Lesões Corporais (Art. 129)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas747-787
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Art. 129
1. Conceito de lesão corporal
A lesão corporal consiste no fato de o sujeito ati-
vo atingir a integridade corporal ou a saúde física ou
mental de outrem.
Bento de Faria, em suas anotações teórico-práti-
cas ao Código Penal do Brasil1462 a rmava: “A lesão
corporal é um ato voluntário com efeito material so-
bre a pessoa física de outrem, cometido não com o
escopo de matar, nem no de injuriar, mas sim com
o intuito de ofender a pessoa na sua inviolabilidade,
quer material, quer intelectual.”.
Cléber Masson1463, em sua doutrina, versando
sobre lesões corporais, leciona que: “Depende da
produção de algum dano no corpo da vítima, interno
ou externo, englobando qualquer alteração prejudi-
cial à sua saúde, inclusive problemas psíquicos. E
prescindível a produção de dores ou a irradiação de
sangue do organismo do ofendido. E a dor, por si,
só, não caracteriza lesão corporal. Não se exige o
emprego de meio violento: o crime pode ser come-
tido com emprego de grave ameaça (exemplo: pro-
messa de morte que provoca perturbações mentais
na pessoa intimidada) ou ainda mediante ato sexual
consentido. Também não é necessário que seja a
vítima portadora de saúde perfeita. O crime consiste
tanto em prejudicar uma pessoa plenamente saudá-
vel, bem como em agravar os problemas de saúde
de quem já se encontrava enfermo.”.
CURIOSIDADE INTERESSANTE
No contexto histórico, o delito de lesão corporal
apareceu, pela primeira vez, como delito autôno-
1462 Parte especial, 1913. v. 2, p. 416.
1463 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Es-
pecial – Volume 2. 9ª edição. Págs. 150/151. São Paulo:
Editora Método, 2016.
mo nas legislações dos povos bárbaros e na idade
média alemã. Neste contexto, Von Liszt a rma que
“as leis bárbaras prestavam a máxima atenção às
ofensas físicas. As fontes da idade média ulterior as
imitaram. Em geral distinguiam-se, de um lado, as
simples pancadas (correspondentes à romana injú-
ria real) e, de outro lado, as feridas sangrentas e as
mutilações.”1464
2. Análise didática do tipo penal
2.1. Os tipos de lesões são
a) lesão corporal dolosa leve;
b) lesão corporal grave;
c) lesão corporal gravíssima (hipótese doutrinária);
d) lesão corporal seguida de morte (lesão preter-
dolosa);
e) lesão corporal privilegiada;
f) lesão corporal culposa;
g) lesão corporal culposa majorada;
h) lesão corporal dolosa majorada;
i) lesão corporal culposa no trânsito;
j) lesão corporal culposa quali cada no trânsito;
l) lesão doméstica simples;
m) lesão doméstica majorada;
n) lesão corporal doméstica majorada cometida
contra pessoa portadora de de ciência.
o) lesão corporal funcional.
UMA DISTINÇÃO IMPORTANTE
O delito de lesão corporal se distingue da contra-
venção das vias de fato, porque na lesão corporal
o sujeito causa um dano à incolumidade física da
1464 Op cit., II, p. 26.
Capítulo 1
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vítima, o que não ocorre nas vias de fato. Assim, se
o sujeito dá um empurrão na vítima, responde pela
contravenção; se lhe desfere um soco, ferindo-a,
pratica lesão corporal.1465
2.1.1. A lesão corporal leve
Constitui lesão corporal leve o fato de alguém
ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.
OBSERVAÇÃO PRÁTICA
Observe que o tipo fundamental na realidade se
desdobra em dois:
a) ofender a integridade corporal de outrem;
b) ofender a saúde de outrem.
Para se fazer a distinção entre a lesão corporal
leve, grave e gravíssima, devemos usar o critério da
exclusão. Há delito de lesão corporal leve sempre
que o fato não se enquadra na descrição do art.
