Lei de Greve Anotada: Lei n. 7.783, de 28 de Junho de 1989

AutorFrancisco Gérson Marques de Lima
Ocupação do AutorDoutor. Professor da UFC. Procurador Regional do Trabalho
Páginas12-94

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Dispõe sobre o exercício do direito de greve, deine as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Comentários:
1.11. Greve, direito fundamental. A Constituição Federal (CF/88) estabeleceu a greve como direito fundamental dos trabalhadores (art. 9º). À exceção dos servidores militares, tanto os trabalhadores do setor privado quanto os servidores públicos são titulares do direito de greve.

A greve rompe a paz social, como uma explosão de gás, que acaba atingindo a vizinhança inteira. Ela atinge não só empregados e empregadores, como também a sociedade, saindo do campo dos interesses meramente interpartes para alcançar diversos outros interesses, direitos e sujeitos. Por isso, a Lei trata do assunto com muita prudência. É um direito que só deve ser exercido como último recurso pelos trabalhadores e, ainda assim, considerando sua dimensão, há de ser manejado com extrema responsabilidade.

O qualificativo de fundamental ao direito de greve é suiciente, sob o ponto de vista da legalidade, para retirar dos movimentos grevistas o tratamento policialesco e o caráter dado pela anterior Lei n. 4.330/64, a qual estabelecia várias sanções pelo exercício das paralisações de trabalhadores.
1.12. Prerrogativas dos trabalhadores. Outro aspecto importante é que a Lei, ainda seguindo a Constituição e reconhecendo a liberdade de paralisação, atribui aos trabalhadores — e somente a eles — decidir sobre: (a) oportunidade de exercer o direito de greve; e (b) quais interesses devam por meio dele defender.

Isto significa que cabe unicamente aos trabalhadores analisar o momento mais conveniente para promover a greve (Natal, Dia das Mães, véspera de feriado etc.). E, também, constitui prerrogativa dos operários eleger a pauta de reivindicação, isto é, os interesses que irão defender (reajuste salarial, melhores condições de trabalho, providências contra

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assédio, plano de saúde etc.). Não cabe ao empregador, nem ao sindicato patronal, nem ao Poder Público ingressar nesta liberdade-prerrogativa. Caso o façam, estarão cometendo séria violação ao direito de greve, caracterizando conduta antissindical.

Ver caput do art. 4º e suas anotações, desta Lei n. 7.783/89.

Segundo o Enunciado n. 526, da Recopilação do Comitê de Liberdade Sindical da OIT — Organização Internacional do Trabalho (2006), “os interesses proissionais e econômicos que os trabalhadores defendam mediante o direito de greve abarcam não só a obtenção de melhores condições de trabalho ou as reivindicações coletivas de ordem proissional, senão que englobam também a busca de soluções às questões de política econômica e social e aos problemas que se plantam na empresa e que interessam diretamente aos trabalhadores”.

1.13. A greve política tem sido vista com muitas reservas e cautela, tanto no Brasil quanto em outros países. Há indicativos de que o TST seja contrário à utilização da greve para obtenção de objetivos políticos. Este foi o entendimento esposado pelo então Presidente da Corte, Min. Oreste Dalazen, ao julgar a greve dos funcionários dos correios, em outubro/2011. Para ele, naquele caso concreto, todos os dias da paralisação deveriam ser descontados do salário dos grevistas, porque em certo momento a greve havia assumido caráter político, com pessoas iniltradas no movimento para, possivelmente, fazer da categoria massa de manobra (Disponível em: ).

Conforme a Recopilação do Comitê de Liberdade Sindical da OIT, “embora as greves de natureza puramente política não estejam cobertas pelos princípios da liberdade sindical, os sindicatos deveriam poder organizar greves de protesto, em particular para exercer uma crítica contra a política econômica e social do governo.” (Enunciado n. 529). E o Enunciado
n. 531 complementa, compreendendo a importância da consciência e do papel políticos dos trabalhadores na sociedade: “O direito de greve não deveria limitar-se aos conlitos de trabalho suscetíveis de indar em convênio coletivo determinado: os trabalhadores e suas organizações devem poder manifestar, em caso necessário em um âmbito mais amplo, seu possível descontentamento sobre questões econômicas e sociais que guardem relação com os interesses de seus membros”. Por outro lado, o mesmo Comitê internacional repudia a greve por razões puramente políticas, isto é, que não seja política econômica nem trabalhista. É o que se extrai dos Verbetes ns. 529 e 530, transcritos adiante, ao inal das anotações a este artigo.

Deste rápido apanhado, de todo modo, parece que a greve por razões meramente partidárias (na defesa de interesses de partidos políticos ou de candidatos a cargos públicos) não é aceita pela OIT nem pela jurisprudência pátria.

