O legítimo interesse do contro lador no tratamento de dados pessoais e o teste de pro porcionalidade euro peu: desafios e caminhos para uma aplicação no cenário brasileiro

AutorMarcela Joelsons
Páginas119-142
O LEGÍTIMO INTERESSE DO CONTROLADOR
NO TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E O
TESTE DE PROPORCIONALIDADE EUROPEU:
DESAFIOS E CAMINHOS PARA UMA
APLICAÇÃO NO CENÁRIO BRASILEIRO1
Marcela Joelsons
Mestranda em Direito Europeu e Alemão pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Especialista em Direito Civil Aplicado pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul. Pesquisadora Grupo de Pesquisa CNPq Mercosul, Direito do
Consumidor e Globalização. Advogada. marcela@scaadvocacia.com.br.
Sumário: 1. Introdução. 2. O uso do legítimo interesse do controlador como base legal para o
tratamento de dados pessoais no âmbito da União Europeia. 2.1 O teste de proporcionalidade
oriundo do Parecer 06/2014 do Grupo de Trabalho do Artigo 29º para Proteção de Dados.
2.2 Novas propostas de sistematização do teste de proporcionalidade e as controvérsias
acerca do uso do legítimo interesse como fundamento para o tratamento de dados. 3. O uso
do legítimo interesse do controlador como base legal para o tratamento de dados pessoais
no ordenamento jurídico brasileiro. 3.1 Primeiras impressões sobre a interpretação da base
legal e o uso do legítimo interesse do controlador no Brasil. 3.2 Caminhos para aplicação do
teste de proporcionalidade no âmbito nacional. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O advento, o desenvolvimento e o uso da internet como uma ferramenta básica e
amplamente difundida na sociedade contemporânea caracterizaram a transformação da
organização social para uma sociedade essencialmente constituída sob a acumulação e
circulação de informações.2
Os dados pessoais são valiosos no mercado de informação, sendo extremamente vanta-
joso para o empresário possuir essas informações, uma vez que, conhecendo as preferências
e as necessidades de seus clientes ou clientes em potencial, da forma mais detalhada possível,
pode tomar decisões a respeito de seus ambientes competitivos, aumentar a ef‌iciência de seu
processo produtivo, diminuir o risco de suas operações e assim direcionar seus investimentos.3
1. Texto originalmente publicado na Revista de Direito e as Novas Tecnologias, São Paulo, v. 8, jul./set. 2020.
2. DIVINO, Sthefano Bruno Santos. A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos contratos eletrônicos
de tecnologias interativas: o tratamento de dados como modelo de remuneração. Revista de Direito do Consumidor,
São Paulo, v. 118, p. 221-245, jul./ago. 2018.
3. PARCHEN, Charles Emannuel; FREITAS, Cinthia Obladen de Almadra; MEIRELES, Jussara Maria Leal de. Vício
do consentimento através do neuromarketing nos contratos da era digital. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo, v. 115, p. 331-356, jan./fev. 2018.
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O êxito dos algoritmos e sistemas de captação de dados e de rastreio de movi-
mentação online dos usuários da internet se deu em consonância com o avanço da
tecnologia e das redes sociais. Atualmente, estes espaços virtuais tornaram-se uma
espécie de extensão da vida do internauta e, através deles, são divulgados seus dados
pessoais, a história, os pensamentos, os gostos. Por meio das redes sociais, o usuário
também recebe informações e interage neste mundo virtual paralelo e totalmente
personalizável, adequado aos seus interesses, em troca da especif‌icação cada vez mais
cirúrgica da publicidade e do aumento das chances de sucesso das empresas detentoras
destas informações.4
Em agosto de 2018 foi promulgada a Lei 13.709 conhecida como Lei Geral de Pro-
teção de Dados (LGPD)5, para dispor sobre a proteção de dados pessoais na sociedade
brasileira, que entraria em vigor em agosto de 2020.6 Esta legislação vem sendo objeto
de estudos e especulações desde sua promulgação, sendo notório que um dos pontos
mais sensíveis da nova lei é o legítimo interesse do controlador como base legal para o
tratamento de dados pessoais dos cidadãos, que se distingue por não surgir sustentado
no direito à autodeterminação informacional.
Uma previsão semelhante existente tanto na Diretiva 95/46/CE do Parlamento Eu-
ropeu e do Conselho (Diretiva 95/46/CE)7 como no Regulamento Geral sobre a Proteção
de Dados da União Europeia (RGPD)8 já havia sido questionada no passado uma vez que
a subjetividade, amplitude e maleabilidade da terminologia poderia acabar por constituir
4. VERBICARO, Dennis; MARTINS, Ana Paula Pereira. A contratação eletrônica de aplicativos virtuais no Brasil e
a nova dimensão da privacidade do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 116, p. 269-391,
mar./abr. 2018.
5. BRASIL. Lei n. 13.709 de 14 de agosto 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 12.08.2020.
6. A vigência inicial da LGPD era prevista para março de 2020 e restou alterada pela MP 869/2018 para agosto de
2020. Após, a MP 959/2020 determinou o adiamento da vigência da LGPD para maio de 2021, e em paralelo o
Projeto de Lei 1.179/2020 foi sancionado prorrogando a vacatio legis até janeiro de 2021, com aplicações das
sanções a partir de agosto de 2021. Em 25 de agosto de 2020 a Câmara dos Deputados votou a Lei em Conversão
da MP 959/2020 no sentido de postergar a entrada em vigor da LGPD até 31 de dezembro de 2020, todavia, em
26 de agosto o Senado Federal rejeitou a parte da Medida Provisória 959/2020 que tratava sobre a postergação da
vigência da LGPD. Logo após a decisão do Senado, uma questão importante foi levantada por alguns operadores
de direito: como não houve tecnicamente apreciação e aprovação dessa matéria específ‌ica na Lei em Conversão,
teria ocorrido uma caducidade parcial, com efeitos imediatos, e a consequente entrada em vigor da LGPD ime-
diatamente. Da mesma forma, um grupo defendia a necessidade de sanção presidencial. O Senado, para pôr f‌im
à discussão, divulgou uma nota de esclarecimento af‌irmando que a LGPD não entra em vigor imediatamente,
mas somente após sanção ou veto do restante do projeto de Lei de Conversão pelo Presidente da República, nos
exatos termos do §12 do art. 62 da Constituição Federal. Assim, até a data de envio deste artigo temos as seguintes
datas de entrada em vigor: (i) 28 de dezembro de 2018 para os artigos 55-A, 55-B, 55-C, 55-D, 55-E, 55-F, 55-G,
55-H, 55-I, 55-J, 55-K, 55-L, 58-A e 58-B; (ii) 1º de agosto de 2021 para os arts. 52, 53 e 54 (de acordo com a Lei
14.010/2020) e (iii) imediatamente após a sanção ou veto dos demais dispositivos da Lei em Conversão da MP
959/2020 pelo presidente da república, o que deve ocorrer em até 15 dias úteis após o recebimento da lei na casa
civil. A estimativa é que isto ocorra até o dia 18 de setembro de 2020.
7. UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 95/46/EC do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de outubro de 1995 relativa à
proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.
Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:31995L0046&from=PT. Acesso
em: 12 ago. 2020.
8. UNIÃO EUROPEIA. Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento e do Conselho Europeu de 27 de abril de 2016 relativo
à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados
e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados). Disponível em: https://eur-lex.
europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32016R0679&from=PT. Acesso em: 12.08.2020.
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