129, §§ 1º e 2º, que definem as lesões graves e
gravíssimas.
É também por exclusão que encontramos a
contravenção das vias de fato. O Professor Almeida
Júnior, exemplica essa infração: “A bofetada, o em-
purrão, a rasteira, o pescoção, a cuspidura no rosto,
o lançamento de um balde de água ou do conteúdo
de um vaso noturno sobre alguém — atos que geral-
mente não acarretam lesões — caracterizam (desde
que esta regra se conrme) as vias de fato.”1466
2.1.2. A lesão corporal grave
São casos de lesão corporal de natureza grave:
a) Incapacidade para as ocupações habituais
por mais de trinta dias
As ocupações habituais não se referem espe-
cicamente ao trabalho do ofendido, mas às suas
ocupações da vida em geral, como, por exemplo, o
trabalho, o asseio corporal, a recreação, etc. Trata-
se de ocupação concreta, não se exigindo que seja
lucrativa,1467 mas entendo que a atividade deve ser
lícita.
1465 Nesse sentido: TJPR, RvCrim 472, PJ, 33:213 e JESuS,
Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado, Ed. Saraiva,
2000.
1466 Lições de Medicina Legal, 1948, p. 178.
1467 Neste sentido: RT, 526:393,
JESuS
, Damásio Evangelista
de. Código Penal Anotado, Ed. Saraiva, 2000 e
NOrONHA
,
Magalhães. Direito Penal, 1977, v. 2, p. 74-88.
A maioria dos penalistas sustenta a exigibilidade
da ocupação lícita (vedando ruões, receptadores,
contraventores), desde que possam exercer as ativi-
dades normais. Há os que se rebelam contra as cha-
madas atividades imorais (prostituição), sustentando
que a lei não pode proteger vícios e imoralidades.
A relutância, por vergonha, de realizar as ocupa-
ções habituais por mais de trinta dias não agrava o
crime de lesão corporal.
A incapacidade para exercer as ocupações ha-
bituais deve ser provada por perícia médica “em
tempo hábil”.1468
Mayrink faz uma observação que deve ser leva-
da em consideração: “A doutrina advoga que signi-
ca qualquer modalidade de trabalho e não espe-
cicamente o trabalho a que a vítima se dedicava.
Contudo, há necessidade de serem estabelecidas
certas restrições, visto que não se pode exigir de um
intelectual ou de um artista que se inicie na atividade
de pedreiro. Fixa-se no campo do factualmente pos-
sível e não no teoricamente imaginável. Portanto,
incapacidade permanente é uma diminuição efetiva
da capacidade física comparada à que possuía a ví-
tima antes do fato punível.”1469
CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA
Existe controvérsia sobre a terminologia tempo
hábil, assim denida:
1º. posição adota um critério rigoroso, segun-
do o qual, por exemplo, é imprestável o laudo reali-
zado 37 dias depois do fato;1470
posição adota um critério liberal, pelo qual é
admissível como prova o laudo realizado alguns dias
após o 31º a partir do fato.1471
Deve ser realizado o exame complementar. A lei
xa um prazo mínimo que deve durar a incapacidade
para que a qualicadora seja reconhecida: “mais de
trinta dias”. Há necessidade de efetivação do laudo
pericial complementar, tão logo decorra esse prazo
(no 31º dia, portanto), contados da data do crime,
para se constatar a incapacidade por mais de trinta
dias (art. 168, § 2º, do CPP). Esse prazo será contado
1468 TJSP, RvCrim 78.248, RT, 649:256.
1469 Direito Penal, v. 2, t. 1, p. 231.
1470 RT, 412:279.
1471 RT, 398:385.
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em conformidade com o estabelecido no art. 10 do
CP. Se o exame complementar for realizado antes
de vencidos os trinta dias contados a partir da data
do crime, não terá idoneidade. Da mesma forma, se
for realizado muito tempo depois do cometimento do
crime, também não terá validade alguma. Isso não
quer dizer que o exame feito somente poucos dias
depois do prazo não seja válido. O STF, inclusive,
já se posicionou no sentido de que o prazo do art.
