Lei complementar

AutorRobson Maia Lins
Páginas253-284
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3. LEI COMPLEMENTAR
Como visto no capítulo I, podemos encontrar no sistema
normativo duas espécies de veículos introdutores de normas:
(i) primários e (ii) secundários. Importante reiterar que ape-
nas os veículos primários possuem o condão de inserirem atos
inaugurais no ordenamento jurídico, ao passo que os secun-
dários devem observar estritamente os contornos legais con-
feridos pela primeira espécie.
Cabe destacar que a expressão inaugural requer uma
maior precisão semântica. Isso porque, em acepção ampla,
tanto os veículos primários quanto os secundários podem in-
serir atos inaugurais no ordenamento jurídico, uma vez que
introduzem novos signos, os quais passam a incorporar o tex-
to normativo. Nesse contexto, a diferença entre esses dois ti-
pos de veículos reside no fato de o veículo secundário estar
necessariamente adstrito às delimitações impostas pelo veí-
culo primário, sendo que a recíproca não é verdadeira.
Em matéria tributária, é importante frisar que as dispo-
sições referentes ao arquétipo da Regra-Matriz de Incidência
Tributária devem necessariamente ser tratadas por meio de
veículos primários, observando, dessa forma, o princípio da
estrita legalidade, bem como efetivando a Segurança Jurídica
na relação Fisco e Contribuinte. Observamos que as relações
jurídicas tributárias possuem especial tratamento no corpo
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ROBSON MAIA LINS
constitucional, embora, por inúmeras vezes note-se na prag-
mática a tentativa de desvirtuar esse modelo.173
Com efeito, nunca é demasiado reiterar que nosso Siste-
ma Constitucional Tributário é caracterizado por ser rígido e
detalhado, nos ofertando os pressupostos necessários para o
adequado trato das questões jurídicas de natureza tributária,
devendo, portanto, toda interpretação que pretenda ser qua-
lificada como jurídica ter como ponto de partida e de destino
o próprio texto constitucional.
Não obstante, por mais rígida e detalhada que seja nossa
Carta Magna no trato da temática tributária, não tem ela o
condão de exaurir todas as possíveis dúvidas que essa área
pode suscitar, necessitando, portanto, de instrumento idôneo
que realce em tons mais nítidos os contornos constitucionais
conferidos a cada tema de nosso direito tributário. É nesse
mister que verificamos a relevância da Lei Complementar em
nosso sistema normativo.
173. Sobre o assunto, a título exemplificativo, mencionamos decisão do STF noticia-
da em 01.08.2013. Em que ficou decidido que – Aumento na base de cálculo do IPTU
deve ser por lei, decide STF. Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF)
negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 648245, com repercussão geral
reconhecida, interposto pelo Município de Belo Horizonte a fim de manter reajuste
do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) instituído pela prefeitura em 2006.
No recurso julgado na sessão plenária desta quinta-feira (1º), o município questio-
nava decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que derrubou o novo
valor venal dos imóveis do município por ele ter sido fixado por decreto, e não por
lei. Segundo o relator do RE, ministro Gilmar Mendes, o reajuste do valor venal dos
imóveis para fim de cálculo do IPTU não dispensa a edição de lei, a não ser no caso
de correção monetária. Não caberia ao Executivo interferir no reajuste, e o Código
Tributário Nacional (CTN) seria claro quanto à exigência de lei. “É cediço que os
municípios não podem majorar o tributo, só atualizar valor pela correção monetá-
ria, já que não constitui aumento de tributo e não se submete a exigência de reserva
legal”, afirmou. No caso analisado, o Município de Belo Horizonte teria aumentado
em 50% a base de cálculo do tributo – o valor venal do imóvel – entre 2005 e 2006.
Cabe destacar que na ocasião o ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto
proferido pelo ministro Gilmar Mendes, mas ressaltou seu entendimento de que a
decisão tomada no RE se aplicaria apenas ao perfil encontrado no caso concreto,
uma vez que o decreto editado pela prefeitura alterou uma lei que fixava a base de
cálculo do IPTU. “Não seria propriamente um caso de reserva legal, mas de prefe-
rência de lei”, observou. O formato atual, observa o ministro, engessa o município,
que fica a mercê da câmara municipal, que por populismo ou animosidade, muitas
vezes mantém o imposto defasado. “Talvez em outra oportunidade seria hipótese
de se discutir se, mediante uma legislação com parâmetros objetivos e controláveis,
é possível reajustar o tributo para além da correção monetária”, afirmou.
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CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
3.1 Matérias reservadas à Lei Complementar
A Lei Complementar requer, para sua existência, a apro-
vação nas duas Casas do Congresso Nacional, por meio de
quorum qualificado de maioria absoluta e ter matéria prevista
na Constituição.
Em relação ao primeiro requisito, não encontramos
maiores dificuldades: trata-se de critério objetivo constitucional
de simples verificação. Não obstante, o mesmo não pode ser
dito do segundo requisito: matéria prevista na Constituição.
Sobre o assunto, formaram-se duas correntes de pensa-
mentos distintas, designadas corrente dicotômica e tricotômi-
ca. A primeira, como a própria nomenclatura sugere, sustenta
caber à lei complementar, em matéria tributária, dispor sobre
dois pontos: normas gerais sobre: a) conflito de competência
e b) limitações ao poder de tributar. Já a segunda corrente
sustenta que a esse veículo introdutor cabe dispor sobre: a)
normas gerais de direito tributário; b) conflitos de competên-
cia; e c) limites ao poder de tributar.
As duas correntes são representadas por grandes dou-
trinadores. Cabe-nos, nesse contexto, compreender a razão
dessa divisão, para posteriormente definirmos uma posição
visando à definição do conceito buscada neste capítulo.
3.1.1 Correntes dicotômica e tricotômica
Inicialmente, cabe esclarecer a origem desses dois posi-
cionamentos. A razão de divisão e divergência entre a corren-
te dicotômica e a tricotômica encontra-se na redação conferi-
da ao art. 18, §1º da superada Constituição de 1967, a qual deu
ensejo a dois vieses de interpretação. Dispunha o dispositivo:
Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributá-
rio, disporá sobre conflitos de competência nessa matéria entre
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e regulará
as limitações constitucionais.

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