Lavagem de dinheiro no desporto

AutorFausto Martin de Sanctis
Páginas61-71
Lavagem de dinheiro no desporto
Fausto Martin de Sanctis
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1. Desembargador Federal do TRF3.
2. Ora, o futebol da forma como veio a ser consagrado no país, ou seja, dança típica alegre e inventiva que envolve o parceiro e o exter-
mina sob o aplauso deste, numa celebração de forte expressão corporal, musical e sentimental, somente pode ter conotação de criação
cultural nacional, de reconhecimento mundial, sendo, pois, merecedor de tutela específica por força da ordem constitucional. Para
Leonardo Schmitt de Bem e Rafael Teixeira Ramos “o desporto na sociedade hodierna é imbuído de um aspecto transcendental sem
paradigma em quaisquer outras matérias da existência humana, característica essa que se colige no quinteto sócio-político-econômico-
-cultural e, sobretudo, jurídico” (In: Direito Desportivo. Tributo a Marcílio Krieger. Autoria coletiva. Coordenação de Leonardo Schmitt
de Bem e Rafael Teixeira Ramos. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p.17.)
3. HADDAD, Carlos Henrique Borlido. Sociedade contemporânea, criminalidade moderna, justiça de outrora. In: OLIVEIRA, Eugênio
Pacelli de (Cord.). Direito e Processo Penal na Justiça Federal: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Atlas S.A., 2011. p. 65.
1. INTRODUÇÃO
As estruturas culturais e econômicas que dão suporte à
evolução da sociedade se, por um lado, propiciaram um ex-
pressivo incremento de qualidade de vida, por outro, deram
ensejo à prática de toda a sorte de ilícitos dada a complexi-
dade das inovações tecnológicas e sua potencial capacidade
de gerar riscos, estando aí inserida, dentre tantos outros, a
lavagem de dinheiro no desporto. As relações estabelecidas
no ambiente desportivo não têm ficado imunes a tais prá-
ticas que, em regra, são cometidas com absoluta discrição,
portanto, mantidas longe do alcance do Estado.
No Brasil, a regulamentação do desporto ocorreu por
meio da Lei n. 9.615, de 24.03.1998, que, em seu art. 1º,
§ 1º, prescreve que “a prática desportiva formal é regulada
por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prá-
tica desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respecti-
vas entidades nacionais de administração do desporto” e,
em seu art. 2º, parágrafo único, preceitua que “a explora-
ção e a gestão do desporto profissional constituem exercí-
cio de atividade econômica sujeitando-se, especificamente,
à observância dos princípios da transparência financeira
e administrativa, da moralidade na gestão desportiva, da
responsabilidade social de seus dirigentes, do tratamento
diferenciado em relação ao desporto não profissional e da
participação na organização desportiva do País”.2
Mais recentemente, em 04 de agosto de 2015, entrou
em vigor no Brasil a Lei n. 13.155 (Lei de Responsabilida-
de Fiscal do Esporte – LRFE) que estabelece princípios e
práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão
transparente e democrática para entidades desportivas pro-
fissionais de futebol, cria o Programa de Modernização da
Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro e
dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das referidas en-
tidades, numa clara tentativa de coibir práticas irregulares
que possam repercutir negativamente no desporto.
A lavagem de dinheiro nesta seara vincula-se em cer-
ta medida à corrupção, que pode ser compreendida como
uma doença institucional, pois, além de afetar administra-
ções públicas nacionais e estrangeiras de uma forma direta,
recai igualmente sobre entidades privadas que podem, ao
mesmo tempo, ser ferramentas e vítimas de condutas per-
petradas por membros dentro e fora de sua organização. Na
verdade, onde quer que haja uma instituição em que po-
der e dinheiro estejam interligados haverá sempre um risco
de eventuais condutas criminosas. Isso é verdade mesmo
quando o objeto principal de tais organizações é o lazer, por
meio de prática desportiva, e onde a criminalidade pode
deixar suas marcas.
Esta disfuncionalidade nos compele a repensar as estru-
turas legais3 porquanto nos damos conta que “o crime orga-
nizado apresenta atuação transterritorial e é estruturado de
modo reticular, ao passo que as septuagenárias legislações
penal e processual penal são voltadas a crimes de caráter
interindividual e praticados em contextos sociais de baixo
enredamento. Sem saber como dar conta dos novos tipos
de conflitos surgidos das contradições socioeconômicas e
como lidar com a emergência de inéditos comportamen-
tos confrontacionais à legislação em vigor, editada quando
outras eram as condições do país, as instituições judiciais
revelam-se crescentemente enrijecidas, do ponto de vista
organizacional; presas a matrizes teóricas arcaicas, do pon-
to de vista de sua cultura técnico-profissional; e excessiva-
mente formalistas e ritualistas, sob o prisma processual e
procedimental”.
Deparamo-nos com esta dura realidade no primeiro
semestre de 2015, quando uma operação conduzida pelo
Federal Bureau of Investigation – FBI e pelas autoridades
suíças, ainda que em fase inicial, foi capaz de encarcerar
oficiais de alto nível da Fédération Internationale de Football
Association – FIFA, em uma tentativa de desmantelar o que
parecia ser um ambiente comum e notório de corrupção

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