Legislação

AutorWladimir Novaes Martinez/Francisco De Assis Martins
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário/Advogado em Direito Previdenciário e Direito Civil
Páginas157-190
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25. LEGISLAÇÃO
Seguindo a linha metodológica e conceitual adotada, faz-se um estudo crítico
da normatividade do direito aplicada à união estável, que é interpretado conforme a
lógica formal e, busca-se, assim, neste ensaio, outro entendimento que seja capaz
de mostrar toda a sua essência e a sua razão de ser.
Os comentários a seguir feitos não têm o objetivo de “dizer” a norma, em leitura
direta e, claro, desnecessária, mas tentar entender o “porquê” de ser expressa
daquela maneira.
DIREITO CANÔNICO
Durante o Concílio de Trento, na esteira da contrarreforma, houve a sacramen-
talização do matrimônio. Uma espécie de uma apropriação pela Igreja Católica.
Como o Direito Canônico exerceu uma influência considerável sobre as
Ordenações Filipinas que vigoravam no Brasil na época da colonização, ele teve
uma influência enorme sobre as relações de família aqui constituídas e tuteladas
pelos jesuítas.
O cânone 1055 — § 1º mostra toda a sua influência no nosso Direito da Família,
que assim dispõe: “O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem
o consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e
à geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo elevado à dignidade
de sacramento”.
A família é a célula mãe de toda a sociedade e o vínculo matrimonial, por sua
vez, constitui a base da existência familiar.
O matrimônio, para o Direito Canônico, funda-se na união entre o homem e
a mulher, que se comprometem a construir entre si uma comunidade para toda
vida. Assim, são características essenciais do matrimônio, para a Igreja Católica, a
unidade e a indissolubilidade.
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ORDENAÇÕES FILIPINAS — LIVRO V
As Ordenações Filipinas regeram a maior parte da vida colonial, e sua vigência
estendeu-se para além da independência do Brasil, sobrevivendo, em parte, ao
próprio regime monárquico. O Código Civil foi sancionado apenas em 1916, para
vigorar a partir de 1º de janeiro de 1917. Foi somente nessa data que as últimas
determinações das Ordenações Filipinas deixaram finalmente de vigorar. Este fato,
por si só, deixa claro como estava estruturado o nosso sistema jurídico e como as
demandas da sociedade estavam reprimidas.
Dentro do contexto histórico e político a que pertencem as Ordenações Filipi-
nas, em especial seu livro V que trata do direito penal, algumas reflexões se fazem
necessárias, para mostrar as mudanças ocorridas ao longo da história. As pena-
lidades aplicadas aos atos considerados delituosos continuam, em sua essência,
plenamente aplicados nos dias de hoje. Apenas adaptadas aos novos tempos, em
sua forma e interpretação. Outros tempos, outras maneiras de punir.
Num jogo de distinções hierárquicas, a aplicação das penas não deriva dire-
tamente do crime cometido. Degredo, açoites e outras marcas corporais, penas
pecuniárias ou qualquer uma das “mil mortes” eram distribuídas desigualmente,
conforme a gravidade do crime e os privilégios sociais do réu ou da vitima.
Nada tão familiar.
As Ordenações contêm elementos indissociáveis do mundo em que foi
concebido. A lei e o poder régios, o exercício da justiça e o domínio monárquico
aparecem intimamente ligados às hierarquias sociais e às políticas de dominação
do Antigo Regime. Através da aplicação das punições percebem-se as distinções
que ordenavam as desigualdades e os privilégios naquela sociedade. Fruto de uma
concepção de poder.
Se as leis eram a afirmação do poder do monarca, hoje são expressão do
domínio das classes dominantes.
O que importa é que, em todos os tempos, nos princípios e nas práticas penais,
a política está sempre presente, de modos diversos e em direções conflitantes. E
no direito de família não é diferente. É só procurar que a encontraremos.
Trazendo esta conceituação das Ordenações para o tema deste livro, algumas
reflexões e comparações serão de muita utilidade.
1 — “Que nenhum homem cortesão ou que costume andar na Corte traga nela
barregã (manceba, amásia, concubina). Ordenamos que o homem casado que tiver
barregã teúda e manteúda seja degredado pela primeira vez por três anos para
África”.
Termos até há pouco tempo largamente utilizados pela população e ainda
presentes no Código Civil. O preconceito da expressão “concubina”, como se vê,
tem uma origem remota, mas continua presente em face do conservadorismo do
nosso ordenamento jurídico que se mantém estagnado e não acompanha a evolução
da sociedade.
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2 — Do que matou sua mulher por a achar em adultério.
“Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar
a ela como o adúltero, salvo se o marido for peão e o adúltero fidalgo ou nosso
desembargador, ou pessoa de maior qualidade. Porém, quando matasse alguma
das sobreditas pessoas, achando-a com sua mulher em adultério, não morrerá por
isso, mas será degredado para África...”
A desigualdade no tratamento das pessoas, na sua essencialidade, continua
a vigorar. Quem pode mais sempre acaba se beneficiando do aparato judicial, de
uma forma ou de outra. E a instituição do matrimônio monogâmico transformou a
mulher em propriedade do homem, podendo dela dispor a seu bel-prazer.
Talvez por esta influência a agressão à mulher seja uma constante em nossa
sociedade. A maioria dos homens contemporâneos deve invejar e acreditar ser
também “uma pessoa de maior qualidade”.
Mas dependendo da situação econômica dos envolvidos, de sua posição
nas relações de produção na sociedade capitalista, e principalmente em face da
independência financeira da mulher, haverá certamente uma mudança significativa
neste contexto de agressões.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL — 1988
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Este artigo pode ser analisado em três pontos essenciais:
1 — Proteção do Estado.
Preconceito é a manifestação ideológica da sociedade conservadora. Assim,
todo o tratamento da união estável atualmente dado pela maioria dos doutrinadores
e legisladores está impregnado deste viés moralista, retrógrado e conservador. A
tibieza do legislador é patente.
Um mundo em transformação, na passagem do modo de produção feudal ao
burguês, necessitava de uma ordem social e política. E a Igreja desempenhou um
papel preponderante nesta nova organização, para a qual a instituição do casamento
foi apenas um dos instrumentos. Influência tão forte que perdura até hoje mesmo
que estejamos em um modo de produção puramente capitalista.
Assim, esta “proteção” do Estado, a intenção de tutelar as relações matrimoniais
é a mais pura manifestação dos interesses conservadores atuantes na elaboração
das leis, ou segundo Lassale, dos “fatores reais de poder”.

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