Lei do Estado ou lei da Plataforma? Cuidado com a privatização da regulação e da polícia

AutorLuca Belli - Pedro Augusto Francisco - Nicolo Zingales
Páginas471-478
447
Lei do Estado ou lei da Plataforma?
Cuidado com a privatização da regulação e da polícia
25 Lei do Estado ou lei da Plataforma?
Cuidado com a privatização da
regulação e da polícia
Luca Belli, Pedro Augusto Francisco e Nicolo Zingales
Nota: Os autores agradecem a Renan Medeiros de Oliveira pelo seu tra-
balho de tradução para o português deste artigo precedentemente publi-
cado em Luca Belli e Nicolo Zingales (Org.) (2017). Platform regulations:
how platforms are regulated and how they regulate us. Rio de Janerio:
FGV Direito Rio.
Resumo
Este capítulo argumenta que as plataformas digitais estão de-
sempenhando cada vez mais funções regulatórias e policiais,
que são tradicionalmente consideradas uma questão de di-
reito público. Os autores enfatizam que tais funções têm sido
cada vez mais delegadas às plataformas pelas autoridades
públicas, ao mesmo tempo em que as plataformas atribuem a
si próprias estas funções para evitar serem responsabilizadas,
tornando-se, de fato, ciber-reguladores e ciberpoliciais.
Depois de destacar a tendência de delegação de funções pú-
blicas para plataformas privadas, fornecemos exemplos con-
cretos de tal fenômeno. Por exemplo, o capítulo ilustra três ti-
pos de delegações de poder público: a imposição de injunções
contra intermediários inocentes, geralmente para a remoção
de conteúdo; a implementação do direito à exclusão de con-
teúdo em face dos mecanismos de busca, também conhecido
como “direito ao esquecimento”; e o alistamento de vários in-
termediários em um esquema voluntário para combater o “dis-
curso de ódio ilegal”. Mostramos em todos esses casos que a
quantidade de discrição conferida às plataformas é problemá-
tica do ponto de vista da proteção dos direitos individuais.
Além disso, o artigo examina o caso do regime paralelo de di-
reitos autorais desenvolvido pelo YouTube, para enfatizar ou-
tro efeito colateral da privatização da regulação e das funções
policiais: a aplicação extraterritorial de uma legislação nacio-
nal - neste caso, os direitos autorais dos EUA - que de fato
transforma a plataforma em um proxy privado para aplicação
global de regulação nacional. Concluímos destacando alguns
448
Governança e regulações da Internet na América Latina
Análise sobre infraestrutura, privacidade, cibersegurança e evoluções tecnológicas em
homenagem aos dez anos da South School on Internet Governance
dos desafios e soluções viáveis para a proteção dos direitos
individuais em uma época de crescente privatização da regu-
lação e da polícia.
25.1 Introdução
As plataformas digitais estão assumindo cada vez mais funções
de regulação e polícia, tipicamente consideradas uma questão de
direito público. Especificamente, tais funções foram delegadas de
forma crescente às plataformas por uma regulamentação pública e,
por outro lado, as plataformas estão se autoatribuindo essas funções
para evitar a responsabilização, tornando-se, de facto, ciberregulado-
res privados e ciberpoliciais. Esta tendência é exemplificada de forma
significativa por uma série de casos que discutiremos nas seções 2
e 3 desde capítulo, com foco em diferentes tipos de intermediários,
ilustrando seu crescente papel como pontos de controle da Internet.
Primeiro, examinaremos três tipos de delegações de poder público:
a imposição de injunções contra intermediários inocentes, geral-
mente para a remoção de conteúdo; a implementação do direito à
exclusão de conteúdo em face dos mecanismos de busca, também
conhecido como o “direito ao esquecimento”; e o alistamento de
vários intermediários em um esquema voluntário para combater o
“discurso de ódio ilegal”. Mostraremos em todos esses casos que
a o grau de discricionariedade conferido às plataformas é proble-
mático do ponto de vista da proteção dos direitos individuais. Em
segundo lugar, analisaremos o regime paralelo de direitos auto-
rais desenvolvido pelo YouTube, que pode ser considerada uma
das plataformas de distribuição de conteúdo mais utilizadas no
mundo. Este último exemplo é particularmente útil para enfatizar
outro efeito colateral da privatização das funções de regulação e
polícia, que é a aplicação extraterritorial de um regime regulatório
nacional - neste caso, a legislação de direitos autorais dos EUA -
de facto, transformando a plataforma em um proxy privado para
aplicação da lei nacional.
Por fim, extrairemos algumas conclusões, com base nos estudos
de caso apresentados, destacando desafios e possíveis soluções
para a proteção dos direitos individuais em uma era de privatização
crescente da regulação e da polícia.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT