O estado laico e a liberdade religiosa no Brasil: o acordo Brasil - Santa Sé e a 'lei geral das religiões'

AutorCelso Gabatz
CargoPossui graduação em Direito pela Universidade Federal da Bahia (1980), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Católica do Salvador (1980), graduação em Psicologia pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública da Bahia mestrado em Direito Econômico pela Universidade Federal da Bahia (2000) e doutorado em Direito das Relações ...
Páginas47-65
Direitos Culturais, Santo Ângelo, v.13, n.29, p. 47-66 jan/abr.2018
O ESTADO LAICO E A LIBERDADE RELIGIOSA NO BRASIL:
O ACORDO BRASIL - SANTA SÉ E A “LEI GERAL DAS RELIGIÕES”
THE SECULAR STATE AND FREEDOM OF RELIGION IN BRAZIL:
THE AGREEMENT BRAZIL-HOLY SEE AND THE "GENERAL LAW ON
RELIGION”
Celso Gabatz
Resumo: Este artigo tem o objetivo de aprofundar algumas
questões acerca da laicidade e da liberdade religiosa, a Concordata firmada
entre o Estado Brasileiro e o Vaticano e as controvérsias decorrentes da
proposta da Lei Geral das Religiões. Ao mesmo tempo em que afirma a
existência de múltiplos e divergentes sentidos da laicidade, permite observar
os diferentes agentes na busca por demarcar, definir, atualizar, corrigir e
regular sua aplicação pelo Estado. O ativismo católico e evangélico tem
gerado efeitos bastante contraditórios. Há um recrudescimento das disputas
religiosas com desdobramentos na esfera pública, especialmente na arena
política.
Palavras-Chave: Concordata: Lei Geral das Religiões; Liberdade
Religiosa; Laicidade.
Abstract: This article aims to examine in further detail some
issues about secularism and freedom of religion, the Concordat established
between the Brazilian state and the Vatican and the controversies related to
the proposal of the General Law on Religion. While affirming the existence
of multiple and divergent meanings for secularism, it allows us to observe the
different agents seeking to delimit, define, update, correct and adjust its
application by the State. Both Catholic and evangelical activism have
generated quite contradictory effects. There has been a resurgence of
religious disputes with developments in the public sphere, especially i n the
political arena.
Keywords: Concordat; General Law on Religion; Freedom of
Religion, Laicism.
Sumário: Considerações Iniciais. 1. Os Caminhos da Laicização
do Estado Brasileiro. 2. Algumas Questões acerca d a Liberdade Religiosa. 3.
Da Concordata à “Lei Geral das Religiões”. Considerações Finais.
Referências.
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestre em
História Regional pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Pós-Graduado em Ciência da Religião e
Docência no Ensino Superior. Graduado em Sociologia, Teologia e Filosofia. Contato:
gabatz12@hotmail.com
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Direitos Culturais, Santo Ângelo, v.13, n.29, p. 47-66 jan/abr.2018
Considerações Iniciais
A sociedade contemporânea vem se caracterizando pela c oexistência de
diversos estilos de vida, visões de mundo, crenças e valores que cada indivíduo
pode compartilhar, sem estar, contudo, condicionado pelos seus parâmetros. É
possível identificar uma religiosidade alicerçada pelos múltiplos parâmetros da
secularização nas diferentes esferas sociais. Com o acentuado processo de
racionalização ocorreu uma quebra do monopólio institucional da religião. 1 Esta,
como outras esferas sociais acaba sendo forçada a demonstrar sua legitimidade em
relação aos sistemas constituídos.
O caráter laico do Estado, que lhe permite separar-se e distinguir-se das
religiões, oferece à esfera pública e à ordem social a possibilidade de convivência
da diversidade e da pluralidade humana. Permite, também, a cada um dos seus,
individualmente, a perspectiva da escolha de ser ou não crente, de associar-se ou
não a uma determinada instituição religiosa.2 E, decidindo por crer, ou tendo o
apelo para tal, é a laicidade do Estado que garante, a ca da um, a liberdade de
escolher e m que e como crer, ou simplesmente não crer, enquanto é plenamente
cidadão, em busca e no esforço de construção da igualdade.
Tão b ásico é o direito à liberdade de crença3 presente no foro íntimo de
cada um, que qualquer ameaça, incluindo a que se volta para a própria
possibilidade de sua existênc ia, torna-se ameaça à integridade da identidad e de
cada um, de grupos e da própria sociedade. A realidade representada por uma
multiplicidade de significados acabará suscitando novas possibilidades de
organização das relações sociais, multiplicando e diferenciando novos campos de
dominação simbólica e explicitando caminhos nos quais os sujeitos irão consolidar
sua(s) identidade(s).4
A reflexão e os desdobramentos sociais relativos ao caráter laico do
Estado são tema de grande relevância, em particular, para o Brasil. A Constituição
Federal de 1988 estabelece a laicidade estatal, d efinindo e normatizando as
relações com as instituições religiosas. Sendo do âmbito privado, as religiões e
denominações não podem normatizar a esfera pública, sendo limitadas a fazer
recomendações a seus adeptos.5
A grande diferença que há entre um Estado que se baseia na ordem
religiosa e o laico , é que neste último os sere s humanos são desafiados a plenificar
as relações humanas a partir de ações de forma respeitosa e com o objetivo de
1 LUHMANN, Niklas. La Religión de la Sociedad. Madrid: Trotta, 2007.
2 MAFRA, Maria Clara. Na P osse da Pala vra: religião, conversão e liberdade pessoal em dois
contextos nacionais. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2002.
3 “O p rocesso de afirmação da liberdade religiosa vem desde tempo longínquo e, especialmente no
Medievo, teve sua aparição d estacada na Carta do Convênio entre o Rei Afonso I de Aragon e os
Mouros de Tudela em 1119, em que se assegurava a liberdade de trânsito dos Mouros e o respeito aos
seus costumes religiosos. Aparição que se fizera como antecipação da tolerância que somente ganharia
corpo mais de quatrocentos anos depois. Mais comum, todavia, foram os conflitos entre o poder secular
e religioso, que projetava para o campo jurídico frequentes esforços de definição do campo de
influência de cada um dos mandos” (SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e
historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 142).
4 GIUMBELLI, Emerson. Religião, estado e modernidade: notas a propósito de fatos provisórios.
Revista de Estudos Avançados. São Paulo, v.18, n. 52, p.1-13, 2004.
5 M ORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios do Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006.

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