A definição legal de 'empregador' e o conceito de 'empresa' segundo os perfis de Asquini

AutorUinie Caminha E Beatriz Rêgo Xavier
Páginas152-164

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1. Introdução

O presente trabalho tem por objeto a reavaliação da definição de "empregador" elaborada pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, a partir da aplicação do conceito de "empresa" segundo os perfis de Alberto Asquini [Asquini 1996].

Grande parte da doutrina especializada no direito do trabalho tece críticas acerca do posicionamento adotado pela Consolidação das Leis do Trabalho no tocante à configuração de "empregador", seja porque a legislação confundiria os conceitos de "empresa", "estabelecimento" e "empregador", seja porque atribuiria à empresa a natureza de sujeito de direitos ou, ainda, porque adotaria um posicionamento institucionalista quanto à relação de emprego.

No entanto, as construções doutrinárias contrárias à corrente adotada pelo legislador trabalhista carecem da análise do conceito em tela, considerando a empresa a partir de sua compreensão como fenômeno econômico e sua definição de acordo com a doutrina do direito empresarial.

Diferentemente, o que ora se propõe é a elaboração de análise do conceito de "empregador" que avance os limites do direito individual do trabalho. Sabe-se que tal ramo do Direito é autônomo e especializado dentro do direito privado, uma vez que tem por objeto um contrato de natureza especial, que é o contrato de trabalho: pessoal, subordinado, oneroso, contínuo e mediante alteridade e que, portanto, tem estatuto próprio.

Contudo, apontar a especialidade e a autonomia do direito do trabalho como razões para o estudo do contrato individual dissociado de outros ramos do direito privado e mais ainda, de outros ramos do saber diretamente relacionados à atividade produtiva - como o são o Direito Empresarial e a Economia, por exemplo - é incorrer em grave equívoco de natureza epistemo-lógica.

Justamente por compreender que o contrato individual de trabalho tem natureza privada e revela um acordo de vontades firmado entre dois dos sujeitos da produção e que se apresenta como um dos elementos essenciais à ordem econômica e social, es-

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pecialmente protegida pela Constituição, é que se pretende reconstruir o conceito de "empregador" considerando a empresa e os perfis desenhados por Asquini.

A opção pela teoria de Asquini conjugada com a concepção econômica da empresa, representada pela noção de feixe de contratos proposta por R. H. Coase [Coase 1990], para a compreensão do conceito legal de "empregador" se fez porque a relação existente entre empregador e empregado é de tal forma complexa que um aspecto apenas da empresa seria insuficiente para contemplar todas as vicissitudes do contrato individual de trabalho.

Para a consecução dos objetivos do presente artigo, inicialmente proceder-se-á à análise do conceito de "empresa" a partir da clássica teoria de Asquini, especificando cada um dos perfis que compõem o fenômeno complexo e de contornos econô-mico-sociais e jurídicos.

Em seguida, a legislação trabalhista consolidada será analisada nos diversos momentos em que se refere à figura do empregador, assim como será feita abordagem crítica do posicionamento adotado pela majoritária doutrina trabalhista em relação aos dispositivos que definem e prevêem os relativos ao empregador, nota-damente o art. 2°.

Por fim, conclui-se que a definição de "empregador" adotada pela Consolidação das Leis do Trabalho não apenas é coerente com a definição de "empresa" elaborada por Asquini, como se aplica perfeitamente à realidade dinâmica do contrato individual de trabalho.

2. O conceito de "empresa" e os perfis de Asquini

Ainda que não exista de fato um consenso acerca do conceito de "empresa", nem mesmo entre os especialistas em Economia, admite-se, para fins exclusivos do presente trabalho, que empresa é um feixe de contratos que estrutura a produção de bens e serviços para mercados, a fim de reduzir custos de transação [Coase 1990]. Nas palavras de Rachel Sztajn [Sztajn 2006: p. 199], a empresa seria constituída por contratos de "longa duração e execução continuada, comuns na organização da atividade econômica, que permitem atuar em mercados de forma eficiente, porque geram estabilidade na produção e na oferta de bens e serviços".

Vista dessa maneira, a empresa pode ser entendida por diversos ângulos: as partes nos contratos, o objeto dos contratos, as atividades resultantes dos contratos ou, ainda, a organização estruturada e regulada portais contratos. Note-se, todavia, conforme ensina Evaristo de Moraes Filho [Moraes Filho 1993: p. 11], que "o fato social empresa é um só, em sua inteireza objetiva e exterior, mas pode ser surpreendido através de vários pontos de vista, segundo a especialidade de quem o observa".

