De que lado estás, Ariel?': reconhecimento e redistribuição na teoria da emancipação de Boaventura de Sousa Santos

AutorJosué Pereira da Silva
CargoProfessor de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Páginas88-117
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40/p88
8888 – 117
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“De que lado estás, Ariel?”:
reconhecimento e redistribuição
na teoria da emancipação de
Boaventura de Sousa Santos1
Josué Pereira da Silva2
Resumo
O artigo lida com a abordagem de Boaventura de Souza Santos a respeito do debate entre reco-
nhecimento e redistribuição. Tendo em vista a ideia de Nuestra América, do cubano José Martí
e a metáfora shakespeariana de Ariel, Santos elabora o que denomina paradigma subalterno de
reconhecimento (diferença) e redistribuição (igualdade), fundado em uma epistemologia do sul
que ele contrapõe ao chamado paradigma americano-europeu, cuja expressão é a globalização
neoliberal. Ele argumenta, então, que é preciso enfrentar esse paradigma da globalização dominan-
te com um paradigma contra-hegemônico de globalização.
Palavras-chave: Reconhecimento. Redistribuição. Epistemologia do Sul. Nuestra América.
Boaventura de Sousa Santos.
Introdução
Desde 1995, o recente debate sobre reconhecimento, desencadeado
alguns anos antes pelos trabalhos de Charles Taylor e de Axel Honneth,
ganhou nova feição, com a introdução nele, por Nancy Fraser, do tema
1 A parte entre aspas do título deste artigo é uma expressão utilizada por Boaventura de Sousa Santos como
subtítulo da conclusão de seu texto “Nuestra América: reinventar um paradigma subalterno de reconhecimento
e redistribuição” (SANTOS, 2006a, p. 223).
2 Josué Pereira da Silva é Professor de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: josueps@unicamp.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 40 - Set./Dez. de 2018
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da redistribuição (FRASER, 1995). Com isso, muitos autores que antes se
limitavam a discutir problemas de reconhecimento tiveram de considerar
em suas formulações também problemas de redistribuição. Enquanto os
debates sobre reconhecimento decorriam de preocupações com problemas
de identidade e diferença, a introdução no debate do tema da redistribui-
ção remetia, sobretudo, ao problema da igualdade social. Na verdade, a en-
trada de Fraser no debate, em 1995, teve justamente a intenção de alertar
para os limites das políticas de identidade e para o abandono por setores
dos movimentos sociais da luta por igualdade social, tema que por muito
tempo foi central para as pautas da Esquerda, velha e nova.3
Assim, o problema da relação entre reconhecimento e redistribuição
acabou por protagonizar um dos debates mais importantes em teoria so-
cial crítica na última década do Século XX e na primeira do Século XXI,
resultando com isso em uma extensa bibliograa, cuja principal referên-
cia ainda é o livro Recognition or redistribution? A political-philosophical
exchange (FRASER; HONNETH, 2003), no qual Fraser e Honneth dialo-
gam criticamente e apresentam suas respectivas formulações sobre o tema.
Minha intenção neste artigo, porém, não é reproduzir esse debate, sobre o
qual, aliás, já escrevi alhures.4 Meu objetivo aqui é bem mais restrito e se limita
a abordar a contribuição de Boaventura de Sousa Santos para o mesmo debate,
a partir de uma perspectiva – teorias do sul – pouco contemplada até aqui pela
bibliograa pertinente. Sua formulação a respeito do tema, a partir da perspec-
tiva de uma epistemologia do sul, é bastante peculiar e coloca desaos que não
se encontram, ao menos explicitamente, nas contribuições de outros protago-
nistas do debate. É essa peculiaridade, a meu ver, que justica um texto lidan-
do especicamente com sua contribuição ao tema, explorando-a mais a fundo.
Ainda que a menção a reconhecimento e redistribuição apareça em muitos tex-
tos de Boaventura de Sousa Santos, é em seu “Nuestra América: reinventar um
paradigma subalterno de reconhecimento e redistribuição” (SANTOS, 2001,
2006a), que ele aborda mais diretamente o problema da relação entre os dois
temas. Por isso, embora eu recorra a outros textos de sua autoria, esse
último será meu ponto de partida.
3 Escrevi recentemente sobre as pautas de esquerda em texto ainda não publicado (SILVA, 2018b).
4 Ver, a propósito, Silva, 2008c, p. 93-110; 2009, p. 196-205; 2014, p. 119-145. Para um balanço da recepção
no Brasil, desses debates ver: Souza, 2012.

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