Legislação especial

AutorJamil Chaim Alves
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito Penal pela PUC-SP
Páginas245-304
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LEGISLAÇÃO ESPECIAL
A Lei 8.078/1990, ao tratar dos crimes contra as relações de con-
sumo, traz disposições especícas no tocante às penas alternativas.
O art. 78 prevê a possibilidade de que as penas restritivas de
direitos sejam impostas cumulativamente ou alternadamente às penas
privativas de liberdade e de multa, observado o disposto nos arts. 44
a 47 do Código Penal. Em seguida, elenca as seguintes espécies de
penas restritivas: interdição temporária de direitos; publicação em ór-
gãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas
do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação; e prestação
de serviços à comunidade.
A interdição temporária de direitos e a prestação de serviços à comu-
nidade não apresentam nenhuma peculiaridade, aplicando-se o que foi
mencionado anteriormente. Já a publicação de sentença condenatória em
órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às custas do
condenado, é uma sanção nova. Como assevera Nucci, “cuida-se de pena
restritiva de direito não existente em outro campo penal, mas que tem
pertinência com o cenário das relações de consumo, por abrangerem um
número indeterminado de pessoas”1. No campo prático, todavia, a sanção
apresenta pouca relevância, pois não tem sido aplicada.
No que tange à possibilidade de imposição cumulativa de penas
restritivas e prisão, o dispositivo é criticável. Como observa Shecaira,
a referência aos arts. 44 a 47 do Código Penal é uma contradição,
pois este diploma concebe as penas restritivas como substitutivas, não
1 Leis penais e processuais penais comentadas. v. 1. p. 108.
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penas alternativasteoria e prática
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cumulativas. Aliás, toda a sistemática do Código Penal é orientada
de acordo com o caráter substitutivo das penas restritivas de direitos.
Por isso, nos dizeres do autor, “remeter-se ao Código Penal para que
este sirva de pilar onde se assentará a ideia da cumulação é imaginar
como real o que é ctício, confundir o sólido com o frágil, presumir a
existência quando há ausência”. O autor critica, ainda, a possibilidade
de aplicação cumulativa das penas restritivas de direitos: “as penas
restritivas de direitos – e em particular a prestação de serviços à co-
munidade – foram concebidas como alternativa à pena carcerária.
Trata-se de encontrar caminhos para reformar a sentença de maldição
que constitui a clausura do processo penal atual, que cria estigmas
graves e amplia, sempre, a marginalidade através da aplicação em
larga escala da pena privativa de liberdade. A cumulação das penas é
a negação do sentido nalístico, teleológico que o legislador penal de
1984 pretendeu dar à substituição da pena de encarceramento. Ora,
cumular a pena substituída com a substitutiva faz soçobrar a própria
ideia de substituição”2.
Outro aspecto digno de nota se refere ao fato de que a pena mí-
nima cominada a todas as infrações penais previstas no Código de
Defesa do Consumidor é igual ou inferior a seis meses. Sabendo-se
que a prestação de serviços à comunidade somente é aplicável às con-
denações superiores a seis meses (art. 46 do Código Penal) e, diante
da atual tendência da política de pena mínima, é de concluir que esta
benéca espécie de sanção raramente será aplicada aos delitos contra
as relações de consumo.
É importante consignar, ainda, que o artigo em questão fere o
princípio da legalidade. Isso porque, para as hipóteses de cumulação
de penas, não há previsão legal da duração da prestação de serviços
à comunidade ou da interdição de direitos3. Se, por exemplo, deter-
minado delito for apenado com detenção pelo prazo de três meses,
qual será o prazo da pena restritiva? Os mesmos três meses? Ou po-
deria o magistrado aplicar quantidade menor? Há quem entenda que
2 Prestação de serviços à comunidade – alternativa à pena privativa de liberdade.
p. 64.
3 Shecaira. Prestação de serviços à comunidade – alternativa à pena privativa de
liberdade. p. 65.
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o prazo da pena restritiva de direitos seria o mesmo da pena privativa.
Assim, se o juiz condenasse a cinco meses de detenção, poderia apli-
car, conjuntamente, cinco meses de interdição de direitos. O problema
é que a lei não diz isso. Nela, simplesmente se faz referência à possi-
bilidade de a pena restritiva ser imposta cumulativamente à privativa
de liberdade. Para se chegar à referida conclusão, seria preciso algum
dispositivo estabelecendo que as penas restritivas do art. 78 do Códi-
go de Defesa do Consumidor têm a mesma duração da pena privativa
de liberdade aplicada, em redação semelhante à do art. 55 do Código
Penal4. Não há, aqui, disposição como a do Código de Trânsito Brasileiro,
que, após prever que a suspensão do direito de dirigir pode ser imposta
isolada ou cumulativamente com outras penalidades (art. 292), estabele-
ce que sua duração será de dois meses a cinco anos (art. 293).
6.2 LEI 9.099/1995 (JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS)
6.2.1 Introdução e esboço histórico
A constatação de que a pena de prisão não tem sido capaz de cum-
prir seu objetivo ressocializador, somada ao elevado número de infra-
ções de menor potencial ofensivo e ao aumento crescente do núme-
ro de encarcerados, levou o constituinte de 1988 a procurar medidas
alternativas para agilizar o processo, de modo a tornar possível uma
resposta rápida do Estado à criminalidade de pouca monta, sem o es-
tigma do processo5.
Tais medidas já vinham sendo adotadas com sucesso em outros
países. Conforme aponta Fernando da Costa Tourinho Filho, o legis-
lador constituinte, tendo em vista o patteggiamento italiano, o pro-
cesso sumaríssimo do Direito luso e também os excelentes resultados
alcançados na esfera cível pelo Juizado de Pequenas Causas, instituí-
do pela Lei 7.244 de 7 de novembro de 1984, contemplou os Juizados
Especiais Criminais na Constituição Federal6. Seu art. 98, I, assim
4 Art. 55 – “As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III, IV, V e VI do
art. 43 terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída (...)”.
5 Tourinho Filho. Comentários à lei dos juizados especiais criminais. p. 1.
6 Comentários à lei dos juizados especiais criminais. p. 6.
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