1.14. A greve de protesto é aquela em que uma categoria paralisa suas atividades em virtude da insatisfação com determinada política empresarial ou em virtude da prática de algum ato específico, que pode ter natureza trabalhista ou não. No Brasil, o TST tem jurisprudência de que a greve de protesto, quando não tenha vinculação trabalhista, não é permitida pela legislação pátria (v. ementa adiante, TST/SEDC, RO 51534-84.2012.5.02.0000).

A maior expressão da greve de protesto, que também eram políticas, foram as “greves gerais”, nos anos 1980, em que a paralisação se dava em todo o país e alcançava todas as categorias de trabalhadores, reclamando tanto da política trabalhista implementada pelo

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Governo, quanto da inlação desenfreada e da falta de democracia, porque o Brasil ainda era governado por militares, como decorrência do Golpe de 1964. De fato, a resistência e os movimentos empreendidos pelo movimento sindical foram fundamentais para o retorno da democracia no Brasil.

No âmbito internacional, na contemporaneidade, é de se mencionar a greve de protesto realizada pelas mulheres, na Argentina, em outubro/2016, contra o feminicídio, a violência de gênero e a discriminação no mercado de trabalho. Com protestos e marchas públicas, as mulheres paralisaram suas atividades por uma hora, no dia 19.10.2016.

1.15. Quanto às chamadas greves atípicas, assim consideradas as que não envolvem, propriamente a paralisação contínua do trabalho, a jurisprudência brasileira tem-nas entendido como discrepantes da Lei n. 7.783/89. É que esta lei tipifica a greve como paralisação coletiva, temporária e pacífica dos serviços prestados aos empregadores (art. 2º). Todavia, algumas categorias ainda utilizam estas modalidades, destacando-se a greve de zelo, da amabilidade, da mala, operação tartaruga etc.).

1.16. Tipos de greve e outros movimentos sindicais organizados. Dentre as várias modalidades de greves e protestos, vejam-se as seguintes:

  1. Greves de soluço: é aquela em que as paralisações se entremeiam com períodos curtos de retorno ao trabalho, alternando períodos de trabalho e de suspensão dos serviços;

  2. Operação tartaruga: embora não haja paralisação das atividades laborais, os serviços são desenvolvidos com lentidão suiciente para comprometer a produção da empresa;

  3. Greve setorial: é aquela em que a paralisação se dá apenas em alguns setores, normal-mente os que são fulcrais ao escoamento da produção ou que possuem uma função essencial na cadeia produtiva. A identificação de setores centrais da empresa e sua paralisação pode ser desastroso para os demais setores, além de obrigar a empresa a remunerar normalmente todos os demais obreiros; mas também pode expor o grupo de trabalhadores parados, por ser em menor número e, portanto, mais sujeitos a retaliações;

  4. Operação padrão: é, sobretudo, uma forma de protesto, em que os trabalhadores cumprem rigorosamente, ao pé da letra, todas as normas empresariais e legais de desenvolvimento da atividade laboral, com o ito de diminuir ou atrasar o ritmo da produção, causando prejuízos à empresa pelo excesso de zelo. Comum em categorias como a dos ferroviários, metroviários, controladores de voos e iscais de alfândegas, tende a ser de difícil discussão judicial, já que nela se cumpre rigorosamente a legislação e as normas da própria empresa. Há outra versão de operação padrão: a que implica apenas no procedimento básico do trabalho, só o essencial para a empresa continuar funcionando;

  5. Greve branca: é aquela em que há simples paralisação do trabalho, sem mobilização nem outras formas de protestos, desacompanhada de represálias ou atos de violência. É marcada pela tranquilidade e pela tolerância. Confunde-se com a segunda interpretação da operação padrão, apresentada há pouco;

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  6. Greve geral: marcada pela conscientização política, trata-se de paralisação que envolve várias categorias, com articulação de diversas entidades sindicais, quando possuem pauta comum. É paralisação de âmbito nacional, voltada muito mais a políticas públicas ou econômicas, de caráter genérico, do que a empregadores específicos. Costuma ter duração de 01 dia ou de poucas horas durante o expediente; é previamente divulgada à sociedade, envolve vários níveis de adesão e constitui uma das maiores demonstrações da ideologia trabalhista, na medida em que põe em discussão tema geral, que incomoda todos os trabalhadores. Constitui ponto alto do movimento organizado dos sindicatos. Ex.: Greve geral de 29.3.2012, na Espanha, em reação à reforma trabalhista, decorrente da crise econômica.

    O nome surgiu, no Brasil, na greve de 1917, que levou trabalhadores da indústria e do comércio a cruzarem os braços, em razão das más condições de trabalho, já que os imigrantes (sobretudo, italianos e espanhóis) recebiam tratamento análogo ao de escravos. Destacam-se, na mesma toada, duas outras greves gerais, no Brasil: em 1989 e 1991, articuladas pela CUT — Central Única dos...

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