A legalização dos cigarros eletrônicos no contexto de liberdade e autonomia do indivíduo

AutorJoedson de Souza Delgado - Ivo Teixeira Gico Júnior
CargoMestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília, UniCEUB - Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, USP
Páginas73-104
Rev. direitos fundam. democ., v. 23, n. 3, p. 73-104, set./dez. 2018.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v23i31290
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
A LEGALIZAÇÃO DOS CIGARROS ELETRÔNICOS NO CONTEXTO DE
LIBERDADE E AUTONOMIA DO INDIVÍDUO
THE LEGALIZATION OF ELECTRONIC CIGARETTES IN THE CONTEXT FREEDOM
AND AUTONOMY OF THE INDIVIDUAL
Joedson de Souza Delgado
Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília UniCEUB; Especialista em Direito
Sanitário pela Fundação Oswaldo Cruz Fiocruz e em Direito Administrativo pelo Instituto
Brasiliense de Direito Público IDP; Servidor público na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária Anvisa
Ivo Teixeira Gico Júnior
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo USP. Doutor em Economia pela
Universidade de Brasília UnB; Mestre com honra máxima em Direito pela Columbia
University in the City of New York, Estados Unidos; Professor do Programa de Pós-Graduação
em Direito do UniCEUB. Membro-fundador e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito
& Economia.
Resumo
Neste estudo, investigam-se se a política de proibição aos cigarros
eletrônicos no País afeta a liberdade e a autonomia do indivíduo em
consumi-los, diante do escopo regulatório da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) de promover e proteger a saúde pública.
A argumentação apoia-se na teoria do determinismo tecnológico ante
a abordagem descritiva exploratória, de cunho documental e
bibliográfico, em que são apresentadas as rupturas desafiadoras dos
arranjos institucionais colocados pela forte regulação sanitária e seu
campo organizacional. Concluem-se que as inovações disruptivas
revogam as expectativas sobre o funcionamento e o desenvolvimento
dos mercados, muitas vezes, suscitam preocupações morais, legais e
científicas entre os pesquisadores e formuladores de políticas.
Palavras-chave: Autonomia pessoal. Cigarros Eletrônicos. Difusão
de Inovação. Liberdade. Vigilância Sanitária.
Abstract
In this study, we investigate whether the policy of banning electronic
cigarettes in Brazil affects the freedom and autonomy of the individual
to consume them, given the regulatory scope of the Brazilian Health
Regulatory Agency (Anvisa) to promote and protect public health. The
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argumentation is based on the theory of technological determinism
before the descriptive exploratory approach, documental and
bibliographic, in which are presented the challenging ruptures of the
institutional arrangements placed by the strong sanitary regulation and
its organizational field. It is concluded that disruptive innovations
revoke expectations about the functioning and development of
markets, often raising moral, legal and scientific concerns among
researchers and policy makers.
Key-words: Personal Autonomy; Electronic Cigarettes; Diffusion of
Innovation; Freedom; Health Surveillance.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Brasil se destaca por possuir um dos esquemas normativos mais rigorosos do
mundo, em que é possível notar o anacronismo do atual arcabouço regulatório e dos
comandos legais que se resumem em uma negativa da evolução tecnológica. Para
tanto uma revisão metodológica dos resultados da Política Nacional de Controle do
Tabagismo se impõe e seu ponto de partida diz respeito a proibição do comércio,
importação e propaganda dos cigarros eletrônicos que afeta a fruição dos direitos
fundamentais civis (liberdades individuais) em prol de um direito social (direito à
saúde).
Diante desse cenário, a situação-problema questiona como as inovações
disruptivas afetam as práticas regulatórias da Anvisa que, ao intervir nos riscos
decorrentes do uso dos cigarros eletrônicos devem, também, respeitar a liberdade e a
autonomia do indivíduo com o direito de consumi-los?
Para responder tal questionamento, ampliar-se o terreno analítico para
compreender como o governo tem lidado com o controle da propaganda, a aquisição e
o consumo de produtos fumígenos derivados ou não do tabaco, com a restrição das
vendas por qualquer meio eletrônico e como a Anvisa tem decidido pelo banimento
(velado) dos cigarros eletrônicos, também, chamados de vaporizadores, vapes,
vaporizers, vape pens, hookah pens, e-pipes, Dispositivos Eletrônicos para Fumar
(DEFs) ou Sistemas Eletrônicos de Distribuição de Nicotina (ENDS, em inglês) ou,
opcionalmente, Sistemas Eletrônicos de Distribuição de Não-Nicotina (ENNDS, em
inglês) e mais conhecidos como e-cigarettes ou e-cigs.
Daí a importância da presente pesquisa: compreender e repensar a política
pública em saúde concernente à regulação sanitária de produtos fumígenos
representada pelo determinismo tecnológico com relação as (novas) maneiras de
exploração comercial da atividade e pelas (velhas) escolhas regulatórias dos poderes
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públicos e, com efeito, questionar o atual (des)equilíbrio desse subsistema. A teoria
do determinismo tecnológico afirma que que a mudança tecnológica explica
modificações na cultura, na política e na economia (DAGNINO, 2014, p. 51). Outra
vertente desta teoria é o interacionismo tecnológico desenvolvida por Thorstein Veblen,
John R. Commons, Wesley C. Mitchell e de novos expoentes como Douglass North,
Ronald Coase e Oliver Williamson, a qual denotam uma relação causal entre mudança
tecnológica e social que se modifica e restringe por estruturas sociais e crenças.
Para lograr o intento almejado da pesquisa, o artigo apresenta o modelo
regulatório dos cigarros eletrônicos erigido a partir de princípios e garantias
fundamentais impactado pelas novas tecnologias e dinâmicas (nas esferas do global,
fronteiriço e nacional); contribui para o processo de desenvolvimento e a forma como
as políticas e as intervenções podem ser formuladas e implementadas; participa da
efetivação das exigências de eficiência e legitimidade da regulação estatal (governança
regulatória) da Anvisa, atentando para os fatos sociais e para o porvir; e colabora para
que a Diretoria Colegiada (Dicol) da Anvisa descubra alternativas e limites de um novo
conjunto de abordagens regulatórias sobre os cigarros eletrônicos.
As circunstâncias ambivalentes entre inovação empresarial e regulação sanitária
nos remete às questões: Como o poder está disposto e como são concebidas as
preferências políticas no tocante aos métodos de tomada de decisão que abrangem
riscos à saúde? São os arranjos políticos que nos impede de perceber todos os
potenciais benefícios da inovação de origem tecnológica no campo da saúde humana?
Ou são importantes salvaguardas que nos protegem contra temores e riscos potenciais
à saúde pública? São as novas tecnologias que excedem os limites de nossas
capacidades para compreendê-los e controlá-las? Ou a regulação sanitária é um pilar
fundamental para fornecer as regras estáveis que permitem florescer inovações? É
possível a modernização do estoque regulatório vigente de produtos fumígenos
derivados ou não do tabaco, a fim de que seja sanada a falta de articulação e diálogo
institucional entre os arranjos regulatórios setoriais estabelecidos e a realidade desse
mercado?
Este trabalho objetiva gerar contribuições de natureza prática e teórica aos
formuladores de políticas públicas em vigilância sanitária com o exame do poder
estatal de ampla repercussão sociopolítica no dia a dia do cidadão. A questão-dilema
se torna mais complexa quando argumenta ser justificável que a Anvisa pode modificar
as escolhas políticas e preferências individuais com o bloqueio da entrada dos cigarros

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