168, § 2º, do CPP não é peremptório.1472 Repele-se,
sim, o exame realizado tardiamente.1473 É a minha
posição.
b) Resulta na vítima perigo de vida
O perigo deve ser concreto, não sendo admitida
a mera presunção de perigo de vida. O perigo deve
ser investigado e comprovado por perícia.1474
O laudo pericial deve ser fundamentado, não
basta a resposta “sim, houve perigo de vida” ou “a
vítima estava em coma”.1475
O exame complementar não é exigido.1476
A diferença entre esta qualicadora e a tentativa de
homicídio é que o perigo de vida é uma qualicadora
preterdolosa, dolo quanto à lesão corporal e culpa
quanto ao perigo de vida. Entendeu a diferença?
Se o agente pratica o fato com dolo no tocante ao
perigo de vida, responde por tentativa de homicídio
e não por lesão corporal de natureza grave.1477
Mirabete1478 leciona que é também grave a lesão
que provoca perigo de vida para o ofendido. Emb ora,
em tese, qualquer lesão possa ocasionar complicações
que acarretem perigo de vida, a lei penal refere-se,
evidentemente, a um perigo efetivo, concreto, cons-
tatado no exame de corpo de delito, revelado por
coma, choque traumático, hemorragia grave, etc.
Tem-se entendido que o perito, no caso, vericando
uma realidade objetiva, deve fazer um Juízo de
probabilidade da ocorrência do resultado morte,
1472 DJU, 11-10-1996, p. 3899.
1473 Nesse sentido: CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal,
Parte Especial, v. 2, Editora Saraiva, 2003, p. 136.
1474 Nesse sentido: RTJ, 102:645; RT, 579:432 e 590:334.
1475 TJSP, ACrim 136.448, JTJ, 142:334.
1476 RT, 451:436.
1477 Neste sentido:
JESuS
, Damásio Evangelista de. Código
Penal Anotado, Ed. Saraiva, 2000 e
NOrONHA
, Magalhães.
Direito Penal, 1977, v. 2.
1478 Obra já citada.
fundamentando esse prognóstico. Desnecessária,
no caso, a realização de exame complementar; veri-
cado o perigo de vida pelo perito, fundamentando
sua conclusão, a pronta recuperação da vítima
irrelevante.
RESUMO PRÁTICO
Devemos considerar duas hipóteses, a seguir
enumeradas.
hipótese: “Tício” lesionou “Mévio”, agindo com
dolo direto ou eventual em relação ao perigo de vida.
Solução jurídica: “Tício” cometeu o crime de
tentativa de homicídio.
hipótese: “Tício” lesionou “Mévio”, agindo com
culpa em relação ao perigo de vida.
Solução jurídica: “Tício” cometeu o crime de lesão
corporal grave. Não esqueça: a qualificadora é
preterdolosa.
c) Debilidade permanente de membro, sentido
ou função
Os membros são:
a) superiores: o braço, o antebraço e a mão;
b) inferiores: a coxa, a perna e o pé.
Os sentidos são cinco:
a) visão;
b) olfato;
c) paladar;
d) audição;
e) tato.
A função é desempenhada pelos órgãos da pessoa
humana (digestiva, respiratória, circulatória, secre-
tora, reprodutora, sensitiva e locomotora).
O entendimento doutrinário majoritário é no sentido
de que: “A perda de dentes “per se” não congura
a debilidade permanente da função mastigatória,
devendo resultar por meio de prova pericial a gra-
vidade da lesão, sendo irrelevante que a debilidade
possa ser corrigida por via cirúrgica, ou por meio de
prótese dentária”.
Mirabete1479 nos ensina que no inciso III, do § 1º,
do art. 129, a lei refere-se à causação de debilidade
1479 Obra já citada.
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