Laisser aller e respeito agonístico: considerações sobre as apropriações agonísticas da filosofia de Nietzsche

AutorJean Gabriel Castro da Costa
Páginas357-386
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2020.e71200
357357 – 386
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative
Commons. Com essa licença você pode compartilhar, adaptar, para qualquer m, desde que
atribua a autoria da obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
Laisser aller e respeito agonístico:
considerações sobre as apropriações
agonísticas da losoa de Nietzsche1
Jean Gabriel Castro da Costa2
Resumo
Neste artigo, analisamos o uso que os teóricos agonísticos da democracia tem feito da losoa
de Nietzsche com foco em uma de suas principais proposições normativas: a ideia de “respeito
agonístico”. Na primeira seção, apresentamos características gerais da apropriação da losoa
de Nietzsche pelos teóricos agonísticos da democracia. Na segunda seção, apresentamos o que
William Connolly e Lawrence Hatab entendem por “respeito agonístico” e “respeito democráti-
co”. Na terceira seção, criticamos estas apropriações da losoa de Nietzsche a partir de textos
do próprio Nietzsche, apontando alguns limites da noção de respeito agonístico e sustentando
que estes teóricos utilizam Nietzsche para promover uma ética do laisser aller que foi duramente
criticada por ele.
Palavras-chave: Nietzsche. Agonismo. Democracia. Respeito Agonístico.
1 Este artigo é um dos frutos da pesquisa realizada durante o meu Estágio Pós-doutoral realizado em 2015-2016
na Brown University, Providence, EUA, e no Graduate Center da City University of New York, Nova Iorque,
EUA. Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa con-
cedida durante o Estágio Pós-doutoral (Processo 99999.005959/2015-02) e aos pareceristas anônimos que
avaliaram este artigo.
2 Professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
Florianópolis/SC, Brasil. Pesquisador do Núcleo de Estudos do Pensamento Político (NEPP-UFSC) e do Grupo
de Estudos Nietzsche e a Teoria Política (GENTP). E-mail: jeancastrocosta@gmail.com
Laisser aller e respeito agonístico: considerações sobre as apropriações agonísticas da losoa de Nietzsche | Jean Gabriel Castro
da Costa
358 357 – 386
1 Características gerais da reexão dos “teóricos
agonísticos da democracia” e de sua apropriação da
losoa de Nietzsche
O termo “agonismo” é derivado do termo grego “agon”, que pode ser
traduzido como disputa ou conito. “Agonismo” era a valorização positiva
da disputa na cultura dos gregos antigos. Recentemente, o “agonismo” tem
sido objeto de reexão dos chamados “teóricos agonísticos da democracia”,
cujos trabalhos têm alguma repercussão na teoria política anglófona con-
temporânea3. As fontes a partir das quais estes teóricos chegaram ao tema
do “agonismo” encontram-se nos escritos de Nietzsche e de pensadores
franceses de meados do século XX, que se apropriaram, de maneira singu-
lar, da sua losoa, tais como Foucault, Lyotard, Deleuze e Derrida4.
Nietzsche e os pós-estruturalistas franceses são mobilizados pelos teó-
ricos agonísticos da democracia em favor de uma “democracia radical e
plural” que iria além dos limites da democracia liberal/procedimental e das
alternativas deliberativas que foram apresentadas a ela. Assim, criticam os
fundamentos metafísicos do liberalismo, que não se sustentariam mais em
regime de “morte de Deus” (ou “morte do fundamento”, como preferem
alguns). Para os agonistas, não haveria como demonstrar que a Razão seria
capaz de nos fornecer uma ideia de bem que seria derivada diretamente
da ordem do Ser. Não haveria, portanto, como fundamentar coisas como
“direitos universais” em Deus, na razão ou na natureza. Contra essa ex-
pectativa, os teóricos agonísticos armam que há sempre um elemento de
indecidibilidade nos valores últimos sustentados por cada perspectiva, e, se
uma destas perspectivas prevalece, é somente porque venceu uma luta e
conquistou uma hegemonia, que é sempre provisória e contingente.
Para os teóricos agonísticos, a concepção liberal de um self centrado
e autônomo, que seria capaz de escolher livremente entre os ns dados
3 Destacamos, entre estes “teóricos agonísticos da democracia”, William Connolly, Bonnie Honig, Chantal
Mouffe, Lawrence Hatab, James Tully e David Owen. Para uma perspectiva panorâmica e crítica dessa vertente
da teoria política contemporânea ver: Wenman, 2013. Neste artigo, quando menciono “teóricos agonísticos”,
rero-me a traços comuns a todos estes autores. Apresento esses traços para ajudar na compreensão do objeto
especíco deste artigo, que é o trabalho de Connolly e Hatab em torno da ideia de respeito agonístico.
4 Sobre a centralidade de Nietzsche para os pós-estruturalistas franceses ver: Marton, 2009 e Schrift, 1995.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT