. Hobsbawm afirma:

A maioria do povo inglês, na primeira metade do século dezenove estava convencida de que a chegada do capitalismo industrial havia trazido para ela privações pavorosas, que ela havia entrado numa era desoladora e cruel. Da mesma forma a maioria dos observadores habilitados e instruídos. Os economistas presumiam que as condições dos trabalhadores pobres deviam ser bastante miseráveis: grande parte da teoria deles tinha por fim mostrar que isto era inevitável.8Referido quadro econômico-social agravou-se com o advento da segunda Revolução Industrial. A imensa gama de resíduos químicos industriais passa então a se concentrar no ambiente humano — formação das externalidades negativas da produção9.

A degradação dos recursos naturais e humanos era vista como intrínseca ao processo de desenvolvimento econômico, numa época em que os valores da propriedade e da livre-iniciativa sobrepunham-se à dignidade humana10, fruto do deslumbramento do ser humano com os avanços tecnológicos.

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A grande indústria, baseada na produção seriada e de grande porte, deu causa a uma quantidade de resíduos sem precedentes, que se acumularam paulatinamente, em contato perene e indiscriminado com mananciais e paisagens até então incólumes. O resguardo ao meio ambiente era, àquela época, apenas uma tênue preocupação, eventualmente esboçada em meio à fascinação que se instaurara.11Nesse quadro, o interesse pelo desenvolvimento econômico sobrepunha-se a qualquer outro, de forma que referidos descasos e violações desdobravam-se, também, no ambiente de trabalho, atingindo especialmente a saúde e a vida dos trabalhadores.

Afinal, as intensas formas de apropriação e transformação da natureza, a partir da utilização do maquinário industrial, além de degradar a natureza, engendravam um ambiente de trabalho insidioso, no qual reinavam os acidentes de trabalho. Esse fenômeno típico da época impulsionou a denominada luta de classes, promovendo uma reação jurídica às formas de exploração.

Apontando para exploração do homem como fato gerador do Direito do Trabalho, Mario de La Cueva aponta:

Son muchos los factores que influyeron para la iniciación de la lucha: Marx puso de relieve que uno de los primeros efectos de la revolución industrial fue el transito del taller a la fabrica, de la producción llevada al cabo en una unidad economica pequeña, formada por el maestro-proprietario de los útiles de trabajo —...

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