No clássico artigo intitulado "Pro-fili dell’impresa" ("Perfis da empresa"), Alberto Asquini1 inspirou a maioria dos doutrinadores especializados em direito empresarial ao elaborar um conceito de "empresa" compatível com sua natureza econômica multifacetada. Asquini entende a empresa como um "fenômeno econômico poliédrico, o qual tem, sob o aspecto jurídico, não um, mas diversos perfis em relação aos diversos elementos que o integram. As definições jurídicas de 'empresa' podem, portanto, ser diversas, segundo o diferente perfil pelo qual o fenômeno econômico é encarado" [Asquini 1996: pp. 109-110].

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A construção do conceito de "empresa" contempla, portanto, quatro principais aspectos jurídicos de um fato de natureza econômica, que se passa a analisar. Na realidade, segundo Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa [Verçosa 2004: p. 111], exatamente por se tratar de uma realidade econômica unitária, não é possível ter um conceito jurídico de "empresa" dissociado do econômico.2

2. 1 Perfil subjetivo

O aspecto subjetivo identifica o fenômeno econômico da empresa com a figura do seu titular: o empresário. Toda atividade empresarial pressupõe o empresário - individual ou sociedade empresária -, como sujeito de direitos e obrigações [Pacheco 1979: p. 23].

"Empresário", para Asquini, é aquele que exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada, tendo por fim a produção ou a troca de bens e serviços. Essa definição resulta da leitura do art. 2.082 do Código italiano de 1942, e é praticamente repetida pelo CC brasileiro no caput do art. 966, que diz: "Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços".

Do dispositivo legal, portanto, extraem-se os elementos definidores do titular da empresa. Assim, é empresário quem: (i) pratica atividade econômica organizada, compreendida esta como um trabalho autônomo, de caráter organizador e criativo, assumindo os riscos técnicos e econô-micos correlatos; (ii) profissionalmente e de modo reiterado; (iii) com o fim de produção ou circulação de bens ou serviços.

De acordo com Rachel Sztajn [Sztajn 2004: p. 13], a intermediação, noção própria do direito comercial, não é elemento essencial para a caracterização da figura do empresário. A organização da produção para promover atividade econômica, sim, configura o elemento nuclear do conceito de "empresário".

Ainda em relação ao perfil subjetivo, é relevante destacar que, segundo leitura do citado art. 966 do CC, não são considerados empresários os exercentes de profissões intelectuais, de natureza científica, literária ou artística, mesmo com o concurso de auxiliares ou colaboradores, exceto "se o exercício da profissão constituir elemento de empresa".

Acerca da exclusão dos referidos profissionais da condição de empresário, Rachel Sztajn [Sztajn 2004: p. 112] formula hipóteses que a justificam. Do exercício científico, a autora depreende que para caracterizar a empresa não são suficientes apenas a organização da atividade econômica, a profissionalidade no exercício desta atividade e a finalidade da produção ou circulação de bens e serviços. Pela letra da lei há, ainda, o "elemento de empresa" como condição essencial para a caracterização da empresa.

Citando Buonocore, Rachel Sztajn [Sztajn 2004: p. 118] reconhece o "elemento de empresa" pela assunção do risco da organização, pela economicidade e pela produtividade da atividade, esclarecendo que a economicidade se traduz pela procura do lucro e a produtividade pela criação de bens ou serviços, excluindo a simples fruição.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa [Verçosa 2004: p. 141], por sua vez, entende que a expressão "elemento de empresa", "encontrada no art. 966, parágrafo único, do NCC, não apresenta sentido jurídico claro". Para o autor, "caberia pergun-

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tar - caso o intérprete já não tivesse uma informação nesse sentido, à luz do ordenamento jurídico italiano, no qual o nosso direito da empresa está declaradamente calcado - se a intenção do legislador teria sido incluir no rol dos empresários aqueles que exercessem atividade intelectual organizada (de natureza científica, literária ou artística), desde que ela correspondesse ao objeto da empresa, e qual seria ele, como finalidade econômico-lucrativa.

Haroldo Malheiros Duclerc Verço-sa aponta duas interpretações possíveis, sendo a primeira a de que o elemento de empresa seria parte de uma organização mais complexa, que englobaria diversas atividades, inclusive algumas de cunho intelectual, que fariam parte da empresa, não sendo consideradas isoladamente, mas sim como parte da organização. Em uma segunda interpretação se entenderia aquele que exercesse atividade intelectual pura e simples - não inserida em uma organização da qual fosse uma parte, como empresário, pelo simples fato de organizar essa atividade. O objetivo desse "empresário" seria o...

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