A Lei complementar n. 126 e a abertura do mercado de resseguro

AutorRenato Buranello
Páginas99-107

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1. Introdução

A Lei Complementar n. 126, de 15 de janeiro de 2007, visa estabelecer a política de resseguros e retrocessão e respectiva in-termediação, regulando, assim, parte do Sistema Financeiro Nacional (SFN), nos atuais termos do art, 192 da Constituição Federal. Adicionalmente, a nova norma dispõe sobre operações de co-seguro, seguro no exterior e a contratação de seguro em moeda estrangeira. Evidente que o principal aspecto da lei disciplina a abertura do mercado de resseguros, uma vez que, desde o advento da Emenda Constitucional n. 13, de 1997, o resseguro deixou de ser cons-titucionalmente monopólio do Estado. Apesar da Lei n. 9.932, de 1999, ter sido introduzida visando à transferência de atribuições regulatórias do IRB-Brasil Resseguros S/A (IRB)1 para a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), bem como a abertura desse mercado, sua implementação foi prejudicada na discussão de sua cons-titucionalidade pelas ADI ns. 2.244-0 e 2.223-7, em razão do art. 192 da Constituição Federal dispor que a regulamentação do SFN seja feita por leis complementares. Tais incertezas prejudicavam a concretização de investimentos no setor, motivo pelo qual restou revogada a Lei n. 9.932, com a introdução do regramento geral da atividade através da lei complementar em estudo.

Como veremos, o IRB fica autorizado a continuar exercendo suas atividades de resseguro e de retrocessão, sem qualquer solução de continuidade, independentemente de requerimento e autorização governamental, qualificando-se como ressegurador local. Além de tratar do modelo de abertura, transfere-se as atribuições reguladora e fiscalizadora do segmento para o órgão regulador e fiscalizador da atividade de seguros no país, Superintendência de Segu-

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ros Privados (SUSEP), conforme definido em lei (arts. 2° e 3°), convergindo nossa legislação à do mercado internacional. Tendo em vista o acervo que a instituição, como monopolista, reguladora e fiscalizadora da atividade no país, acumulou ao longo de seus mais de sessenta anos de atuação, propõe-se que tal acervo seja fornecido ao novo órgão fiscalizador da atividade (art. 32, parágrafo único), permitindo o aproveitamento do histórico das informações do setor, na medida em que a realidade assim impuser. OIRB, neste contexto, perde suas funções de órgão regulador e fiscalizador do co-seguro, resseguro e retrocessão, bem como de colocações das operações de seguro no exterior.

2. Resseguro, co-seguro e retrocessão

O resseguro é um instrumento de distribuição da cobertura do risco entre duas ou mais seguradoras. É um novo seguro contratado pelo segurador para exonerar-se no todo ou em parte do risco tomado. O segurador aparece nesse contrato como segurado. O elemento básico do resseguro, em sentido estrito, é a efetiva transferência do risco do segurador primário a seu próprio segurador, é dizer, o ressegurador.2 Na definição de Fábio Ulhoa Coelho, "o resseguro é instrumento de distribuição da cobertura de risco entre duas companhias, sendo uma delas a seguradora, que contrata com os segurados, e a outra, a ressegu-radora, que cobre parte da prestação, na hipótese de verificação de sinistro".3 No conceito do Projeto de Lei n. 3.555, de 2004, denominado "Lei do Seguro", resseguro é a relação obrigacional pela qual o ressegurador, mediante o recebimento do prémio, garante o interesse da seguradora contra os riscos, próprios de sua atividade, decorrentes da celebração e execução de negócios de seguro. Nessa trilha, além da função pulverizadora, o resseguro apresenta outras importantes funções: a merca-dológica, a gestão de riscos, a financeira.

As seguradoras, hoje, raras vezes recorrem a outras companhias para ressegurar um único risco, geralmente formalizam contratos gerais em que cedem reciprocamente a outras seguradoras (co-seguro) ou a outras companhias resseguradoras (resseguro) a parte dos riscos segurados, que pela classificação excedem o limite técnico autorizado. As seguradoras conseguem, assim, obter pela equiparação e aumento da massa de riscos, maior equilíbrio entre a importância dos prémios cobrados e a dos capitais devidos aos segurados. Como referimos, esses valores são fixados pela SUSEP, seguindo as diretrizes do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), através da Resolução n. 40, de 2000, levando em consideração a capacidade da seguradora. Há duas formas mais comuns nas contratações de resseguro. Nos contratos automáticos ou contratos gerais de resseguro, a seguradora-cedente ressegura, em princípio, todos os riscos, respeitados os limites de responsabilidade, ramo e outros aspectos pré-definidos. De outro modo, são realizados os contratos não-automáticos ou contratos individuais de resseguro, também denominado contrato facultativo, onde o segurador transfere ao ressegurador parte de suas responsabilidades, mas não relativamente a todas as suas apólices, implicando diferentes percentuais de cessão, em cada caso.

Com o co-seguro, porém, o sistema é outro. Diversamente da operação de resseguro, na operação de co-seguro estão envolvidos o segurado e as seguradoras que estão aceitando o risco, nas condições e proporções definidas na apólice de seguro. O segurado, quando da ocorrência de um sinistro, deve legalmente ser ressarcido pelas várias seguradoras que, em co-seguro, deram cobertura proporcional ao interesse segurado. Conforme dispõe a própria lei complementar em destaque, em seu art. 2°, o co-seguro caracteriza-se pela opera-

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ção de seguro ha qual duas ou mais seguradoras, com anuência do segurado, distribuem entre si, percentualmente, os riscos de determinada apólice, sem solidariedade entre elas. Ainda, na compreensão da lei, é importante definir a retrocessão como operação de transferência de riscos de resseguro de resseguradores originários para outros resseguradores ou de resseguradores originários para seguradoras locais. Mediante a retrocessão, o ressegurador cede alguns riscos e, portanto, o respectivo prémio, ao retrocessionário, que assume o risco de garantir, na medida convencionada; a função de resseguro.

Dentro das operações típicas, agora conceituadas, a lei complementar coerentemente atende a um dos princípios gerais e constitucionais da atividade económica: a livre concorrência (art. 170, IV, da CF). Contudo, preocupa-se também em criar condições para o desenvolvimento do mercado de resseguros nacional, motivo pelo qual prevê oferta preferencial pelas seguradoras aos resseguradores que se instalarem localmente, sendo essa preferência de pelo menos sessenta por cento nos dois primeiros anos após a regulamentação dos requisitos específicos para atuação de resseguradores (além do IRB-Brasil Re) no país e de quarenta por cento nos anos subsequentes. Naturalmente, essa preferência poderá ser ou não exercida pelos resseguradores locais, em face da natureza do risco envolvido e das estratégias das empresas, entre outros fatores (art. 11), mas observando-se a garantia de que a oferta dê-se errí base equânime aòs concorrentes internacionais (art. 11, § 22). A oferta estabelece um incentivo às empresas instaladas nãó apenas no momento inicial de captação de negócios, mas rio período de estabilização de sua atividade empresarial, permitindo melhor planejamento e projéção de àtuação em mais longo prázó. A preférêri-cià; no entanto, poderá ser ajustada," por meio de lei ordinária, após o quarto'ano, pressúpohdo-se que a partir deste prazo o mercado aberto já estará consolidado è as empresas a ele adaptadas (art. 11, § 1°), motivo pelo qual o ajuste é limitado a quarenta por cento das cessões.

O órgão regulador disporá sobre a forma em que tal oferta ocorrerá, podendo realizar as adaptações que se façam necessárias no...

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