Legitimidade do uso da jurisprudência estrangeira pelos tribunais constitucionais

AutorGuilherme Peña de Moraes
Páginas33-58
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LEGITIMIDADE DO USO DA
JURISPRUDÊNCIA ESTRANGEIRA
PELOS TRIBUNAIS
CONSTITUCIONAIS
1. DEFINIÇÃO
O problema da legitimidade gira em torno da “fundamentação
científ‌ica”,1 ou seja, utilização de argumentos racionais ou lógicos que
possibilitem a justif‌icação da atividade desenvolvida pelos tribunais
constitucionais.2 A fundamentação ou justif‌icação, no domínio do
uso persuasivo da jurisprudência estrangeira, “cuida de encontrar”
e, ulteriormente, “demonstrar as razões que formam a legitimidade
da conclusão”.3
No âmbito da Filosof‌ia do Direito, entre as teorizações sobre a
legitimidade, destacam-se as consubstanciadas por Max Weber, em
Economia e sociedade, Hans Kelsen, em Teoria pura do direito, e Jürgen
Habermas, em Teoria da ação comunicativa.4
Para a teoria weberiana, como a dominação legítima seria
evidenciada pela probabilidade de obediência a um determinado
mandato, a legitimidade é def‌inida como “probabilidade de uma
dominação ser tratada praticamente como tal e mantida em uma
proporção importante”. Face à exposição, é na crença genérica em
1. BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 140-141.
2. SANTOS, Maria Celeste dos. Poder jurídico e violência simbólica. São Paulo: Cultural
Paulista, 1985. p. 111-112.
3. COMPARATO, Fábio K. Legitimidade do poder de reforma constitucional. Fortaleza:
FWA – Fundação Waldemar Alcântara, 1994. p. 12. V., também, do mesmo autor: Fun-
damentos dos Direitos Humanos: a noção jurídica de fundamento e a sua importância
em matéria de direitos humanos. Revista Consulex, nº 48, 2000, p. 53.
4. CELLA, José Renato G. A crítica de Habermas à ideia de legitimidade em Weber e Kelsen.
Palestra do XXIIº Congresso Mundial de Filosof‌ia do Direito e Filosof‌ia Social que,
proferida em Granada, em 02.03.2005, foi promovida pela IVRInternationale Verei-
nigung für Rechts – und Sozialphilosophie.
CONSTITUCIONALISMO MULTINACIONAL • GUILherMe PeñA de MOrAeS
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sua legitimidade que repousa a estabilidade de uma dominação, in-
dependentemente do motivo específ‌ico de cada um dos dominados
para obedecer aos mandamentos que lhes são impostos.5
Para a teoria kelseniana, como o problema da legitimidade
de uma ordem jurídica se colocaria na questão do procedimento, a
legitimidade é determinada pelo “princípio de que a norma de um
ordenamento jurídico é válida até a sua validade terminar por um
modo determinado através deste mesmo ordenamento jurídico, ou
até ser substituída pela validade de outra norma”. Dessarte, é no
interior da ordem jurídica que localiza-se o processo formal, já que
este deve ser estabelecido por aquela.6
Para a teoria habermasiana, como o direito moderno não seria
desconectado da moral e da política, “a simples virtude da correção
procedimental do ordenamento jurídico não pode engendrar a le-
gitimidade per si”. Face ao exposto, é na relação com a moral, limi-
tada pelo relacionamento com a política, que reside a legitimidade
do direito positivo, de sorte que o entrelaçamento das três noçes
é hábil a impedir que o fenômeno jurídico seja dissolvido em pura
consideração moral, ou mesmo pura imposição política.7
No que pese a discussão, as teorizações compreensiva, normativa e
comunicativa podem ser ligadas por um f‌io condutor, qual seja: a legiti-
mação do direito positivo pelo procedimento juridicamente organizado,
razão pela qual as próximas linhas serão dedicadas à formulação de uma
doutrina neutra sobre quais os materiais estrangeiros são relevantes e
como eles devem ser utilizados. O problema não é o uso da jurisprudên-
cia estrangeira em si, mas a utilização inadequada ou superf‌icial dela.
2. DEBATE TEÓRICO
A legitimidade da utilização de jurisprudência estrangeira
pela justiça constitucional não é imune ao debate teórico, de sorte a
5. WEBER, Max. Wirtschaft und Gesellschaft. Grundriss der verstehenden Soziologie. 5.
ed. Tübingen: J. C. B. Mohr, 1980. p. 171.
6. KELSEN, Hans. Reine Reehtslehre. 2. ed. Wien: Franz Deuticke, 1960. p. 233.
7. HABERMAS, Jürgen. Theorie des kommunikativen Handelns. 3. ed. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1985. p. 343. V., também, do mesmo autor: Wie ist Legitimität durch Le-
galität möglich?. KJ – Kritische Justiz, nº 20, 1987. p. 1-16.

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